Não aguenta mais usar máscara? Para as costureiras engajadas pelo Fashion Masks, o acessório gera renda e põe comida na mesa

Dani Rosolen - 13 out 2020
Hoje, 81 costureiras e costureiros fazem parte da rede do Fashion Masks e outros são chamados a colaborar em projetos pontuais.
Dani Rosolen - 13 out 2020
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A máscara para proteger contra o coronavírus virou um acessório de moda, encontrada no mercado em diferentes cores, estampas e materiais.

O nome Fashion Masks até sugere esse olhar. Porém, a iniciativa lançada no começo da pandemia levanta a bandeira oposta. Seu lema é: “Não estamos na moda. Estamos na renda de centenas de costureiras em todo o Brasil”.

A marca foi criada pelo Instituto REsocial, fundado em meio à pandemia por Brenno Faro e Marcos Rechtman para desenvolver projetos de inclusão social e geração de renda para trabalhadores informais afetados pela crise econômica decorrente da Covid-19.

Brenno Faro, cofundador do Instituto REsocial.

Brenno e Marcos acionaram costureiras, fábricas e facções de roupas que ficaram ociosas na quarentena para produzir máscaras, um item essencial e altamente demandado. A dupla montou um e-commerce e conseguiu apoio do Grupo Malwee, que passou a fornecer tecidos cortados a um preço abaixo do mercado.

Em seis meses, a Fashion Masks produziu mais de 5 milhões de máscaras, faturou 10 milhões de reais e gerou 900 mil reais em renda distribuída para cerca de 80 profissionais de costura de São Paulo. 

Cada máscara comum custa 9,90 reais; com tecido antiviral, 16,90 reais. Há desconto progressivo para compras em maior quantidade. Hoje, o projeto também vende ecobags (19,90 reais) e camisetas antivirais (69,90 reais); algumas peças levam a assinatura da costureira.

A seguir, Brenno fala sobre o impacto do Fashion Masks na vida dessas profissionais, explica o envolvimento de empresas no projeto e conta como a iniciativa pretende seguir após a pandemia.

 

Como surgiu a ideia de produzir máscaras para gerar renda a trabalhadores informais?
Bem no início da pandemia, quando os comércios fecharam, o Marcos e eu começamos a pensar como ficaria a economia do país e a vida desses trabalhadores informais. Já era imaginada uma queda de 4% do PIB este ano; com a crise, esse índice já está em quase 10%.

Nossa primeira ideia para amenizar essa situação foi criar o Instituto REsocial e buscar dinheiro junto a iniciativas privadas para oferecer uma renda básica a essa população.

Mas aí o governo [federal] anunciou o auxílio emergencial. Independente da efetividade dessa ação, tivemos que redefinir o que fazer do ponto de vista do instituto. Até que veio a questão do uso obrigatório das máscaras.

Na época, vi um post no LinkedIn do Rodrigo Gomez Sanchez, ex-CEO da Animale, questionando qual seria a primeira marca de moda a salvar o Brasil, mudando sua rede de facções e ateliês para produzir máscaras para a população brasileira com sobras de matéria-prima

No post, ele colocou o vídeo do #mask4all, movimento que nasceu na República Tcheca e incentiva a produção de máscaras caseiras para combater a ineficácia das ações do governo no combate à pandemia.

A partir daquilo, fui pesquisar o que as marcas de moda estavam fazendo. Isso era fim de março e quase nenhuma empresa produzia máscaras justamente porque as pessoas ainda não estavam usando. Só havia aquelas cirúrgicas, hospitalares.

Conversamos com o presidente da Malwee e fizemos uma parceria para que a empresa nos vendesse, a um preço abaixo do mercado, kits de tecidos cortados que disponibilizaríamos para as costureiras confeccionarem o produto final, e depois venderíamos as máscaras em um e-commerce.

Qual foi o procedimento para selecionar fábricas, facções e costureiras?
Criamos um formulário no Google Drive em que fábricas, facções ociosas e costureiras autônomas se cadastravam. No primeiro dia, a gente já tinha uma produção montada com três facções paradas.

As máscaras do Fashion Masks custam R$ 9,90 (ou R$ 16,90 com tecido antiviral).

Logo depois, o pessoal da Dobra entrou no projeto, assumindo o atendimento do nosso e-commerce e montando o Mapa das Máscaras, uma plataforma em que costureiras de todo o Brasil poderiam se cadastrar e nós as conectaríamos com a demanda local por máscaras.

Quando a plataforma foi lançada, passamos a entrar em contato com elas diretamente por lá e formamos uma rede de 81 costureiras fixas de São Paulo que produzem para o nosso e-commerce. Mas também contratamos outras para projetos pontuais.

Além dessas costureiras, estamos gerando renda para outros profissionais envolvidos no processo, como os empacotadores, por exemplo.

E como vocês ajudam essas outras costureiras cadastradas no Mapa das Máscaras?
Hoje, existem mais de 5 mil costureiras inscritas na plataforma. Elas podem comprar os kits de tecido cortados e produzir por conta própria um de nossos modelos, seguindo o passo a passo disponibilizado na aba #FaçaVocêMesmo, no nosso site.

A gente também fornece esses kits para instituições e empresas com projetos de geração de renda no entorno de suas sedes.

Atualmente, só revendemos kits para a produção da nossa máscara branca. Mas até o fim do ano a ideia é disponibilizar kits para a confecção de todos os produtos do nosso e-commerce, como um código aberto de produção.

Existem homens na rede de costura da Fashion Masks?
Sim, hoje 90% são mulheres, mas temos homens, inclusive que estavam sem renda e aprenderam a costurar na pandemia.

Lembro da história de um costureiro em Rio Grande da Serra [na Grande São Paulo]. Quando fomos visitá-lo para pegar as primeiras máscaras, ele pediu desculpas porque não teria como oferecer o café, pois estava passando o mesmo pó pela quarta vez…

Agora, participando da rede Fashion Masks, ele tem uma renda e vive em condições melhores.

De que maneira vocês garantem o controle de qualidade em uma produção descentralizada?
Decidimos criar líderes de grupos de costureiras por região. Já trabalhamos com dez grupos diferentes nesses meses, mas hoje o número oscila entre cinco e sete.

Essas líderes ficam responsáveis pelo controle de qualidade das peças produzidas por seu time, nos mandando fotos dos produtos. Depois, também fazemos uma visita aos locais de produção para uma segunda checagem

Trabalhar dessa forma facilitou muito nosso controle de qualidade, pois no começo, quando recebíamos um lote com problema, não tínhamos como identificar a procedência.

Também enviamos vídeos com tutoriais dos produtos que desenvolvemos para que as costureiras aprendam o passo a passo antes de começar a confecção.

Como as costureiras que fazem parte da rede da Fashion Masks são remuneradas?
A costureira recebe, em média, 10% do valor que a gente ganha. O restante é usado em gastos com marketing, logística, operacional, produção, sobras de tecidos, impostos. E qualquer lucro operacional é reinvestido no projeto para incluir mais costureiras.

Desde o início, disponibilizamos no nosso site [no fim da descrição de cada produto] a etiqueta aberta, open tag, conceito conhecido no mercado de varejo para marcas que têm transparência, em que se abre todo o custos de produção, operação, marketing etc., para que as pessoas possam ver o que é pago em cada etapa

Como diz nosso slogan, não nascemos para vender roupa, mas gerar renda diante de uma situação grave. E é isso que estamos fazendo.

Vocês produzem máscaras e camisetas com tecido antiviral. Como o tecido funciona?
Esse tecido antiviral é fornecido e produzido pelo Grupo Malwee e foi testado em laboratórios da Austrália e da Suíça em parceria com a CHT.

Basicamente, o tecido desativa o vírus por conter partículas de sal de prata com poder inibidor do crescimento microbiológico e uma vesícula de gordura (lipossoma) que ajuda a destruir a membrana protetora do coronavírus — e, consequentemente, o próprio vírus.

Nossa máscara antiviral é a primeira no mercado brasileiro que segue o padrão de tripla proteção recomendado pela Organização Mundial da Saúde. E tanto as nossas máscaras como as camisetas antivirais foram as primeiras do mercado brasileiro que tiveram a eficácia testada

Outras empresas até lançaram antes, mas não tinham testado contra o coronavírus especificamente.

O Grupo Malwee vende os tecidos para vocês a um preço abaixo do mercado. Qual o papel das outras marcas mantenedoras da Fashion Masks?
A VTEX  e a PayU zeraram as taxas de cartão para o nosso e-commerce nos primeiros meses de operação e depois fizeram condições bem especiais. A AME dava 25% de cashback nas compras dentro do nosso e-commerce e continua a dar 5%.

O Fashion Masks criou ecobags e outros produtos pensando na continuidade do projeto pós-pandemia.

A Destreza desenvolveu nosso site e a Fábrica9 nos deu a operação de e-commerce, emprestando inclusive a empresa para faturar no começo do projeto.

A Dobra nos ajudou criando o Mapa das Máscaras e fazendo todo nosso atendimento; a Foto.com tirou todas as fotos do nosso e-commerce de graça.

Por fim, a Petrobras comprou mais de 1 milhão de máscaras para suas bases da BR Distribuidora.

Também contamos com apoiadores como WeWork, Buscapé e Startup Rio, que nos ajudaram na divulgação em suas bases de e-mail e redes sociais, e de empresas como o Starbucks e a 99 que compraram máscaras com a gente para doar ou distribuir aos seus funcionários.

Após sete meses de quarentena, a demanda por máscaras ainda é grande? E como vocês pretendem seguir após a pandemia?
Não é a mesma do início, quando tínhamos que suprir máscaras para toda a população, mas continua alta porque já somos conhecidos; tem apenas três ou quatro players que fazem nosso volume em máscaras.

Além disso, com a reabertura do comércio, as indústrias voltaram a produzir roupas, já que a margem de lucro de uma blusa ou uma calça é bem maior. E a produção de máscaras acabou ficando nas mãos de quem se especializou nesse assunto.

Queremos continuar gerando renda para essas costureiras após a pandemia. Para isso, nós já lançamos outros produtos, como camisetas e ecobags

E vamos lançar também vestidos, uniformes, camisetas infantis e uma coleção com produtos que levam o nosso slogan “Não estamos na moda”.

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