Lançado em 2012 como um bazar num calçadão do Lago Paranoá, o PicniK cresceu e virou um festival itinerante com quatro edições anuais e a fama de propulsor da Economia Criativa de Brasília.
Apresentamos o projeto aqui no Draft numa reportagem em 2014; depois, em 2017, contamos sua transformação.
A Covid-19 cancelou o festival, mas agora a história dá um novo giro. Seu criador, o economista Miguel Galvão, sentia falta de um espaço fixo onde os brasilienses pudessem ter contato com esse ecossistema fervilhante de forma contínua.
Assim nasceu o Infinu. Nas palavras de Miguel, uma “evolução natural” do PicniK:
“Entendemos que o festival tinha sido muito importante para levar a população às áreas públicas e mostrar que existe uma maneira muito legal de curtir, interagir e ressignificar a cidade”
O novo hub reúne moda, gastronomia, cultura, inovação e empreendedorismo, disponibilizando uma vitrine acessível — com menos riscos e custos — para empreendedores criativos a fim de oferecer seus produtos e serviços.
Hoje, mais de 70 marcas ocupam seus três andares, na Asa Sul de Brasília.
ELE DIZ QUE A FÓRMULA DO PICNIK FOI COPIADA; AS CONEXÕES, NEM TANTO
Miguel diz que, ao longo dos anos, surgiram outros ações que se propunham a ocupar espaços públicos, como o PicniK (que adotara o Parque da Cidade como sua “casa preferencial”).
A abordagem, porém, era diferente:
“As pessoas optavam por fazer eventos em áreas públicas porque é mais barato do que alugar uma área privada. Mas não havia uma preocupação de deixar o espaço arrumado, trazer melhorias e uma conexão do público que não fosse pontual”, diz.
Ao mesmo tempo, o crescimento do PicniK criava dores de cabeça para seus organizadores.
“Chegou um momento em que a gente estava assumindo muita responsabilidade que não era nossa — seja na questão do lixo, da qual as pessoas ainda não estão conscientes, seja na segurança, que deveria ser do Estado”
O cenário do setor cultural também motivou a pensar em outro formato de fomento à Economia Criativa:
“Nos últimos três anos, a grande fonte de renda do PicniK eram leis de incentivo, e esses programas vêm sendo demonizados… Sabíamos que, se não pensássemos em algo mais, teríamos dificuldades.”
CONTRADIÇÃO: SETOR DE EVENTOS DESENVOLVIDO, CENA CULTURAL INCIPIENTE
Por fatores como a reestruturação societária do PicniK, o Infinu, esboçado em 2017 por Miguel, só começou a ganhar forma em 2019.
Junto com ele, Ernani de Castro Pelúcio Pereira, “parceiro de longa data e responsável por projetos culturais importantes na cidade nos anos 1990”, embarcou no projeto.
Há ainda uma equipe de gestão de comunidade formada por mulheres, como Beatriz Chaves e Maiene Marques.
A ideia que norteou o grupo foi ter um local onde pudesse agrupar os agentes da Economia Criativa e permitir trocas com o público o ano todo.
“Brasília tem um desequilíbrio. Ao mesmo tempo em que o setor de eventos é um dos mais desenvolvidos da América Latina, os espaços culturais são muito incipientes”
A busca por esse espaço não foi fácil. Por ser uma cidade planejada, a capital tem sua ocupação toda setorizada, o que pode ser um desafio à sua utilização por negócios mais inovadores.
“Temos áreas super nobres no Centro e com boa estrutura, mas com vacância de 30% por conta do preço do aluguel.”
A ALTERNATIVA FOI OCUPAR UMA ÁREA MENOS NOBRE — E REVITALIZÁ-LA
Por causa dessa barreira de entrada, os sócios decidiram arriscar e investir numa região menos visada.
Eles alugaram um terreno onde funcionava um lava-jato “caindo aos pedaços”, localizado na W3 506 Sul, avenida que também já viveu dias mais gloriosos:
“A W3 506 Sul foi a primeira principal avenida da cidade. Mas a partir dos anos 1980, sofreu um processo de degradação que se intensificou quando o governo direcionou as atividades comerciais para os shoppings”
Decididos a transformar esse panorama, os sócios se dedicaram a recauchutar o espaço. A previsão era abrir para o público em dezembro de 2019; porém, as obras atrasaram.
O nome do hub foi tomado emprestado do título de uma música da banda goianiense Boogarins. “É uma referência ao infinito, à realidade líquida que a gente vive hoje, em que as possibilidades são diversas.”
Depois de um investimento de 1,5 milhão de reais (dinheiro próprio e de parceiros, como o Sicoob) e acordos firmados com 70 marcas, eles se viram, em abril, prontos para operar.
“SE DER MEDO, VAI COM MEDO MESMO”: ENCARANDO A ABERTURA NA PANDEMIA
A essa altura, a “realidade líquida” já tinha tomado a forma de um tsunami chamado Covid-19.
Se der medo, vai com medo mesmo: esse foi o mantra de Miguel quando a obra ficou pronta, em meio à pandemia.
“O medo pode gerar dois movimentos: ou você fica paralisado, ou você se movimenta. A gente está tentando mostrar para a nossa rede que o movimento é possível, mesmo nesse momento do coronavírus”
O empreendedor aproveitou que o conceito do projeto é todo baseado em serviço para incentivar a cultura do autoatendimento. Assim, o Infinu abriu as portas em junho — seguindo, de acordo com Miguel, todos os protocolos de segurança sanitária.
Outro ponto que ajudou foi ter uma ampla área aberta “colada” ao empreendimento, a Praça dos Avós. Antes da revitalização feita pela turma, o terreno era um beco de causar medo, diz o empreendedor.
“Transformamos esse espaço em uma praça, um ponto onde a comunidade pode se encontrar para tomar café, conversar com o vizinho, ouvir uma música…”
POR DENTRO DO INFINU
O Infinu tem 400 metros quadrados.
No térreo, estão quatro operações de comida (hoje em esquema de delivery ou take away), quatro lojas de moda/decoração, uma mercearia colaborativa para pequenos produtores (com 24 marcas), uma loja também colaborativa com 36 empreendedores (de roupas e acessórios a itens de papelaria e peças de decoração) e uma loja de bebidas/conveniência.
Os produtos, em geral, seguem a linha “FeitoemBsB”, que já era uma marca do PicniK.
“Estamos tentando trazer de volta para a região um local onde os consumidores possam interagir com a Nova Economia: colaborativa, compartilhada e socialmente responsável”
Ainda no térreo há um salão com palco (isolado e só usado atualmente para apresentações em lives, sem público).
No mezanino ficam as baias do coworking, um estúdio de tatuagem, um salão de cabeleireiro, um ateliê fotográfico e um espaço de reiki.
Existe ainda um terraço (o nome “chique” é rooftop) com uma copa para funcionários e onde, no futuro, deverão ser realizadas aulas de yoga, meditação etc.
O Infinu funciona às segundas, das 10h às 20 horas, e de terça a domingo (e feriados), das 10h às 22 horas. Para quem ainda não se sente seguro de frequentar o espaço, já existe uma loja virtual.
O FATURAMENTO HOJE ESTÁ EM DOIS TERÇOS DO PREVISTO PRÉ-COVID
O hub tem 14 funcionários. Somando os parceiros-lojistas, diz Miguel, são 100 famílias impactadas pelo empreendimento.
“A gente podia ficar com o espaço fechado, sem conseguir pagar as contas… Ou garantir o máximo de segurança e buscar uma situação em que o público se sentisse confortável para que pudéssemos operar ‘no amarelo’, pelo menos”
No primeiro mês, o Infinu faturou 100 mil reais. Hoje, diz, o hub já atingiu dois terços do previsto (pré-Covid) para o terceiro mês de operação.
A venda de bebidas, a loja colaborativa e a mercearia são tocadas pelo Infinu; as outras marcas pagam pela estrutura e um percentual sobre o faturamento.
“Nesse modelo, a gente libera os criativos para sua atividade-fim, sem que tenham que se preocupar com segurança, infraestrutura e manutenção.”
Mesmo com a pandemia, o Infinu já abrigou discotecagens, projeções e instalações artísticas com foco na transmissão de lives.
E o PicniK? Miguel diz que a ideia é retomar o festival — e realizar, em 2021, uma edição diferente:
“Queremos promover o evento em colégios, atrelado a um mutirão com a vizinhança, pais, professores e alunos… Para levar esse legado de revitalização e ressignificação às escolas.”
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