Em março, o nome da antiga AES Tietê mudou oficialmente, na B3, para AES Brasil. Mais do que um simples alinhamento com a controladora, a norte-americana AES Corporation, a mudança coroa uma nova fase para a AES Brasil, que teve um 2021 bastante movimentado.
Sob nova direção – a economista Clarissa Sadock assumiu a presidência em janeiro –, com uma forte reestruturação societária, novas aquisições, aumento da capacidade instalada, estreia no Novo Mercado da B3, e, principalmente, uma aposta redobrada no mercado de energias renováveis, a companhia está mais alinhada do que nunca à agenda ESG.
O reconhecimento veio na forma de uma pontuação máxima “AAA” em ESG concedida pela agência de ratings MSCI, uma das mais importantes do mundo. Com isso, tornou-se a primeira e única companhia da América Latina com o selo.
A diversificação do portfólio de produção de energia da AES Brasil é parte fundamental nesse processo. A companhia, que hoje se concentra apenas na produção de energia, e não mais nos negócios de distribuição, administra 12 hidrelétricas, três parques eólicos e dois solares.
Até 2017, a então AES Tietê era uma empresa de energia exclusivamente hídrica. Com o passar do tempo, contudo, começou a perceber que “o risco hídrico, como estiagens prolongadas, trazia muita volatilidade para o negócio”, conta José Simão, diretor de planejamento estratégico e ESG. A decisão foi de manter o portfólio 100% renovável, mas agregar a ele iniciativas baseadas na força dos ventos e na radiação solar.
“A beleza desse movimento é que as fontes se complementam entre si, tanto nos meses do ano como nas horas do dia. As fontes solar e eólica tem uma complementariedade forte.”
Estudos apontam que enquanto o pico da geração de energia solar se dá por volta do meio-dia, o pico da geração eólica ocorre justamente à noite, por volta de 21h.
Além disso, há também complementariedade entre fonte hídrica e eólica. De modo geral, nos períodos de mais secos, os ventos são melhores, e nos períodos de menos ventos, as chuvas se intensificam. “Assim temos energia solar de dia, eólica pela noite, e a hídrica podemos usar conforme a nossa necessidade. O portfólio fica muito mais robusto do que com uma fonte apenas”, completa o executivo.
Hoje, a AES Brasil opera com a produção de 4.4 GW contratados, sendo 60% desse total proveniente de fonte hidráulica, 33% eólica e 7% solar. Como a companhia não prevê a construção de novas usinas hidrelétricas no futuro, nos próximos anos a proporção de hidro deve cair, enquanto as demais fontes ganharão espaço.
A utilização de combustíveis fósseis – petróleo, carvão mineral e gás natural – para a produção de energia está totalmente descartada.
“Nunca quisemos ir para esse lado dos combustíveis fósseis. Acreditamos muito nos ativos renováveis e essa sempre foi nossa aposta, tanto em termos da filosofia da empresa como no próprio valuation dela.”
A filosofia está de acordo com o que acontece ao redor do mundo – não só nos fóruns de discussão sobre mudança climática, mas também no próprio mercado de produção de energia. Relatório da Irena (Agência Internacional de Energia Renovável, na sigla em inglês) divulgado no ano passado mostra que 2019 foi o primeiro ano da história em que as fontes solar e eólica, combinadas, ultrapassaram as hidrelétricas em capacidade instalada global, e que a energia solar é a que mais cresceu no período.
CONSUMIDORES ESTÃO ATENTOS À FONTE DE ENERGIA
“Hoje em dia o consumidor, quando compra um alimento, por exemplo, não olha só o preço, quer saber quanto tem de sal, açúcar, gordura, como ele é feito. Na relação B2B é a mesma coisa. Nossos clientes não querem apenas energia limpa, querem também saber o que está por trás dessa energia, como foi gerada, que impacto provocou nas comunidades”, conta Andrea Santoro, coordenadora de sustentabilidade da AES Brasil.
Ciente disso, a companhia mantém uma série de projetos ligados aos três pilares do ESG – ambiental, social e governança. “Ao construir novos empreendimentos, o primeiro passo é conhecer a comunidade, conhecer as fortalezas e vulnerabilidades daquela região, para trabalhar em conjunto com as pessoas”, diz Santoro.
“No parque eólico de Tucano, por exemplo, conhecendo a comunidade nós entendemos que era preciso investir localmente em educação, e em novembro fizemos a inauguração de bibliotecas em escolas públicas”, completa.
Santoro se refere ao complexo de produção de energia eólica localizado nos municípios de Tucano, Biritinga e Araci, na Bahia. O projeto, que deve entrar em operação no segundo semestre de 2022, será parcialmente operado em conjunto com a Unipar, líder na produção de cloro, soda e PVC na América do Sul, graças a uma joint venture entre as empresas. O parque terá um total de 582,8 MW de capacidade instalada.
COMPLEXO EÓLICO OPERADO APENAS POR MULHERES
Alinhada a preocupações sociais, a AES estabeleceu um objetivo ousado para a operação do complexo eólico: fazê-lo exclusivamente com mulheres. “Fizemos uma parceria com o Senai da Bahia para oferecer um curso de formação exclusiva para mulheres para a operação de parques eólicos. Buscamos mulheres que já tivessem um curso técnico e a procura foi intensa, tivemos 300 inscrições e selecionamos 30 mulheres que agora concluíram a formação e hoje estão aptas a operar e manter esses parques”, relata Santoro, sublinhando que em 2020 a AES investiu quase R$ 3 milhões em projetos sociais ao redor do país.
Com o sucesso do projeto em Tucano, os planos são de levar o mesmo modelo de operação 100% feminina a outro parque eólico em construção, o de Cajuína (RN), este operado parcialmente em conjunto com a gigante BRF, uma das maiores companhias de alimentos do mundo.
O complexo de Cajuína terá 1,2 GW de capacidade total instalada, a um custo de aproximadamente R$ 825 milhões. O início das operações está previsto para 2024. Além de trazer mulheres para operar o parque, a AES ainda vai definir um percentual de mão de obra que deve ser proveniente das comunidades do entorno do projeto. Andrea Santoro explica:
“Atuamos ao mesmo tempo em duas frentes: por um lado, potencializar a economia local. Uma renda maior dos trabalhadores da região vai gerar um consumo local maior, que movimenta toda a economia. Fora isso buscamos minimizar impactos sociais decorrentes de buscar mão de obra que venha de fora. Queremos promover impacto positivo e diminuir o negativo.”
Ao falar sobre o parque de Cajuína, o diretor de planejamento estratégico e ESG da AES, José Simão, lembra ainda que o Rio Grande do Norte é um dos melhores lugares do mundo para a produção de energia eólica. Não à toa, o Estado saiu do zero para a liderança nacional no setor em cerca de 15 anos – hoje, é autossuficiente em energia eólica, com capacidade produtiva superior a 5 GW e mais de R$ 21 bilhões de investimentos ao longo da década.
O Estado se beneficia de características únicas, com ventos alísios a soprar em velocidade constante e na mesma direção, o que facilita muito o planejamento da colocação das turbinas eólicas e a própria produção de energia.
Outro programa social relevante citado por Santoro é o que a AES conduz em Promissão (SP), onde a AES por dois anos ajudou uma organização local a se desenvolver e estruturar planos de negócios. Hoje, “essa comunidade conseguiu fechar um grande contrato de fornecimento de merenda escolar ao município, o que deu escala à produção deles e ao associativismo”, celebra.
No quesito ambiental, a companhia mantém há anos projetos de reflorestamento de espécies nativas da mata atlântica e do cerrado. Internamente, as emissões geradas pela empresa são consideradas baixas – até pelo seu modelo de negócio. Em 2020, foram de 845 toneladas de CO2, nível bem inferior ao de empresas de porte similar, e pela primeira vez a AES Brasil conseguiu neutralizar todas as suas emissões no ano.
A meta é tornar isso uma política permanente daqui em diante, e, no futuro positivar as emissões por meio de mais programas de reflorestamento.
SISTEMA DE AUTOPRODUÇÃO SE BASEIA EM PARCERIAS
Tanto o complexo de Tucano (BA) como o de Cajuína (RN) são operados na forma de joint ventures em que a AES é dona de 50% do negócio, e o restante cabe a parceiros com grande capacidade de investimento, como, no caso, Unipar e BRF, respectivamente.
O sistema de autoprodução ajuda as empresas a pagar menos tributos em relação à contratação normal de energia pelo sistema elétrico. As parcerias são firmadas por meio de contratos longos, de 15, 20 anos. Com isso, os clientes se tornam sócios, e aumenta a preocupação com a sustentabilidade do negócio – e com a própria agenda ESG, já que a reputação de ambas as empresas está em jogo.
“Existem clientes que veem o valor da tarifa mais baixo no modelo de autoprodução e topam entrar no negócio. Outros dizem que esse não é o core business da empresa e preferem pagar mais caro pela energia porque não têm interesse em se tornarem acionistas de geração”, explica Simão. Por conta disso, a empresa opera em ambos os modelos: parcerias de autoprodução e contratos regulares de fornecimento, sempre de longo prazo.
Para quem ainda se abastece com energia gerada por fontes fósseis poluentes, Simão tem um recado. Tanto do ponto de vista ético e de compromisso com a sociedade como até do ponto de vista financeiro, não vale a pena. “Hoje, o preço da energia renovável é igual ou até mais barato que a fóssil. Estamos muito competitivos.”
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