Hoje, a vida parece impossível sem o celular. Seja para trabalhar, se informar ou se entreter, o aparelho não sai do nosso lado. E se torna fonte frequente de dores de cabeça (além de catalisador de vícios digitais e problemas de saúde mental…).
Quem já teve o celular furtado, viu ele se espatifar no asfalto ou incorreu em algum outro descuido conhece a dificuldade de arcar não só com os custos de um novo aparelho, mas com as amolações e os trâmites envolvendo chips, agendas e dados que podem se perder no caminho.
Mais de 100 celulares são roubados por hora no Brasil, segundo o Anuário de Segurança Pública. Uma prova dessa preocupação em alta é o crescimento recente da contratação de serviços de seguro para celulares nas grandes capitais.
“Imagina uma Netflix que você paga todo mês. Num futuro próximo, esperamos que isso aconteça com o celular. Vamos pagar sempre uma proteção porque, qualquer coisa que aconteça, preciso ser rapidamente atendido”, afirma Tatiany Martins, 37, vice-presidente comercial e de marketing da Pitzi, empresa paulistana especializada no setor.
Uma das pioneiras desse mercado no Brasil, a insurtech surgiu em 2012, inspirada em uma experiência que o empreendedor americano Daniel Hatkoff, 41, enfrentou em solo brasileiro dois anos antes. Viajando pelo Brasil, ele acabou derrubando café no próprio celular. E, ao mandar o aparelho para o conserto, ficou chocado com o prazo para os reparos na época: de 25 a 30 dias. Tatiany conta:
“Imagina, ninguém fica sem o celular 30 dias. Ele questionou por que os brasileiros aceitam ter um atendimento tão ruim, quando em outros lugares do mundo a realidade era diferente, a resolução era muito mais rápida”
A Pitzi, empresa da qual Daniel hoje é presidente, conta com mais de 2,5 milhões de aparelhos segurados pelo Brasil. A principal meta da companhia é massificar o uso de seguros para celulares, segundo a vice-presidente comercial.
Até porque, se hoje apenas cerca de 8% dos celulares por aqui têm algum tipo de proteção, o mercado ainda guarda um espaço considerável para crescer. Afinal, em países como os EUA o número de aparelhos segurados passa de 50%.
Atualmente, a insurtech oferece serviços por todo o território brasileiro, que compensam desde roubos e quebras até a perda do aparelho — este último, diz Tatiany, é um tipo de cobertura exclusivo da empresa no país.
A companhia também conquistou recentemente o Selo Carbon Free, voltado a empresas que visam neutralizar suas emissões de carbono de acordo com as normas internacionais. A meta da Pitzi, afirma Tatiany, é neutralizar 175 toneladas de carbono, geradas pelas suas atividades, até abril de 2025.
Apesar de ter identificado o problema da proteção e conserto de celulares após ter sido obrigado a ficar vários dias sem seu aparelho, Daniel não tinha muito conhecimento na área.
Com formação em economia, sua experiência até então era de analista financeiro em empresas de investimento como Morgan Stanley e Warburg Pincus, na cidade de Los Angeles, onde vivia. Segundo Tatiany:
“O background do Daniel é no mercado financeiro, então o mindset sempre foi criar empresas onde você consegue captar investimentos. Mas ele é bastante curioso. Foi muito mais uma questão de ver um nicho e uma oportunidade”
Num cenário em que a dependência do celular ainda não era intensa como hoje, vender o serviço no mercado brasileiro representava um desafio ainda maior. Por isso, Daniel acabou se mudando de vez para o país.
Como em 2012 a Pitzi havia acabado de nascer e não tinha uma marca conhecida, desde o início a estratégia era estabelecer parcerias no B2B na hora de oferecer seguros. Primeiro, com franquias de operadoras de telefonia móvel, que passavam a vender o serviço no balcão junto com o próprio aparelho, recebendo cerca de metade do valor do serviço. Depois, também com seguradoras.
Consciente de que a venda de seguros não seria prioridade no varejo, Tatiany conta que a empresa sabia desde o início da dificuldade de cobrar metas dos parceiros. Por isso, um dos focos de atuação é justamente a preparação para oferecer o serviço da forma mais adequada e atraente para o comprador.
Tatiany enfatiza que, no fim das contas, o primeiro cliente da Pitzi é o próprio vendedor.
“A gente senta com o vendedor, com o gerente e explica como é que faz, dá a argumentação de vendas, explica o quão importante é para o cliente e inclusive ajuda a calcular o quanto de comissão ele ganha com aquele serviço”
O preço para contratar o serviço da Pitzi depende da cobertura, do valor e tipo de celular. Os planos podem englobar proteção contra danos, roubo e proteção total, que inclui até o tal seguro contra perda do aparelho.
O usuário da Pitzi paga uma mensalidade fixa, que no período de um ano sai numa média de 25% a 30% do valor do aparelho. Além disso, quando aciona a proteção por quaisquer motivos, ele precisa pagar uma taxa de franquia mínima para o reparo do celular. A partir desse valor, a Pitzi arca com os custos.
O acionamento do seguro pode ser feito de forma automática pelo site, por um canal disponibilizado no WhatsApp, por telefone ou até presencialmente na loja onde a compra aconteceu.
A insurtech oferece um prazo de no máximo cinco dias — para quem vive fora do estado de São Paulo, é de até dez — para enviar um aparelho ao cliente, seja o mesmo celular com os reparos necessários ou outro do mesmo modelo ou superior, caso o conserto não seja possível no tempo adequado.
Além disso, se não utilizar a proteção durante o primeiro ano de vigência do seguro, a Pitzi pode recomprar o aparelho por até 50% do valor de mercado, oferecendo esse crédito ao cliente na aquisição de um novo celular na mesma loja.
Para oferecer essa cobertura, a equipe da Pitzi faz um trabalho crucial de gestão de estoque de peças e aparelhos celulares disponíveis, diz Tatiany.
Além disso, realiza uma constante operação de análise preditiva, levando em conta aparelhos que podem sair de linha em breve e quantos clientes deverão precisar do atendimento da empresa ao longo do tempo.
A partir de 2020, a companhia também passou a apostar em parcerias com grandes varejistas online, como Mercado Livre e Amazon ou a brasileira Gazin, com a proteção sendo oferecida sempre que alguns dos milhões de clientes ativos nas plataformas fecham a compra de um aparelho.
“No digital, exploramos qual o melhor momento para fazer a oferta e o que é importante informar para o cliente, porque você não tem ninguém ali trabalhando o psicológico do comprador para mostrar a necessidade daquele serviço”
Segundo ela, os resultados são animadores. “A gente está tendo resultados incríveis, conversões no digital jamais vistas no mercado.”
Ainda no ano de 2020, com a pandemia, uma mudança importante aconteceu na Pitzi: Daniel precisou voltar aos EUA para ficar junto dos pais.
Com isso, o fundador, que até então exercia a posição de CEO na empresa, convidou o engenheiro e executivo João Miranda, então CFO do Mercado Livre, para assumir o cargo, passando ele mesmo a ocupar a função de chairman.
Foi nessa época que Tatiany, até então gerente comercial na empresa, foi chamada para ocupar o cargo de diretora de vendas. Graduada em administração, antes ela já tinha trabalhado por seis anos com proteção de celulares na varejista Conecta.
Ao longo dos anos, a Pitzi também recebeu investimentos fundamentais para o crescimento da empresa. Em 2019, por exemplo, teve um aporte de 60 milhões de reais liderado pelos fundos norte-americanos QED e WTI.
Embora não tenha passado por nenhuma rodada de captação recente, a insurtech já recebeu 35 milhões de dólares (R$ 192,4 milhões na cotação atual) investidos ao longo de mais de uma década de atividade, diz Tatiany.
Com isso, a empresa também foi fazendo seus próprios investimentos. Em 2021, adquiriu a startup Komus, concorrente do mesmo mercado de proteção de celulares, incorporando uma equipe especializada em desenvolver soluções para o setor. Além disso, fundou recentemente uma unidade de negócios celulares por assinatura, a Leapfone, voltada a um público que prefere trocar de aparelho com segurança todos os anos.
Recentemente, a Pitzi também anunciou uma nova opção de seguro para varejistas, que promete proteção completa em situações de instabilidade financeira, numa parceria com a Sabemi Seguradora.
Com cobertura financeira em casos de desemprego involuntário, perda de renda por incapacidade física temporária e internação por acidente ou morte acidental, o serviço inclui análise de performance, dados para monitoramento das vendas, um gerente de relacionamento dedicado, campanhas de incentivo, treinamentos e abordagem personalizada.
A ideia é permitir que o cliente expanda seu portfólio de produtos de forma simples. A empresa espera que, até o final de 2025, o novo produto passe a representar 20% do faturamento total.
Desde 2020, a Pitzi vem fazendo crescer seu faturamento na ordem de 50% ao ano, de acordo com a vice-presidente comercial. Isso num mercado que vinha registrando quedas seguidas nas vendas da telefonia móvel desde o início da pandemia. Em 2021, a insurtech faturou cerca de 100 milhões de reais.
Hoje, a Pitzi conta com 163 colaboradores e funciona a partir de um escritório matriz em Osasco, na região metropolitana de São Paulo. Porém, como atende clientes por todo o território nacional, também tem bases estendidas em estados como Rio de Janeiro, Maranhão e Pará, e deve abrir em breve uma outra na região Sul.
Tatiany liderou em 2023 a criação de uma equipe interna para tratar de sustentabilidade e ESG. Além da questão do descarte constante de eletrônicos, inerente à modalidade de atuação da insurtech, a ideia é buscar formas de neutralizar as emissões de carbono feitas pelo uso de energia e também de combustíveis em viagens corporativas.
Uma das primeiras ações foi a conversa com fornecedores, parceiros e assistências técnicas para ampliar um plano de descarte consciente e ecológico que a empresa já vem colocando em prática para todo o resíduo que produz. Hoje, a companhia vem contribuindo com projetos de reflorestamento e energia renovável.
Tatiany admite que o principal desafio da insurtech atualmente passa pela preocupante redução da venda de celulares no Brasil.
“Você vende uma proteção de celular principalmente no momento em que o cliente está comprando um aparelho novo. E temos percebido essa desaceleração no mercado, antes as pessoas trocavam o aparelho com maior frequência. A gente acredita que isso tem muito a ver com a questão socioeconômica do país”
Outro fator importante, segundo a executiva, é o encarecimento dos aparelhos e de seus componentes. Hoje, um iPhone 16, modelo mais recente da marca, pode sair por até 15 499 reais por aqui.
Para Tatiany, portanto, a meta é buscar formas de se reinventar frente a essa realidade e conseguir que o seguro chegue aos clientes em momentos que não apenas na compra do aparelho. Ela defende inclusive que as principais empresas do mercado contribuam entre si, como forma de fazer avançar a busca pelo serviço como um todo no país.
“A gente precisa ter um atendimento rápido e coberturas completas para não ter fricção com os clientes. É importante que todas as empresas nesse mercado estejam com essa visão, porque o cliente que é de uma hoje pode ser o meu amanhã. Se tiver qualquer tipo de problema, vai contaminar todas as pessoas ao redor dele.”
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