Era uma corrida eleitoral, e eles perderam. Wellington Nogueira, 58, fundador dos Doutores da Alegria, ONG de palhaços que visitam crianças doentes em hospitais, foi candidato a deputado federal. Em uma enquete na zona oeste de São Paulo, sua “bolha”, chegou a estar entre os oito favoritos. Terminou a campanha com 22 345 votos. Na Rede, seu partido, precisaria de 70 mil para ser eleito.
Lourenço Bustani, 38, cofundador e CEO da Mandalah, uma consultoria de inovação consciente, licenciou-se do cargo e assumiu, como voluntário, a posição de coordenador-geral da campanha presidencial de Marina Silva, ao lado da ex-vereadora carioca Andrea Gouvêa. Teve como “braço direito e esquerdo”, Marcel Fukayama, 34, cofundador do Sistema B Brasil, entidade que identifica, certifica e fomenta empresas dedicadas a usar o poder dos negócios para promover transformação socioambiental. Depois de iniciar a campanha como segunda colocada nas pesquisas, atrás apenas do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, quando ainda havia dúvidas sobre a elegibilidade do petista, Marina terminou o primeiro turno com apenas um milhão de votos — 300 mil a menos que o folclórico Cabo Daciolo.
Fossem eles marqueteiros profissionais ou políticos convencionais, a campanha de 2018 teria sido um desastre, uma experiência a nunca se repetir. Da perspectiva de três empreendedores de impacto, o engajamento nas eleições foi a descoberta de uma nova arena de ativismo com potencial para promover transformações impensáveis na iniciativa privada. Marcel fala a respeito: “Na política, estamos falando de mudança em uma escala que talvez nós, como indivíduos e até como organizações, dificilmente alcançaríamos”.
Ele descreve a campanha como um processo “brutal e intenso, mas também fascinante”, justamente pela possibilidade de se influenciar uma transformação sistêmica na sociedade. Lourenço complementa:
“Apesar do resultado, a sensação é de que deixamos um baita de um legado, no que talvez tenha sido a campanha mais coerente, limpa e bem-intencionada desde a redemocratização”
No entanto, a sensação no fim da campanha, para Marcel, era a de estar do lado de fora de uma festa estranha com gente esquisita. Ninguém os ouvia. “Não furamos a bolha”, diz Lourenço. Uma pesquisa feita há uma semana do primeiro turno, sob a forma de dez grupos de discussão com 100 mulheres ao redor do Brasil, materializou o problema.
De início, havia uma rejeição quase consensual à candidata. Marina era descrita como fraca, omissa, homofóbica e radical. Na segunda parte da conversa, a equipe apresentava conteúdos produzidos para a campanha e atuações de Marina até aquele momento: sabatinas, entrevistas, filmes de TV e de redes sociais. Resultado? “Houve consenso quase absoluto a favor da candidata. Todas as participantes estavam abertas a considerar Marina para aquela eleição ou já mudando de opinião in loco e definindo seu voto para ela”, conta Lourenço. Ficou claro que a mensagem transmitida era apropriada, mas não estava chegando a uma massa crítica de brasileiros.
O QUE UM EMPREENDEDOR CRIATIVO PODE APRENDER COM A POLÍTICA
A experiência de Wellington foi similar neste sentido. “O que elege não é o horário eleitoral”, diz. Ele, aliás, defende a extinção do tempo obrigatório para exposição de candidatos a cargos legislativos no rádio e na televisão. Wellington apareceu uma única vez, às 11 horas da manhã, pois a Rede tinha pouquíssimo tempo de TV. Além de partido, faltou dinheiro. Antes de mais nada, para pagar impulsionamento de posts. “Você começa a furar a bolha quando tem essa grana”, diz a cineasta Mara Mourão, mulher de Wellington e líder informal da campanha.
Wellington vê sua candidatura como a ampliação do trabalho de empreendedor social iniciado há 25 anos com a fundação dos Doutores da Alegria — em um contexto incomodamente parecido com o que encontrou ao trocar Nova York por São Paulo, em 1991. Ele lembra: “Quando cheguei ao Brasil, a gente estava fazendo o impeachment do Collor; a situação econômica estava uma porcaria”.
Em 2016, diante do avanço da Operação Lava Jato e do impeachment da presidente Dilma Rousseff, Wellington indignou-se com a repetição da história. “Vou me meter na política”, pensou.
Em 2017, foi à convenção da RAPS (Rede de Ação Política pela Sustentabilidade), onde reencontrou Ademar Bueno, professor da FGV e empreendedor social com um pé na política, que se tornaria seu “guia” na campanha. Meses depois, foi indicado para participar do RenovaBR, uma iniciativa para formação de novas lideranças para a política.
Lourenço, por sua vez, conheceu Marina na COP-21, a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2015, em Paris. Foi a primeira vez que conversaram, mas, segundo ele, parecia um reencontro. “A partir daí, fui me aproximando bem devagarinho”, afirma. Em 2016, ele a convidou para palestrar na comemoração de dez anos da Mandalah. Nos meses seguintes, consolidou-se a disposição de colaborar efetivamente. Ele conta:
“Vendo a situação do país e fazendo uma leitura do meu momento de vida, entendi que precisava me colocar a serviço desse processo”
O movimento decisivo veio em agosto de 2017. Lourenço foi a Brasília, encontrou Marina e disse que, no que pudesse ajudar, estaria a serviço. O convite para ser coordenador-geral da campanha chegou em março deste ano. De início, Lourenço não tinha certeza de que encararia aquele papel. Ele consultou amigos, familiares e advogados. “Todos disseram: ‘Se resguarde. É muita exposição, muita treta, muita baixaria’.” O conselho era que ajudasse nos bastidores, como consultor.
A resistência durou pouco. Em junho, ele já estava coordenando a campanha. Um mês depois, reuniu-se com Marcel no Impact Hub de Pinheiros. Falou sobre a campanha e lhe ofereceu carta branca para ajudar no que pudesse. Saiu de lá com um reforço de peso.
CADA UM OFERECE OS TALENTOS QUE TEM, TODOS APRENDEM
“Sempre flertei com a política”, conta Marcel. Em 2003, recém-chegado à maioridade e na condição de dono de uma das primeiras lan houses de São Paulo, convenceu um vereador a virar do avesso uma lei municipal que acabaria com esses espaços de acesso à internet — e, em vez disso, transformou a cidade na primeira capital brasileira a reconhecê-los como um setor.
Desde então, está convencido de que a transformação, seja comunitária ou nacional, passa pela política. Entre 2015 e 2017, Marcel fez um mestrado em administração pública na Escola de Economia e Ciência Política de Londres. De volta ao Brasil, tinha claro que sua agenda para uma economia mais inclusiva e sustentável “inevitavelmente cruzaria com a da Marina”.
Ela conheceu o Sistema B na Rio+20, a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, em junho de 2012. “De alguma maneira, ficamos conectados”, diz. “Mas a gente só foi se encontrar pessoalmente neste ano.”
Depois do encontro, ficou clara a oportunidade de trazer elementos dessa nova economia para a agenda de uma candidata a presidente. Quando começaram as sondagens sobre uma participação direta na campanha, porém, Marcel pensou duas vezes. “As consultas que fiz também renderam respostas como: ‘Vai com cuidado’; ‘se preserva’”, diz. Na conversa com Lourenço, ficou claro que não seria possível se engajar na campanha e garantir a autopreservação — mas valeria a pena correr os riscos.
Em uma campanha com severas restrições de recursos, não foi difícil identificar o que Marcel chama de “pontos de acupuntura”, de onde o impacto se irradia. Fazendo a ponte entre a equipe do programa de governo e a candidata, Marcel participou, entre muitas outras coisas, do preparo para debates, sabatinas e entrevistas. “Ele foi pau para toda obra”, resume Lourenço. O desgaste pela exposição não se materializou. “Foi tudo bem em relação àquelas preocupações”, diz Lourenço. Ao conviver com Marina, porém, a dupla viu de perto os custos da decisão de entrar na política. “Custo emocional, para a saúde, a esfera social e familiar”, enumera ele.
A expectativa de promover mudanças, contudo, ainda fala mais alto. Mal encerrada a campanha, Wellington já entrou para a Oficina Municipal, escola de política bancada pela Fundação Konrad Adenauer. A prioridade é cultivar sua base de 22 mil eleitores para as próximas eleições. Ele atribui as votações massivas dos filhos de Bolsonaro para cargos legislativos ao fato de terem começado suas campanhas há quatro anos. “É isso que a gente tem de fazer”, diz Wellington. O plano é se candidatar a deputado federal em 2022.
O PLANO AGORA? ESTUDAR MAIS E SE PREPARAR PARA NOVOS CHAMADOS
Wellington e outros empreendedores sociais, que têm um olhar para a política diferente do de partidos de forte militância, como o PSOL, precisarão buscar, a partir de agora, uma forma de atuação capaz de gerar mobilização. Colocar em prática suas vocações empreendedoras, no sentido de fazer as coisas acontecerem. O desafio talvez seja o de criar uma estrutura semelhante a de uma startup, com metas de crescimento e ganho de escala, candidatos como produtos a vender para a sociedade e um propósito claramente definido de transformar realidades.
Para Wellington, o momento é de recomeço. Um de seus desafios é emprestar à condição de político a mesma respeitabilidade que deu à profissão de palhaço. “O que eu sempre ouvi? ‘Não estudei não, mas sou palhaço por natureza’. Odeio isso e sempre combati o amadorismo”, diz. Seu caminho é, mais uma vez, o da profissionalização.
Lourenço e Marcel, por sua vez, dizem não ter clareza sobre seu futuro engajamento político. Se em algum momento ouvir esse chamado novamente — “com as pessoas certas e as pré-condições necessárias” —, Lourenço diz que não hesitará. “Qualquer intenção que você firma, respaldada por disciplina, estudo, relacionamentos e autoconhecimento, se materializa”, afirma. Isto, no contexto de um empreendedor, ganha ainda mais potência ao trazer para o universo da gestão pública a lógica de métricas, planejamento, gestão de pessoas, rigor e outro detalhe como acrescenta Lourenço:
“É preciso fé para acreditar que, mesmo diante de muita adversidade, algo pode se firmar”
Marcel se diz privilegiado pelo modo como estreou na política. “Ter me engajado já no coração de uma campanha presidencial foi uma experiência transformadora”, diz. Uma experiência que recomenda a cidadãos em geral e empreendedores em particular. “A política traz uma grande oportunidade de transformar na sua realidade, na sua comunidade, no nosso país a partir do seu protagonismo”, afirma. “É importante que esses empreendedores se encorajem a dar o próximo passo para se engajar na política. Seja trabalhando numa campanha, disputando um cargo eletivo ou apoiando a inovação na política institucional”, fala ele, enumerando as amplas possibilidade de um cidadão apoiar ativamente as transformações do país.
O mercado de comunicação ainda é muito elitista. Vinda da periferia, Ellen Bileski inverteu essa lógica ao criar a Ecomunica, que prima pela diversidade na equipe e conta com um assistente de IA para ajudar a tornar conteúdos mais inclusivos.
O bagaço de malte e a borra do café são mais valiosos do que você imagina. A cientista de alimentos Natasha Pádua fundou com o marido a Upcycling Solutions, consultoria dedicada a descobrir como transformar resíduos em novos produtos.
Aos 16, Fernanda Stefani ficou impactada por uma reportagem sobre biopirataria. Hoje, ela lidera a 100% Amazonia, que transforma ativos produzidos por comunidades tradicionais em matéria-prima para as indústrias alimentícia e de cosméticos.