Em novembro de 2024, enquanto jornais e sites especializados em política previam a vitória de Kamala Harris, uma empresa de pesquisas aqui do Brasil — a Atlas Intel — foi na contramão e cravou o triunfo de Donald Trump.
O republicano, como se sabe, foi eleito para um novo mandato que começa no dia 20 de janeiro de 2025. Além do placar de 312 x 226 no colégio eleitoral (que determina de fato o vencedor), Trump ganhou no voto popular, com 49,8% contra 48,3% de Kamala.
Essa diferença de 1,5% ficou apenas 0,3% acima do previsto pela Atlas Intel, que apontava uma margem favorável a Trump de 1,2%.
Em contrapartida, às vésperas do pleito, a democrata tinha uma vantagem de 1% segundo o jornal New York Times e o estatístico Nate Silver, criador do Silver Bulletin; 1,2%, para o FiveThirtyEight; e 2% pelas contas do Washington Post, entre outros veículos.
A performance da Atlas Intel também chamou atenção ao prever o resultado em todos os chamados estados pêndulos (aqueles em que os resultados são incertos).
Fundada em 2017, a Atlas Intel nasceu da cabeça de dois empreendedores que o acaso uniu como parceiros de vida e negócios: o matemático cearense Thiago Costa, 40, e o cientista político romeno Andrei Roman, 39.
A empresa também se saiu bem em outros pleitos, por exemplo as eleições municipais no Brasil e as primárias argentinas.
Diferentemente de institutos de pesquisa tradicionais — que costumam fazer entrevistas presenciais ou, no máximo, por telefone —, a Atlas Intel compra anúncios online e pede para as pessoas responderem suas enquetes.
Na sequência, eles aplicam alguns algoritmos para corrigir eventuais vieses e, assim, têm produzido uma forma até aqui bastante precisa de realizar pesquisas eleitorais.
O método não chegar a ser totalmente original; é utilizado, por exemplo, por institutos como o YouGov, dos EUA (que também indicou 1% de vantagem para Kamala). Mas vem evoluindo rapidamente nas mãos da Atlas Intel.
É fácil olhar para Thiago, o cofundador e CTO da Atlas Intel, e ver nele o estereótipo de um gênio no estilo de Will Hunting (Matt Damon) em Gênio Indomável (1997) ou Alan Turing (Benedict Cumberbatch) em O Jogo da Imitação (2014).
Durante a entrevista por vídeo com o Draft, Thiago narrou façanhas como conquistar medalhas em olimpíadas internacionais de matemática ou fazer doutorado em Harvard como se fossem coisas triviais.
Thiago diz que sempre foi obcecado por matemática — o que fez com que ele fosse o primeiro de sua família a viajar para fora do país. Aos 12 anos, foi para a Argentina disputar a Olimpíada Internacional de Matemática. “Como fui muito bem nas seletivas, estava super empolgado”, conta.
O resultado? Zero na prova.
“Eu tinha que provar teoremas — e não fazia ideia. Achei que tinha ido bem porque os resultados estavam certos, mas a lógica estava completamente errada”
A história poderia acabar aí, em frustração. Em vez disso, Thiago passou o ano inteiro focado em mudar o cenário e, na edição seguinte, ficou em primeiro lugar na Olimpíada Brasileira de Matemática.
“Depois, em outros momentos, tive vários altos e baixos. Eu aparecia com expectativas enormes de que tudo daria certo e acontecia o oposto. Mas continuava trabalhando muito sério e focado. E, na média, tudo foi dando muito certo.”
Thiago cursou Engenharia da Computação na Unicamp, mas em um projeto de extensão foi estudar na Caltech, universidade na Califórnia considerada uma das mais avançadas quando o assunto é tecnologia. Lá, em 2004, enquanto o Orkut era lançado no Brasil, trabalhou com carros autônomos em projetos para o Departamento de Defesa dos EUA.
Nesse tempo, ele conheceu Jacob Palis Jr., um dos maiores nomes da matemática brasileira, se apaixonou por estatística e foi fazer mestrado no Instituto de Matemática Pura e Aplicada (IMPA), em São Paulo.
“Era um momento em que a área de Data Science estava super pegando e estavam sendo criados novos departamentos e programas. Era uma boa hora para estudar estatística.” Do mestrado, ele emendou o doutorado — também em matemática — em Harvard, onde conheceria não só a elite dos acadêmicos em sua área, mas também Andrei Roman, seu futuro marido e sócio na Atlas Intel.
Por coincidência, o romeno Andrei havia passado um tempo estudando em Fortaleza — mas não foi na capital cearense que ele conheceu Thiago.
Cientista político, Andrei se especializou em estudos sobre América Latina e foi aprofundar seus conhecimentos em doutorado em Harvard. E foi lá, em Harvard, que os dois se encontraram, num evento sobre o Brasil. A partir desse encontro, há 15 anos, os dois passaram a formar um casal.
Thiago e Andrei se conheceram no início do doutorado. E, agora que havia concluído os estudos, o matemático começava a pensar qual seria seu próximo passo:
“Estava com a cabeça aberta em relação à carreira. Sabia que queria empreender, mas não sabia muito bem como isso ia acontecer. E foi mais ou menos nessa situação que o Andrei também estava”
Unidos pelo amor e pela vontade de empreender, o casal passou a avaliar as possibilidades. Andrei chegou a trabalhar na consultoria McKinsey, mas a ideia era ganhar experiência para, posteriormente, montar um negócio próprio.
Em 2013, de férias, os dois estavam em São Paulo, na avenida Paulista, em julho de 2013, quando as ruas das grandes cidades do país foram tomadas por gigantescas manifestações – no que seriam os maiores protestos populares da história recente do Brasil.
Naquele momento, vendo a confusão nos discursos que pediam “sem partido” nas ruas, eles decidiram criar o site Atlas Político: uma espécie de cara-crachá com a proposta de ajudar as pessoas a saber o que cada político fazia e qual era sua orientação ideológica.
“Era um mero exercício cívico de trazer mais transparência para o contexto político e ajudar as pessoas a entenderem”
O Atlas Politico não existe mais: o site foi pensado apenas para aquele momento de convulsão político-social. Mas desse “exercício cívico”, Andrei e Thiago entenderam que poderiam gestar juntos um produto mais perene.
Por volta de 2018, o casal já estava morando no Brasil. E, se em 2013, Andrei e Thiago viam o país como um lugar onde as pessoas tinham dificuldade em identificar o alinhamento ideológico dos políticos, agora o cenário era completamente diferente.
Naquele ano, o Brasil já estava sob o zeitgeist da polarização política, com Lula preso e Bolsonaro prestes a ganhar as eleições.
A vontade do casal era unir os conhecimentos de matemática de Thiago com os de ciência política de Andrei — e fazer algo dessa mistura ainda naquelas eleições. Assim, eles começaram a sondar amigos do mercado financeiro para entender que tipo de produto poderiam criar.
“Muita gente começou a falar para tratarmos dados de redes sociais, mas percebemos que isso não seria interessante porque seria difícil de coletar. No entanto, percebemos que poderíamos usar as redes sociais para pensar novas formas de fazer pesquisa eleitoral”
Foi daí — e olhando outros modelos que surgiam no mundo — que eles decidiram apostar na metodologia de comprar anúncios online para as pessoas responderem às pesquisas.
Além da precisão, o modelo da Atlas Intel tem outras vantagens, como a alta frequência de atualização: já que é rápido coletar respostas online, eles conseguiam ter os números das eleições atualizados diariamente.
Passaram, então, a vender o acompanhamento principalmente para o mercado financeiro. Com o sucesso, a empresa cresceu organicamente.
“Até hoje não recebemos nenhum investimento externo — pois acreditamos que isso não nos ajudaria a crescer melhor.”
Trabalhar com pesquisas, no entanto, é um jogo de alto risco. “Você, basicamente, depende o tempo todo de sua reputação”, diz Thiago. Fazer pesquisas trabalhando com um modelo de captação de respostas novo traz ainda mais riscos.
Para mitigá-los, eles foram pesquisar o estado da arte em estatística e política. “Fomos ler vários papers acadêmicos, pensar em mil situações em que nossos modelos poderiam ser falhos e qual seria a melhor maneira de tratar esses dados.”
Apesar do cuidado com o tratamento dos dados, Thiago não acredita que os algoritmos sejam a vantagem competitiva da Atlas Intel. “Nossos modelos poderiam ser usados pelo Datafolha, por exemplo”, afirma. E prossegue:
“O problema dos nossos competidores mais tradicionais é que eles insistem que o método [de coleta de dados] deles ainda é o único que é certo… Não inovamos por construir algum modelo maluco, mas por ter flexibilidade e humildade em relação às suposições matemáticas que fazemos”
Os resultados bem sucedidos levaram a Atlas Intel a acompanhar as eleições de vários outros países — na maioria das vezes sob encomenda de empresas do mercado financeiro.
Em seis anos, saíram de uma empresa de duas pessoas e apenas com investimento próprio para um time de 20 funcionários; essa equipe inclui diretores de políticas públicas, engenheiros de software e estatísticos, entre outros perfis profissionais.
Sempre de olho nos números, Thiago lembra que o jogo nunca está ganho:
“Um instituto vive da sua reputação. E sempre estão atacando a nossa”
Esse ataque, ainda segundo o matemático, foi forte durante as últimas eleições americanas, quando a Atlas Intel contrariou as previsões da concorrência ao indicar a vitória de Trump.
“Precisamos ser honestos com o que vemos”, diz Thiago. “Há institutos que podem não querer divergir da média, mas nós não fazemos isso. Nosso negócio é dar a cara a tapa.”
Às vezes, mastigar dados com tecnologia não basta para conhecer o seu público. Julia Ades e Helena Dias estão à frente da Apoema, uma empresa de pesquisa low-tech que busca conexões nas entrelinhas e atende marcas como Nike e Natura.
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