Não é fácil: a moObie investe alto para fazer o compartilhamento de carros “peer to peer” acontecer

Marília Marasciulo - 18 out 2018
Tamy Lin conta que foram aportados 15 milhões de reais na startup que permite a locação de veículos de pessoa para pessoa.
Marília Marasciulo - 18 out 2018
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Em meio ao boom de aplicativos e negócios que lidam com a mobilidade, a administradora paulistana Tamy Lin, 39, viu uma oportunidade para empreender. E pensou grande. Em vez de apostar em mais um aplicativo de transporte ao estilo Uber, em bicicletas ou patinetes compartilhados, ou mesmo em apps para monitoramento do trânsito e do transporte público, ela resolveu investir em um modelo de negócio que funciona bem no exterior: o de carros compartilhados. Mas não só: a moObie, empresa criada por ela, em 2017, permite a locação de veículos de pessoa para pessoa. Ou seja, os próprios usuários alugam seus carros para os outros. O modelo é ousado para o país, como fala a fundadora:

“Há uma barreira cultural grande, os brasileiros ainda declaram carro como bem no imposto de renda”

E prossegue: “Acredito que estamos vivendo um momento de transformação na maneira como enxergamos a mobilidade, e a moObie complementa outras alternativas já existentes. As pessoas só conseguem mudar se tiverem opções”. Nessa cadeia de mudanças, ela acredita que faltava uma alternativa mais rápida e acessível de aluguel de carros, que eliminasse a necessidade de ir até uma locadora de veículos e os trâmites cansativos e burocráticos desse processo.

SAIR DO EMPREGO ESTÁVEL FOI O PRIMEIRO PASSO

Até chegar a essa conclusão, Tamy percorreu diversos caminhos. Começou cursando Administração e passou muitos anos trabalhando em empresas de telecomunicações e, depois, como consultora. Durante um MBA patrocinado pela organização em que trabalhava, a “sementinha” do empreendedorismo foi plantada em sua mente. “Nunca tive nenhum exemplo de empreendedorismo em casa e, na época, 2009, empreender era sinônimo de abrir uma loja ou um restaurante”, conta.

Estudando na Universidade Northwestern, próxima a Chicago, nos Estados Unidos, Tamy conheceu pela primeira vez o Zipcar, serviço americano de carros compartilhados, no qual os automóveis são da própria empresa e ficam espalhados por pontos nas ruas das cidades. Com um app, o usuário pré-cadastrado encontra o que estiver mais próximo a ele e escolhe o período de tempo pelo qual deseja alugá-lo. Simples, rápido e prático. Não foi isso, no entanto, que chamou a atenção de Tamy. Ela se encantou mesmo pelo universo de inovação e tecnologia e retornou ao Brasil, em 2011, com vontade de abrir um negócio que unisse as duas questões.

De volta ao antigo emprego, com o qual tinha o compromisso de permanecer por ao menos dois anos, ela chegou a pensar em possíveis ideias para criar uma empresa, mas não levou nada adiante. No fim de 2015, porém, após meses de terapia e coaching, decidiu que era hora de dar espaço para a “sementinha” crescer. “Apesar de ser da geração X, tenho em comum com a geração Y essa inquietação e busca por propósito”, diz. Ela não esperou os sentimentos virarem frustração no trabalho: pediu demissão em seguida, algo que enxergou como essencial para seguir adiante. “O melhor momento para sair de um emprego é quando se está bem.”

PLANEJAR LEVA TEMPO…

No início de 2016, já sem emprego, Tamy resolveu tirar alguns meses para pensar no que gostaria de fazer. E acabou se voltando para a mobilidade. “Pensei: que movimentos disruptivos estão acontecendo agora? E notei que esse é um setor que está se transformando muito rápido, especialmente por causa da tecnologia”, diz. “Então fui para a próxima pergunta: o que está acontecendo em mobilidade? Vi que bikeshare não é um modelo rentável, é algo mais de publicidade, e eu não queria apostar em carros elétricos.” Lembrou-se, então, da experiência com o Zipcar e resolveu visitar outros países para conhecer e entender melhor o modelo de negócio.

A MoObie fica com 20% das diárias pagas aos proprietários, mais uma taxa fixa de 10 reais do usuário.

Existem três principais tipos de compartilhamento de carro: o roundtrip (quando uma empresa é proprietária dos veículos e o usuário retira e devolve o carro em um local pré-combinado), o one way (quando o usuário pega o carro em um lugar e pode devolver em outro) e o peer to peer (no qual os carros alugados são da própria comunidade).

Este último foi o que mais atraiu Tamy, pois ela enxergou no formato potencial para ajudar a sociedade: além de usar a frota de carros já existente, estimulando a sustentabilidade, possibilitaria uma renda extra a quem estivesse disposto a alugar o veículo. Usando a tecnologia, replicou o sistema do Zipcar (e de outros aplicativos que conheceu no exterior).

Em maio daquele ano, começou a planejar a criação da empresa. Com um background forte em consultoria e estratégia, ela levou esse planejamento tão a sério que praticamente só conseguia planejar. “Eu não estava saindo da minha zona de conforto”, diz.  E continua: “Até que um amigo me deu um conselho: “Abandone o Power Point e o Excel e foque em encontrar pessoas talentosas para trabalhar com você”.

Foi o que ela fez. Contratou um desenvolvedor em junho e começaram a executar as ideias. Hoje, a empreendedora considera o conselho do amigo um dos melhores que já recebeu. “Entrar no processo de execução é crucial. Nenhuma planilha vai acertar o processo de criação de uma startup”, conta. Ela ainda diz:

“Não existe um playbook de como fazer as coisas. É preciso fazer tudo junto, ao mesmo tempo, mas sabendo equilibrar o planejamento com a conexão ao ecossistema”

Com o apoio do desenvolvedor e de um designer (que começou como freelancer e três meses depois foi efetivado), a moObie lançou o primeiro site em dezembro de 2016. A ideia inicial era atrair usuários interessados em alugar seus carros, e introduzir o sistema por aqui.

Desde o princípio, a preocupação com a seriedade e profissionalismo do negócio pesavam, por isso, Tamy também criou um sistema de cuidado extra com os carros: cada locação sai com um seguro exclusivo, mas o proprietário também precisa ter um seguro pessoal para isentá-lo da necessidade de uma vistoria. Os carros não podem ter mais de 100 mil quilômetros rodados e o ano de fabricação não pode ser anterior a 2008. Para os usuários, além do requisito básico de ter uma carteira de motorista válida e não provisória, a moObie também leva em conta outras 60 variáveis (não divulgadas por motivos de segurança) para aprovar o cadastro.

DEPOIS DE TANTA PLANILHA, HORA DE RODAR

Em maio de 2017, a plataforma começou a rodar para valer, e hoje existem 5 mil carros no sistema e mais de 110 mil usuários cadastrados em todo o Brasil, embora a moObie só funcione no estado de São Paulo. O modelo de aluguel é por diárias, calculadas com base na tabela da FIP, mas os proprietários têm autonomia total para ajustar o valor. Para um carro hatch, com ar condicionado, por exemplo, é sugerido o valor de 54 reais por um dia de uso, já para um SUV completo, 107 reais. Os usuários também podem aceitar ou rejeitar ofertas, bloquear disponibilidade do veículo e limitar a quilometragem. No caso de multas ou avarias, a moObie fica responsável pelos trâmites com o seguro.

O preço de quanto um usuário da moObie pode ganhar alugando seu carro é calculado por diária.

O negócio, porém, ainda não se paga. Até o momento, já captou cerca de 15 milhões de reais em investimentos, usados principalmente para atrair proprietários de carros. Para Tamy, porém, isso faz parte da aposta: “Demoramos um pouco até começar a funcionar. Me arrependo de não ter aberto a empresa com um CTO (diretor chefe de tecnologia), mas com certeza o fato de não termos nos contentado com pouco foi importante para o crescimento”. Ela acredita que fez bem em arriscar. “Entramos um pouco naquela dúvida do que vem primeiro: investidores comprometidos desde o início para poder focar no produto e no usuário ou fazer algo mais ou menos para atrair muita gente, mas sem foco e descartável.”

Cobrando 20% das diárias pagas aos proprietários, mais uma taxa fixa de 10 reais do usuário, a expectativa é de gerar 3 milhões de reais de receita no próximo ano, movimentando um total de 15 milhões (se considerado o que os proprietários dos veículos ganham). “Tem pessoas que já conseguem tirar até 900 reais alugando pela moObie”, afirma.

Com um produto escalável, a startup tem planos de expandir para outras cidades — Brasília, Belo Horizonte, Porto Alegre e algumas capitais do nordeste estão no radar —, além de criar outros produtos de mobilidade. A experiência nesses primeiros anos e a boa aceitação enchem Tamy de otimismo. Ela acredita que cada vez mais as pessoas estão percebendo que é possível, sim, viver sem ter um carro próprio na garagem.

DRAFT CARD

Draft Card Logo
  • Projeto: moObie
  • O que faz: Compartilhamento de carros peer to peer
  • Sócio(s): Tamy Lin
  • Funcionários: 30
  • Sede: São Paulo
  • Início das atividades: 2017
  • Investimento inicial: Cerca de R$ 15 milhões nos primeiros três anos
  • Faturamento: R$ 3 milhões (previsão para o ano que vem)
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