O Brasil pode liderar o mercado de cannabis medicinal? Os palestrantes da Cannabusiness Summit acham que sim

João Prata - 3 dez 2019
Palesta durante a Cannabusiness Summit, realizada na última semana de novembro, em São Paulo.
João Prata - 3 dez 2019
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É oficial. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária acaba de autorizar o registro e a produção de remédios à base de cannabis no Brasil. A decisão se deu hoje, terça, 3 de dezembro, em uma aguardada reunião da diretoria da Anvisa, em Brasília, e a norma entrará em vigor daqui a 90 dias. Qualquer pessoa com uma receita poderá comprar remédios produzidos com a planta em farmácias e drogarias.

O tema vem fervilhando há tempos. Na semana passada, o Draft acompanhou a primeira edição da Cannabusiness Summit, em São Paulo. “Se há dois anos me dissessem que estaria acontecendo algo como este evento, não acreditaria”, afirmou Viviane Sedola, CEO da Dr. Cannabis e uma das curadoras.

No encontro, realizado na Casa Natura Musical, em Pinheiros, umas 200 pessoas — entre empresários, médicos, psiquiatras, farmacêuticos, engenheiros, políticos, advogados, jornalistas e ativistas — se reuniram para trocar conhecimentos e pontos de vista sobre a importância de o Brasil olhar com mais atenção para a cannabis.

“Entendo que quem estuda e quem de fato vai buscar informação de maneira isenta encontra algo de maneira surpreendente. Arrisco dizer que cada um de nós algum dia vai precisar da cannabis para algum tipo de tratamento.”

A VENDA LEGAL DE CANNABIS PODE  AUMENTAR 1 200% NOS PRÓXIMOS ANOS

De acordo com a Euromonitor, empresa especializada em pesquisa de mercado, as vendas legais de cannabis devem aumentar 1 200% nos próximos anos. A expectativa é que salte dos US$ 12 bilhões anuais em 2018 para US$ 166 bilhões em 2025.

A cannabis tem potencial para movimentar valores bilionários no país e ser um alívio para pacientes com convulsões e dores crônicas. Porém, hoje, no Brasil, somente cerca de 7 mil pessoas estão autorizadas a importar o óleo da cannabis para uso medicinal. Segundo Marcelo Toledo, cocurador do evento e CEO da GS&MD Gouvêa Souza:

“As cifras que [esse mercado] irá movimentar em termos de venda e geração de negócios são brutais. Em termos de emprego, de inclusão e também, no caso da cannabis medicinal, na qualidade de vida para diversas patologias”

Até hoje, o único medicamento a base de canabidiol liberado (em 2017) para venda pela Anvisa no país era o Mevatyl, prescrito para conter os espasmos de pessoas com esclerose múltipla e outras síndromes. A caixa com três frascos de 10 mililitros custa cerca de R$ 3 mil.

Segundo a cientista Gabriela Cezar, CEO da Panarea Partners, falta matéria-prima para produção do óleo. No mercado, o quilo do CBD (canabidiol) custa em torno de US$ 30 mil.

“O BRASIL TEM POTENCIAL PARA SER LÍDER MUNDIAL. POR QUE NÃO?”

Gabriela contou ser um exemplo de mudança em 180º de pensamento sobre a cannabis. Quando foi estudar nos Estados Unidos e se tornou pesquisadora da Pfizer, ela torcia o nariz para o tema. Dois anos atrás, ao dar início à construção de um polo de saúde, biotecnologia e diagnóstico no Uruguai, ela ainda pensava em ignorar a cannabis — achava a liberação no país não passava de “uma bolha”.

Leia também: “Um mercado de cannabis legalizado enfraquece a criminalidade e gera receita para educação e saúde”

Os investidores, porém, insistiram. Ela, farmacêutica de formação, decidiu se debruçar sobre a biologia, foi olhar a parte molecular da neurociência, os receptores, a diversidade das ações no corpo humano e tal.

“Imagina a minha surpresa. Eu, neurocientista, com estudo sobre autismo, que tinha dinheiro do governo americano para investir, não sabia que o receptor mais prevalente no cérebro é para o CB1 [canabinoide], me assustei”

O Uruguai tem 12 zonas francas, com mais de 800 empresas estrangeiras. A maior delas é a Zonamerica, em Montevidéu, que abriga o complexo de 20 mil m² e US$ 15 milhões onde fica a Panarea. Atualmente, 70% das empresas nesse polo são ligadas diretamente a cannabis.

“A gente, ‘sem querer’, criou um ecossistema. O Brasil, sem marco regulatório, deixa todo mundo aqui de braços cruzados. E o que é mais absurdo, os pacientes que precisam desses medicamentos ficam ‘vendidos’. O Brasil tem potencial para ser líder mundial, ponto. Por que não?”

O PLANTIO NO PAÍS PODE CONTAR COM APOIO DA BANCADA RURALISTA?

No exterior, há inúmeros remédios disponíveis. No evento, a engenheira química Neide Montesano, CEO da Montesano Negócios, apresentou uma série de slides com produtos que vão desde água com canabidiol, passando por doces a remédios para combater dores crônicas. Todos aprovados pelos órgãos de vigilância sanitária de cada país.

A regulamentação pela Anvisa agora permite a produção dos remédios no Brasil — o plantio da cannabis (para fins medicinais e científicos) ainda está em discussão. Ou seja, por ora, a matéria-prima continua sendo importada.

A eventual liberação, pelo Congresso, do plantio da cannabis poderia baratear enormemente os custos de produção — e contar com apoio da normalmente conservadora bancada ruralista, na visão do engenheiro agrônomo, cientista e farmacêutico Euclides Lara Cardozo Júnior, presidente da Sustentec, empresa especializada em plantas com propriedades fitoterápicas.

Para ele, as dimensões continentais, o clima subtropical e o Oceano Atlântico margeando a costa de Norte ao Sul tornam o Brasil, mais do que um país “bonito por natureza”, um local com fartas condições para se tornar o maior produtor e exportador da planta.

“Temos conhecimento para reagir a partir do momento que o governo tirar a Polícia Federal do nosso cangote e começarmos a plantar. Aqui temos as condições necessárias perfeitas.”

 

 

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