Desde que me conheço por gente, fui muito agitado, praticando todo tipo de esportes.
Com 12 anos, fiz minha primeira maratona (não oficial, logicamente). Corri de uma cidade a outra no interior de Minas Gerais!
(Infelizmente, por ter perdido meu pai com apenas 1 ano, próximo de completar 10 eu já me considerava super “safo” e independente).
E descobri neste momento que tinha uma pré-disposição para conhecer meus limites. Uma cabeça forte para suportar a dor e o desconforto do corpo
Pratico uma enorme variedade de esportes e fundei uma agência de marketing esportivo, a X3M, construindo experiências esportivas para grandes marcas, como provas de corrida, triatlo, bike e muitos outros esportes que se conectam emocionalmente com os clientes.
Amo meu trabalho. Mas apesar de interagir com algo tão legal como o esporte, minha rotina também é lotada de pressões e desgastes comuns à maioria dos empreendedores.
Gosto muito de me desafiar. Tenho medo, lógico, mas considero esse sentimento muito importante para me proteger dos riscos de esportes mais radicais.
Enfrentar nossos medos é uma atitude importante. Ele não pode nos travar.
Pessoas que não têm medo são suicidas… Escalo rochas, salto de paraquedas, e todas as vezes rola um medo normal, que me faz olhar para o equipamento e planejar
Com montanhas de grande altitude não é diferente. Dá medo, afinal tem avalanches o tempo todo, riscos de gelo colapsar, fendas infinitas, frio que congela e mata… Mas existe outro perigo que poucos mensuram: o desafio mental
Muitos desistem de grandes desafios na vida porque simplesmente alguma coisa não inicialmente planejada ou não corretamente mensurada traz um desconforto, uma insegurança.
Essa insegurança, somada à alguma fraqueza, que pode ser algo momentâneo, vai crescendo até te consumir e fazer você desistir ou cometer algum erro que pode levar à morte. Foi isso que quase aconteceu há pouco tempo…
Fui escalar o Everest com o projeto de documentário The Extra Mile, que tem como missão chamar atenção de todo o mundo para a vulnerabilidade dos ecossistemas da montanha, em especial, para a questão do lixo que é deixado para trás.
Já tinha bastante experiência com outras montanhas de grande risco — algumas tecnicamente bem mais perigosas –, mas nesta expedição vivenciei algo inédito, que foi muito desafiador superar.
Mentalmente, já saí do Brasil para o Nepal abalado. Decidi escrever cartas para pessoas que eu amo, me colocando no futuro, desenhando um cenário em que eu simplesmente não voltava vivo, pois sabia que o risco de isso acontecer era grande…
Tive que ir a bancos, fazer procuração, desenhar cenários para a empresa, entre outras coisas que mexeram comigo.
Mas isso em algum momento passou, à medida que fui me aclimatando na montanha.
Uma expedição normal para o Everest dura entre 45 e 60 dias. Neste período, seu corpo vai colapsando aos poucos.
Dormir a 5 500 metros de altitude por muitos dias, a restrição de comida, noites mal dormidas… Tudo isso vai aos poucos destruindo músculos e a sua imunidade
No meu caso, fiz de tudo para me proteger! Comia o melhor possível e me hidratava muito. Tive um bom planejamento de aclimatação.
Quase todo o base camp do Everest foi impactado por uma tosse e alguns, como eu, por uma bactéria que vai para o pulmão.
Ficar doente maximiza tudo de ruim…
Logicamente, me dediquei e estava na busca para voltar a ficar ativo e forte. Mas entrei num redemoinho do mal. Não estava conseguindo me hidratar e nem comer
Consequentemente, dormir ficou bem difícil. Eu sabia que isso era o básico — e, também, vital — para subir qualquer montanha alta.
Minha cabeça também “entrou em parafuso”. Só de pensar que existia a possibilidade de não atingir meu objetivo… Explicar uma potencial derrota para amigos, família, turma do trabalho…
Era algo que eu sequer cogitava acontecer! Preferia morrer tentando. Isso é perigoso numa montanha ou em qualquer outro desafio de alto risco.
Sempre fui muito autoconfiante, focado… E o medo estava me abalando e me deixando mais fraco a cada dia
O Everest exige muito tempo para aclimatar. E além dos pontos físicos, há a solidão, as saudades e todas as preocupações.
A medicação melhorou meu estado, longe de me curar. Mas só de me sentir melhor já me achava forte o suficiente para subir a montanha.
Iniciei meu ciclo de cume e fui me sentindo bem! Apesar de subir lento e cauteloso, jamais passou pela minha cabeça desistir.
Tive momentos de fraqueza e lembrei da carta da minha esposa, dos desenhos dos meus filhos… Isso me energizava!
Parecia um combustível para a mente mandando uma mensagem para o corpo seguir em frente!
Estava -35º C. O óculos congelou e sem ele existe risco de cegueira. Minha roupa (down suit) também teve seu zíper congelado, por isso não consegui abrir para beber a água que estava dentro de um bolso.
Foram 12 horas subindo, sem comer nem beber! Isso estava me matando! Fiquei bem fraco, mas cheguei! Topo do mundo: 8 848 metros acima do nível do mar!
Neste momento, paramos e abasteci meu corpo de comida e minha mente de pensamentos positivos. Fiquei confiante, apesar de saber que 90% das mortes acontecem na descida.
Na montanha, eu estava com um cinegrafista, o Gabriel Tarso. Estávamos gravando para o documentário que fala de sustentabilidade.
Em vários momentos nos separávamos do resto do grupo para filmar. Durante a descida, num desses momentos em que estávamos distantes, ele teve um problema que quase lhe custou a vida.
Gabriel é muito forte e experiente, por isso eu estava um pouco à frente, mas com “zero” preocupação em relação a ele. Até que em algum momento ficamos a uma distância em que visualmente não conseguíamos mais nos ver
Decidi parar e esperar. Jenjen, um sherpa local, estava comigo e insistiu para descermos, porque o Gabriel estava acompanhado de outro sherpa.
E, segundo ele, não havia razão para nos preocuparmos. Além disso, ficar parado poderia causar sérios problemas, como congelamentos das extremidades.
Insisti e disse que não sairia do local sem o meu parceiro. Ficamos quase duas horas esperando. Alguma coisa estava errada.
Até que tomei uma decisão complexa, mas que pode ter salvo a vida dele. Decidi que iríamos subir novamente a montanha, mesmo exaustos e com limitações. Tínhamos que voltar!
Jenjen, mais forte que eu, subiu e o encontrou rapidamente. Descobrimos o motivo do atraso: seu cilindro de oxigênio, por algum motivo que desconhecemos, ficou sem ar.
Isso na montanha é mortal. Jenjen deu seu oxigênio cheio a ele e tudo voltou a fluir.
Descemos a montanha e estamos vivos!
Por isso, digo: o Everest foi o maior desafio mental que já superei.
Uma mente forte consegue tomar decisões com mais clareza. Neste caso, salvar uma vida.
Bernardo Fonseca, 45 anos, é apaixonado por esportes. Formado em administração pela PUC-Rio, começou sua carreira no mercado financeiro, mas decidiu empreender na área esportiva ao fundar a X3M. Casado e pai de três filhos, Fonseca foi o 35º brasileiro a chegar ao cume do Everest.
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