A gestão a partir de métricas puramente financeiras é coisa do passado. As empresas que não forem atuantes em questões ambiental, social e de governança (ESG) vão ficar para trás. Isso porque a sociedade está cada vez mais atenta à necessidade de proteger o ambiente, os direitos humanos e a transparência.
Um exemplo desta onda aconteceu recentemente, quando seis redes europeias de supermercados, inclusive uma subsidiária do Carrefour, anunciaram a decisão de parar de vender derivados de carne bovina brasileira em consequência do desmatamento da floresta Amazônica.
A atuação pouco convincente de parte do agronegócio contrasta não apenas com as tendências internacionais, mas, também, com as expectativas dos consumidores brasileiros sobre a postura das empresas em boas práticas de ESG.
Para dar luz a estas questões surgiu a GPS – “Global Positioning On Sustainability”, uma pesquisa quantitativa inédita no país para analisar o que os brasileiros pensam sobre ESG, como agem e o que esperam das companhias. A pesquisa termina com um Índice GPS em que cada empresa é avaliada e ganha uma nota de 0 a 1000 por sua atuação em ESG.
Nosso objetivo foi mapear o comportamento do consumidor, identificar as causas mais importantes com as quais se identifica, além de apontar as empresas mais ativas, responsáveis e admiradas.
Entrevistamos 2.243 pessoas, de 16 a 64 anos, das classes A, B e C, nas cinco regiões do país, entre setembro e outubro de 2021, sobre 22 temas relacionados a ESG. Os resultados foram comparados com estudos internacionais.
DIFERENÇAS ENTRE EUROPA, ESTADOS UNIDOS E BRASIL
Para 94% dos entrevistados, as marcas têm um papel de protagonismo nas mudanças socioeconômicas. Apenas 6% dos consumidores afirmaram que elas não têm obrigação de atuar por um mundo melhor e responsabilizaram a complexa legislação brasileira pelo fato de as empresas serem menos ativas.
Enquanto na Europa e nos Estados Unidos as mudanças climáticas e o aquecimento global são a principal causa de apreensão, no Brasil, o desmatamento, a poluição do ar e o desperdício de água são temas centrais na questão ambiental.
Individualmente, o desemprego e a pobreza causam mais angústia; já nos países ricos, a atenção está voltada a problemas da coletividade.
O estudo revelou que 20% dos brasileiros já boicotam marcas e buscam serviços e produtos responsáveis. Neste grupo, há maior incidência de pessoas do Sudeste. E se pensarmos apenas na classe de maior renda, a classe A, essa tendência sobe para 52%.
Os mais céticos podem argumentar que apenas os mais ricos se importam com o ESG. Mas desprezar essas exigências pode ser fatal para a reputação, a imagem das marcas e, principalmente, a saúde financeira das empresas.
Se antes empresas envolvidas em danos ambientais, corrupção e lavagem de dinheiro afugentavam investidores, agora, se houver passivo ambiental ou agenda verde duvidosa, elas recebem menos aportes, têm dificuldade para obter crédito e só conseguem financiamento mais caro.
Nessa tendência, o Grupo Boticário acaba de anunciar linhas de crédito para fornecedores atrelados às metas ESG.
BAIXO PODER AQUISITIVO ESTIMULA CONSUMIDOR A POUPAR RECURSOS
Outro dado levantado pela pesquisa é que os brasileiros adotam ações de proteção ambiental muitas vezes sem saber, obedecendo a uma necessidade econômica. Tanto que 72% dos entrevistados, na faixa etária de 55 a 64 anos, afirmam separar lixo para reciclagem – e mais de 80% reduzem o uso de energia e água. Ao poupar recursos naturais pensam nas gerações futuras, mas também se preocupam com a conta bancária no presente.
Faz todo o sentido, já que a crise hídrica marcou 2021 e fez com que a Agência Nacional de Energia Elétrica autorizasse, em outubro, um aumento de até 16% na conta de luz para quase 8 milhões de consumidores do Distrito Federal, Goiás e São Paulo. Na média, a tarifa chegou a subir 25% este ano.
A falta de acesso à saúde gratuita e de qualidade é outro tema essencial para 59% dos entrevistados na pesquisa GPS. Apesar de a saúde ser um problema recorrente, a Covid-19 atingiu os brasileiros de maneira cruel. Ao mesmo tempo, escancarou a desigualdade e gerou uma reação empresarial inédita. A pandemia despertou a solidariedade no mundo corporativo.
MARCAS SE DESTACARAM NA PANDEMIA
Marcas saíram de sua zona de atuação e ampliaram a percepção da sociedade sobre elas. É como se dissessem: “Vocês não estão sozinhos, estamos com vocês”. Mais de R$ 7 bilhões foram doados na pandemia, calcula a Associação Brasileira dos Captadores de Recursos. Somente o Itaú Unibanco doou R$1,2 bilhão, além de lançar o “Todos Pela Saúde”, programa de ações de combate à doença. O movimento refletiu diretamente nos resultados do Índice GPS.
A Natura foi a mais associada à agenda ESG no ranking das marcas, além de Ypê, Nestlé, Ambev e Itaú. Ficou claro que o consumidor reconhece e sabe quais as marcas estão transformando, agindo além do papel em suas categorias.
Empresas que se destacaram durante este período foram recompensadas pelos brasileiros com boas avaliações na pesquisa. A Natura doou 2,8 milhões de unidades de sabonetes na América Latina, beneficiando instituições como a Cruz Vermelha, Hospital São Paulo, Central Única de Favelas etc. Ambev e Ypê passaram a produzir álcool em gel nas fábricas para distribuir à população carente. Essas iniciativas fizeram com que estas empresas alcançassem melhor pontuação no Índice GPS.
AGENDA ESG PRECISA ENFRENTAR A POBREZA
A baixa qualidade na educação foi apontada como um problema social grave para 54% dos entrevistados e para outros 51% a ausência de saneamento básico aumenta não só a pobreza como afeta a saúde. Muitas empresas já perceberam que é fundamental atuar para mitigar a desigualdade como parte dos seus programas.
A Vale anunciou recentemente que até 2030 quer retirar da situação de extrema pobreza cerca de 500 mil pessoas que vivem próximas às suas operações no Brasil e no mundo. Outras metas são as de ajudar as 13 comunidades indígenas vizinhas às suas operações conforme a Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas. Desta forma quer figurar entre as três empresas do setor mais bem posicionadas nos requisitos sociais em avaliações externas – como os índices Dow Jones e o MSCI, por exemplo.
“Reduzir a pobreza no país exige um papel mais ativo da iniciativa privada”, costuma dizer Edu Lyra, CEO da ONG Gerando Falcões. A agenda ESG é uma ‘agenda de inovação’, destaca ele, uma oportunidade para olhar o mundo sob uma nova ótica.
Abraçada por Jorge Paulo Lemann, a ONG Gerando Falcões atraiu grandes apoiadores como XP Investimentos, Gerdau, Localiza Hertz, Dasa, Laboratórios EMS para seus projetos de educação, desenvolvimento econômico e cidadania que em 10 anos ajudaram mais de 1,5 mil favelas. É apenas um exemplo. Em parceria com a Accenture, a ONG quer transformar a pobreza da favela em peça de museu com o programa Favela 3D (Digna, Digital e Desenvolvida).
Além da pobreza, o abismo entre negros e brancos no Brasil foi apontado por quase metade dos entrevistados (48%) como uma questão com a qual se importam muito e com que as empresas também deveriam se importar, mais até do que com a desigualdade de gênero.
Esse resultado é significativo e mostra que ações corporativas para reduzir a discriminação conquistarão aprovação entre os consumidores.
MULHERES VÃO MUDAR O MUNDO COM AGENDA ESG
O Magalu liderou iniciativas no varejo ao anunciar a contratação de trainees negros. Com isso, aparece no Índice GPS como uma das companhias mais atuantes em questões sociais, mas ainda é considerada pelos entrevistados como pouco participativa em temas ambientais. Além disso, Magalu não é um caso isolado. Observamos que esse segmento ainda é pouco percebido pelos consumidores –desta forma, acreditamos que é fundamental comunicar as ações EGS ao longo do tempo, de maneira forte e consistente.
Ações responsáveis e comunicação têm de caminhar juntas. Por outro lado, foi a principal liderança do Magalu – uma mulher, Luiza Trajano, que veio a público defender a ação afirmativa da rede quando as primeiras críticas surgiram nas redes sociais. Não é à toa. O público feminino está mais preocupado com os problemas globais e age mais contra eles, aponta o Índice GPS.
Elas lideram as ações para mudar comportamentos em benefício coletivo. São 12% mais preocupadas com os valores ESG do que os homens e muito mais empenhadas nas ações cotidianas. Nosso estudo confirma que as mulheres podem mudar o mundo.
*Juliana Simão e Andrea Marino são sócias da Walk the Talk by La Maison
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