O segredo da virada da Avante era tão novo quanto óbvio: gastar sola de sapato

Nana Soares - 29 jun 2017Em vez de lojas físicas, a Avante percebeu que poderia ser muito mais efetiva espalhando agentes, a pé, nas comunidades. Deu certo.
Em vez de lojas físicas, a Avante percebeu que poderia ser muito mais efetiva espalhando agentes, a pé, nas comunidades. Deu certo.
Nana Soares - 29 jun 2017
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Quando começou a operar, lá em 2012, a Avante era uma plataforma de serviços financeiros 100% online, focada em moradores das favelas. A ideia era oferecer microcrédito e também noções de educação financeira a um público geralmente menosprezado pelos grandes bancos. Aí estava — e está — o caráter social do negócio, pois oferecer “pouco” dinheiro a quem precisa muito dele costuma gerar um impacto muito maior na vida dessa pessoa.

Em 2015, quando o negócio social foi perfilado pelo Draft, a primeira loja física tinha acabado de ser inaugurada, na favela de Paraisópolis, zona sul da capital paulista. À época Bernardo Bonjean, 39, fundador e CEO da Avante, imaginava que o futuro seria abrir mais e mais lojas.

Ele estava parcialmente certo: acertou ao entender que o corpo a corpo era fundamental para chegar ao público desejado, mas só depois perceberia que para isso não era preciso ter lojas físicas. O segredo da virada da Avante estava na criação de uma rede de agentes que vão, a pé mesmo, conversar com os clientes — essencialmente microempreendedores — nos cantos mais distantes do país. Hoje 90% dos clientes da Avante são do Nordestino.

A Avante apareceu no Draft pela primeira vez em 2015 (clique na foto para ler).

A Avante apareceu no Draft pela primeira vez em 2015 (clique na foto para ler).

A pretensão de abrir 29 lojas, como dito lá em 2015, ficou para trás quando os sócios (além de Bernardo, José Mario Ambrósio, Davi Viana e os fundos Vox Capital e Kviv) perceberam que o sucesso do modelo de negócios da Avante estava na base da pirâmide.

A mudança levou à criação, desenvolvimento e treinamento de um contingente de 150 agentes espalhados em mais de 100 cidades do país.

O CEO fala a respeito: “Percebemos que um agente, com um aparelho na mão, visita o cliente em qualquer lugar e é um canal muito mais eficiente e com mais impacto que uma loja, parada na rua”.

Ele não disfarça o orgulho de ver seu negócio atingindo regiões remotas do país e diz que o propósito da Avante é justamente trabalhar este nicho que, em sua visão, é uma “locomotiva adormecida”. “Queremos pegar uma pessoa invisível e torná-la visível para o sistema”, diz. Para isso, prossegue, há uma avenida aberta:

“No Brasil, 40 milhões de pessoas querem empreender, mas ninguém quer gastar sola de sapato para servir o cliente de baixa renda”

Hoje, os clientes da Avante concentram-se no Nordeste, basicamente em Pernambuco, no Ceará e no Maranhão (10% ainda são de Paraisópolis). A oferta de crédito varia de 400 reais a 30.000 reais, e o tíquete médio é de 2.600 reais.

Nesses cinco anos de operação, já foram distribuídos 100 milhões de reais, para 30 mil clientes. Bernardo conta que o objetivo é impactar 1 milhão de microempreendedores até 2021, liberando até 5 bilhões de reais de crédito, no total. A meta é ambiciosa, mas ele acredita ser possível. A fé é nos agentes:

“Só precisamos de coração, de uma pessoa que tenha o mesmo propósito e esteja afim de trabalhar com a gente”. Ele faz a comparação: se uma loja atendia mil clientes, cada agente, sozinho, tem uma cartela de cerca de 500 pessoas.

Para ter acesso ao microcrédito da Avante, não é preciso ter CNPJ, conta em banco ou fiador. Os clientes dividem-se em três faixas de renda: a mais baixa são os que empreendem para sobreviver (que basicamente “ganham para comer e dormir”, nas palavras de Bernardo); o mediano é aquele que está crescendo com o negócio; e, porfim, há o microempreendedor consolidado.

A Avante agora foca em microempreendedores do interior. Na foto, Bernardo Bonjean conversa com uma cliente.

A Avante agora foca em microempreendedores do interior. Na foto, Bernardo Bonjean conversa com uma cliente em Paraisópolis.

Tendo este pequeno “exército” na rua, a Avante tem uma visão privilegiada, por exemplo, da relação dos microempreendedores com a tecnologia.

“Eles amam poder fazer tudo digitalmente, mas odeiam ser dependentes da tecnologia. É uma relação conflituosa, e por isso aprendemos a importância de ter um agente que vai até o cliente e cuida dele”, diz Bernardo.

Na transição entre o modelo de loja física e o dos agentes, o porta a porta era a abordagem principal. É desgastante, por isso hoje funciona assim: os potenciais clientes são impactados por campanhas (na TV ou no Facebook) e solicitam, pelas redes sociais ou pelo site, a visita de um agente da Avante, que idealmente o alcança em poucas horas, no mesmo dia. Com o uso inteligente da tecnologia, o modelo porta a porta é cada vez menos necessário.

Bernardo conta que 62% dos pedidos de crédito que chegam são aprovados. Diz, também, que a inadimplência é baixa: 9% no primeiro crédito e 3% no segundo; e que cerca de 82% dos clientes renovam o tíquete. Entre os produtos disponíveis, comparando com a oferta em 2015, só não há mais o consórcio. Permanecem o microcrédito (carro-chefe), a máquina para cartão, o Microseguro e o Banco Digital. No segundo semestre deste ano, diz o CEO, deve ser lançado o Celular Avante, com funções pensadas especialmente para ajudar o microempreendedor.

INOVAR É PRECISO. OLHAR PRA SI TAMBÉM

Para desenvolver todos esses produtos a Avante conta com um time de inovação alocado em Tel Aviv (Israel), sede de um dos três escritórios da empresa (os outros são em São Paulo e Fortaleza). A escolha por desenvolver tecnologia fora do Brasil se deu após uma visita de Bernardo, que ficou fascinado por seu ecossistema de inovação israelense. “Nunca imaginei que compraria uma empresa em Israel. Antes eu estava mais preocupado em sobreviver, em saber se as pessoas iriam querer trabalhar na Avante”, diz ele.

O time de inovação fica a postos lá em Israel, mas quem diz quais são demandas dos empreendedores são eles mesmos, ou melhor, os clientes que formam o conselho consultivo da Avante — outra criação recente da empresa. Há uma série de mudanças nesses dois anos. Mais um exemplo: a estrutura organizacional deixou se ser pautada por produtos e passou a ser dividida em seus stakeholders (microempreendedores, agentes etc). “Redesenhamos nossa estrutura para não corrermos o risco de sermos mais uma empresa de produtos”, diz Bernardo.

As mudanças se refletiram, também, no tipo de investidores que a Avante atrai. Se antes contava com fundos de Venture Capital (naturalmente mais dispostos a correr riscos), hoje recebe também aportes estratégicos de grupos como a família Klein (Casas Bahia) e a Omni Financeira. Há poucos dias, por sinal, a Avante captou 38,6 milhões de reais em uma rodada de investimento com fundos provenientes da Vox Capital e — principalmente — do grupo mexicano Gentera. Isso alavancou seu valor de mercado para 263 milhões de reais. O CEO fala sobre o tema:

“Aprendi que o resultado financeiro é consequência do seu propósito e de como você trata as pessoas”

Nesta linha, ele conta que acaba de firmar uma parceria com a “Chief Love Officer (CLO)” Rajshree Patel, conferencista especializada em relacionamentos pessoais, ela vem para a Avante para “desenvolver a melhor versão das pessoas”. As primeiras ações de seu trabalho incluirão um coach para os líderes e o desenvolvimento de um programa de bem-estar junto à Diretoria de Pessoas da empresa.

RECONHECIMENTO E O CUIDADO AO CRESCER

Os últimos anos foram difíceis para a economia brasileira, é fato, mas a recessão não impediu a expansão da Avante, que faturou 4 milhões de reais em 2016 (ante apenas 300 mil reais no ano anterior). Ainda não há concorrentes à vista, mas Bernardo não teme o surgimento de empreendimentos semelhantes. “Jamais praticaria competição predatória com um cara que acorda e, assim como nós, quer apoiar o microempreendedor.” É assim, pensando mais no que precisa ser feito, que a Avante foi reconhecida internacionalmente por seu impacto social: o mais recente é de maio último, quando venceu o GSC 3 Awards no voto popular (prêmio concedido pelo Global Sourcing Council, que tem a ONU como apoiadora).

Bernardo, que se define como alguém que trabalha para resolver “um problema com P maiúsculo”, diz que é fundamental não perder de vista a realidade com que trabalha. Para ele, essência de ter um negócio social é não esquecer de sua missão essencial:

“Muitas empresas perdem a conexão com seu propósito ao crescer. Não quero isso. E não quero que deixe de ser divertido: para mim, todo dia é sábado e domingo”

Ele fala pela Avante, mas especialmente por si. Meio desbocado, mas cheio de verdade, ele provoca: “Se eu tenho o dom e a paixão de resolver um problema, eu vou fazer o quê? Jogar golfe? Não dá!”. Trinta mil pessoas agradecem. E contando.

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