• LOGO_DRAFTERS_NEGATIVO
  • VBT_LOGO_NEGATIVO
  • Logo

“Na descida do Everest, precisei tomar uma decisão complexa e me recusei a seguir sem um companheiro que tinha ficado para trás”

Bernardo Fonseca - 21 jul 2023
Bernardo Fonseca no Everest (foto: Gabriel Tarso).
Bernardo Fonseca - 21 jul 2023
COMPARTILHAR

Desde que me conheço por gente, fui muito agitado, praticando todo tipo de esportes.

Com 12 anos, fiz minha primeira maratona (não oficial, logicamente). Corri de uma cidade a outra no interior de Minas Gerais!

(Infelizmente, por ter perdido meu pai com apenas 1 ano, próximo de completar 10 eu já me considerava super “safo” e independente).

E descobri neste momento que tinha uma pré-disposição para conhecer meus limites. Uma cabeça forte para suportar a dor e o desconforto do corpo

Pratico uma enorme variedade de esportes e fundei uma agência de marketing esportivo, a X3M, construindo experiências esportivas para grandes marcas, como provas de corrida, triatlo, bike e muitos outros esportes que se conectam emocionalmente com os clientes.

Amo meu trabalho. Mas apesar de interagir com algo tão legal como o esporte, minha rotina também é lotada de pressões e desgastes comuns à maioria dos empreendedores.

SEMPRE GOSTEI DE ESPORTES RADICAIS, MAS O MAIOR PERIGO, PARA MIM, NESTAS PRÁTICAS NUNCA FOI O ASPECTO FÍSICO E, SIM, O MENTAL

Gosto muito de me desafiar. Tenho medo, lógico, mas considero esse sentimento muito importante para me proteger dos riscos de esportes mais radicais.

Enfrentar nossos medos é uma atitude importante. Ele não pode nos travar.

Pessoas que não têm medo são suicidas… Escalo rochas, salto de paraquedas, e todas as vezes rola um medo normal, que me faz olhar para o equipamento e planejar

Com montanhas de grande altitude não é diferente. Dá medo, afinal tem avalanches o tempo todo, riscos de gelo colapsar, fendas infinitas, frio que congela e mata… Mas existe outro perigo que poucos mensuram: o desafio mental

Muitos desistem de grandes desafios na vida porque simplesmente alguma coisa não inicialmente planejada ou não corretamente mensurada traz um desconforto, uma insegurança.

Essa insegurança, somada à alguma fraqueza, que pode ser algo momentâneo, vai crescendo até te consumir e fazer você desistir ou cometer algum erro que pode levar à morte. Foi isso que quase aconteceu há pouco tempo…

COMO PREPAREI O MEU CORPO E A MINHA MENTE PARA O MEU DESAFIO MAIS RECENTE: ESCALAR O EVEREST

Fui escalar o Everest com o projeto de documentário The Extra Mile, que tem como missão chamar atenção de todo o mundo para a vulnerabilidade dos ecossistemas da montanha, em especial, para a questão do lixo que é deixado para trás.

Já tinha bastante experiência com outras montanhas de grande risco — algumas tecnicamente bem mais perigosas –, mas nesta expedição vivenciei algo inédito, que foi muito desafiador superar. 

Mentalmente, já saí do Brasil para o Nepal abalado. Decidi escrever cartas para pessoas que eu amo, me colocando no futuro, desenhando um cenário em que eu simplesmente não voltava vivo, pois sabia que o risco de isso acontecer era grande…

Tive que ir a bancos, fazer procuração, desenhar cenários para a empresa, entre outras coisas que mexeram comigo. 

Mas isso em algum momento passou, à medida que fui me aclimatando na montanha. 

Uma expedição normal para o Everest dura entre 45 e 60 dias. Neste período, seu corpo vai colapsando aos poucos.

Dormir a 5 500 metros de altitude por muitos dias, a restrição de comida, noites mal dormidas… Tudo isso vai aos poucos destruindo músculos e a sua imunidade

No meu caso, fiz de tudo para me proteger! Comia o melhor possível e me hidratava muito. Tive um bom planejamento de aclimatação.

TUDO IA BEM, ATÉ QUE FIQUEI DOENTE E COMECEI A “ENTRAR EM PARAFUSO”, COM MEDO DE NÃO ATINGIR MEU OBJETIVO

Quase todo o base camp do Everest foi impactado por uma tosse e alguns, como eu, por uma bactéria que vai para o pulmão.

Ficar doente maximiza tudo de ruim…

Logicamente, me dediquei e estava na busca para voltar a ficar ativo e forte. Mas entrei num redemoinho do mal. Não estava conseguindo me hidratar e nem comer

Consequentemente, dormir ficou bem difícil. Eu sabia que isso era o básico — e, também, vital — para subir qualquer montanha alta.

Minha cabeça também “entrou em parafuso”. Só de pensar que existia a possibilidade de não atingir meu objetivo… Explicar uma potencial derrota para amigos, família, turma do trabalho…

Era algo que eu sequer cogitava acontecer! Preferia morrer tentando. Isso é perigoso numa montanha ou em qualquer outro desafio de alto risco.

Sempre fui muito autoconfiante, focado… E o medo estava me abalando e me deixando mais fraco a cada dia

O Everest exige muito tempo para aclimatar. E além dos pontos físicos, há a solidão, as saudades e todas as preocupações.

CONSEGUI INICIAR MEU CICLO ATÉ O CUME, MAS SABIA QUE 90% DAS MORTES ACONTECEM NA DESCIDA

A medicação melhorou meu estado, longe de me curar. Mas só de me sentir melhor já me achava forte o suficiente para subir a montanha.

Bernardo no Everest (foto: Gabriel Tarso).

Iniciei meu ciclo de cume e fui me sentindo bem! Apesar de subir lento e cauteloso, jamais passou pela minha cabeça desistir.

Tive momentos de fraqueza e lembrei da carta da minha esposa, dos desenhos dos meus filhos… Isso me energizava!

Parecia um combustível para a mente mandando uma mensagem para o corpo seguir em frente! 

Estava -35º C. O óculos congelou e sem ele existe risco de cegueira. Minha roupa (down suit) também teve seu zíper congelado, por isso não consegui abrir para beber a água que estava dentro de um bolso.

Foram 12 horas subindo, sem comer nem beber! Isso estava me matando! Fiquei bem fraco, mas cheguei! Topo do mundo: 8 848 metros acima do nível do mar!

Neste momento, paramos e abasteci meu corpo de comida e minha mente de pensamentos positivos. Fiquei confiante, apesar de saber que 90% das mortes acontecem na descida. 

EM DETERMINADO MOMENTO DA DESCIDA, ME AFASTEI DO MEU PARCEIRO DE ESCALADA E O PERDI DE VISTA

Na montanha, eu estava com um cinegrafista, o Gabriel Tarso. Estávamos gravando para o documentário que fala de sustentabilidade.

Em vários momentos nos separávamos do resto do grupo para filmar. Durante a descida, num desses momentos em que estávamos distantes, ele teve um problema que quase lhe custou a vida.

Gabriel é muito forte e experiente, por isso eu estava um pouco à frente, mas com “zero” preocupação em relação a ele. Até que em algum momento ficamos a uma distância em que visualmente não conseguíamos mais nos ver 

Decidi parar e esperar. Jenjen, um sherpa local, estava comigo e insistiu para descermos, porque o Gabriel estava acompanhado de outro sherpa.

E, segundo ele, não havia razão para nos preocuparmos. Além disso, ficar parado poderia causar sérios problemas, como congelamentos das extremidades. 

DECIDI SUBIR NOVAMENTE A MONTANHA PARA RESGATAR  O GABRIEL. SÓ CONSEGUI TOMAR ESSA DECISÃO PORQUE MANTIVE A MENTE FORTE

Insisti e disse que não sairia do local sem o meu parceiro. Ficamos quase duas horas esperando. Alguma coisa estava errada.

Até que tomei uma decisão complexa, mas que pode ter salvo a vida dele. Decidi que iríamos subir novamente a montanha, mesmo exaustos e com limitações. Tínhamos que voltar! 

Jenjen, mais forte que eu, subiu e o encontrou rapidamente. Descobrimos o motivo do atraso: seu cilindro de oxigênio, por algum motivo que desconhecemos, ficou sem ar.

Isso na montanha é mortal. Jenjen deu seu oxigênio cheio a ele e tudo voltou a fluir.

Descemos a montanha e estamos vivos! 

Por isso, digo: o Everest foi o maior desafio mental que já superei.

Uma mente forte consegue tomar decisões com mais clareza. Neste caso, salvar uma vida.

 

Bernardo Fonseca, 45 anos, é apaixonado por esportes. Formado em administração pela PUC-Rio, começou sua carreira no mercado financeiro, mas decidiu empreender na área esportiva ao fundar a X3M. Casado e pai de três filhos, Fonseca foi o 35º brasileiro a chegar ao cume do Everest.

COMPARTILHAR

Confira Também: