Como uma startup potiguar pretende usar inteligência artificial para modular o cérebro e ajudar pessoas a recuperar os movimentos

Marília Marasciulo - 24 abr 2024
A engenheira biomédica e neurocientista Duda Franklin, fundadora da Orby.
Marília Marasciulo - 24 abr 2024
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Usar inteligência artificial para fazer a neuromodulação do cérebro e recuperar funcionalidades perdidas: esse é o objetivo ousado da Orby,Co., deep tech potiguar fundada em 2022 pela engenheira biomédica e neurocientista Duda Franklin, 25, e pela designer Kalynda Gomes, 21. 

Com cerca de 1 milhão de reais captados em editais e investimentos de fundos como o Black Founders Fund, da Google, e parte do Microsoft for Startups Founders Hub, a Orby se prepara atualmente para ir ao mercado com o Ortech, dispositivo para a recuperação de movimentos lançado no fim de 2023. 

Por meio de eletrodos colados na pele, sem necessidade de incisões ou interferência cirúrgica, o Ortech usa estímulos elétricos para fazer a neuromodulação. Segundo Duda:

“O neurônio é a única célula do corpo humano que não regenera, com exceção do olfato e do hipocampo. Eu queria encontrar meios de recuperar essas funcionalidades, ensinar o cérebro por novas vias. Uma delas é a neuroplasticidade. O cérebro pode aprender por outras vias e acabar gerando o mesmo resultado”

O caminho é o inverso de experiências como a da Neuralink, startup de chips cerebrais liderada por Elon Musk, que quer passar informações do cérebro para o computador — em março, a empresa publicou um vídeo em que um paciente tetraplégico controla o cursor de um mouse e joga xadrez em um laptop usando apenas os pensamentos. 

A ideia que move a Orby vai um pouco além da experiência da Neuralink: Duda acredita ser possível estimular o processo de neuroplasticidade do cérebro, regenerando as vias danificadas — uma espécie de fisioterapia high-tech. 

MESMO COM O NEGÓCIO AINDA EM BUSCA DE REGULAMENTAÇÃO, DUDA JÁ SONHA EM TRANSFORMAR A ORBY NUMA BIG TECH

A Orby, segundo Duda, está em processo de regulamentação junto à Anvisa e em negociação com o Hospital de Amor, em Barretos (que teve a empresa como participante do seu ciclo de aceleração de startups), e com o Complexo Hospitalar de Niterói, da Dasa

Mesmo com esse processo em curso, ela afirma que, por enquanto, não tem como precisar uma estimativa para o tempo médio que levaria essa reabilitação neural. 

“A gente não tem uma média, ainda está estudando, tentando entender, porque não é uma tecnologia tão antiga. E a gente ainda não sabe se funciona para todos os quadros clínicos”

A empreendedora afirma estar realizando testes em seres humanos, mas diz que ainda não pode divulgar números para não invalidar o critério de ineditismo e perder uma possível publicação em periódico científico. 

O plano inicial, segundo ela, é que o aparelho seja alugado por 35 mil reais e utilizado em UTIs para tratar imobilismo e modular a dor, sem limite de sessões e em até dez leitos.

Mesmo com o negócio ainda em estágio incipiente e apesar da concorrência de um bilionário como Elon Musk, Duda não esconde a ambição para a sua startup. 

“Daqui a dez anos acredito que a Orby vá ser uma empresa grande. Espero que a gente tenha conseguido emular boa parte do sistema de controle do cérebro, expandido para outras funcionalidades, avançado cada vez mais nessa área de neuro IAs” 

A cientista (que figurou, no ano passado, na lista Forbes Under 30) reforça a confiança no futuro da empresa:

“Estruturamos a Orby não para virar um unicórnio, mas para virar um marco no mercado, a próxima Google, a próxima Apple. Da vertente dela, claro.” 

DURANTE O MESTRADO, ELA ENTENDEU ESTAR DIANTE DE UM PROBLEMA NÃO DE NEUROCIÊNCIA, E SIM DE MATEMÁTICA

Nascida e criada em Natal, Duda trocou a carreira acadêmica pelo empreendedorismo. 

Com formação técnica em informática pela Escola Agrícola de Jundiaí da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), graduações em Ciência e Tecnologia e em Engenharia Biomédica pela UFRN, mestrado profissional em Ciência, Tecnologia e Inovação pela UFRN e mestrado em Neuroengenharia pelo Instituto Santos Dumont (ISD), foi também pesquisadora do Laboratório de Inovação Tecnológica em Saúde da UFRN. 

“Sempre fui apaixonada pela ciência e falava para as pessoas que eu ia ser cientista. Quando eu era criança, nas feiras de ciências, enquanto as outras crianças faziam fazendas, eu lembro de fazer protótipo de tomógrafo”, conta. E continua:

“Quando comecei a estudar sobre sistema nervoso na escola, aquilo me atraiu muito. O cérebro é mistério, tem muito poder para ser manipulado e muita coisa que a gente não sabe sobre ele”

No fim de 2017, durante a primeira graduação, Duda voltou aos estudos para a neuromodulação. Mas foi só em 2020, enquanto cursava a segunda graduação e o primeiro mestrado ao mesmo tempo, que ela teve seu momento eureka. 

“Eu e meu orientador, o doutor André Dantas [atualmente desenvolvedor senior full stack na Orby], começamos a ter um feeling de que era algo matemático.” 

A tese era a seguinte: se para uma pessoa andar ou falar é preciso ter o estímulo certo, na hora certa, na área certa e da forma certa, então era necessário um grau de generalização e precisão muito alto — algo que teria mais a ver com equações matemáticas do que apenas neurociência.

“Mais que isso, fazer essa comunicação, criar esse dicionário com uma linguagem para falar com o sistema nervoso, é um problema para a IA. A gente precisa emular o sistema de controle do cérebro fora do corpo humano”

Aquela sacada seria a semente da Orby. 

AO DECIDIR EMPREENDER, DUDA SE DEU CONTA DE QUE PRECISARIA DE AJUDA COM A USABILIDADE DO PRODUTO

Apesar do amor declarado pela ciência, Duda afirma ter se frustrado com o modelo científico tradicional. 

Esse desconforto a impulsionou na direção do empreendedorismo:

As sócias Kalynda Gomes (à esq.) e Duda Franklin.

“Não gosto de finalizar na publicação científica, que é feita para cientistas. Eu queria levar isso [resultados das pesquisas] para as pessoas. Porque, na verdade, quem precisa disso não é a Nature [revista científica mais renomada do mundo], quem precisa disso é o cara que está no hospital. Então decidi abrir uma empresa.”

Duda, logo entendeu que não conseguiria fazer isso sozinha e elegeu a usabilidade do produto como prioridade número um. 

“Eu sabia que para o produto vender, ele precisa ter uma boa usabilidade. Pode ser a solução mais tecnológica do mundo, a melhor ideia do universo, mas se não for usável, é encostada” 

A missão ficou a cargo da cofundadora Kalynda Gomes. “Conheço a Kalynda desde pequena, é alguém que admiro, e ela trouxe essa visão de posicionar a Orby como uma empresa que já nasce para ser grande”, diz Duda. 

É que, na visão de Duda, a Orby é mais que somente um produto, é uma tecnologia base. 

“Se a Orby for operacionalizada direito, ela cria uma estrutura base, uma tecnologia como a OpenAI fez com a IA generativa, como a Apple fez com os computadores, como a Google fez com os buscadores”

O processo, segundo ela, é longo e penoso. “Criar uma base não é fácil, não é como se eu estivesse fritando pastel”, diz Duda. “Fritar o pastel dura 5 minutos, recuperar uma funcionalidade para fazer alguém andar é muito tempo de pesquisa.”

EMPREENDEDORA DE TECNOLOGIA, ELA SE DIZ VÍTIMA DE PRECONCEITO POR SER MULHER

Atualmente, a startup conta com uma equipe de sete pessoas, mais quatro mentores. 

Além das dificuldades de conciliar a pesquisa com a operação da Orby, Duda afirma enfrentar preconceito, principalmente por ser mulher. 

“É uma maratona com barras [obstáculos] — e eu não comecei na largada. A gente tem dentro da ciência um sistema que é estruturado e enraizado de olhar para a mulher e achar que ela não é capaz de fazer uma determinada pesquisa. Na computação piora — e na neurociência piora mais ainda” 

No empreendedorismo, a situação não é muito diferente, segundo a CEO. 

“Quando você vê mulheres liderando, ainda tem essa sensação de que você precisa se provar muito até ter credibilidade, até entender que a mulher pode estar nessa função de liderar, de fazer um bom trabalho.”

ALÉM DE REGULAMENTAR A SOLUÇÃO, A ORBY TEM OS DESAFIOS DE CAPTAR MAIS INVESTIMENTOS E INTERNACIONALIZAR A EMPRESA

Outro desafio é o mercado de capital de risco no Brasil que, na opinião de Duda, não tem maturidade na vertical deep tech.

Ainda que o país ocupe o segundo lugar na América Latina em desenvolvimento desse tipo de tecnologia e, das 101 startups emergentes, 37 sejam avaliadas em mais de 10 milhões de dólares, segundo o estudo Deep Tech: The New Wave, publicado em 2023 pelo laboratório do Banco Interamericano de Desenvolvimento. 

“São poucas VCs brasileiras investindo em deep tech, principalmente em ciência. Para uma deep tech, ir para os Estados Unidos ou para outros pontos do mundo que têm essa mesma visão, como os asiáticos, por exemplo, é o que garante que a empresa vai sobreviver”

Com isso em mente, ela traça o seguinte plano para a Orby: conseguir a regulamentação para comercializar o aparelho no Brasil; levar a empresa para os Estados Unidos; continuar as pesquisas para lançar novos produtos; captar 3 milhões de reais em uma nova rodada; e tornar a Orby mais conhecida. 

“Meu sonho é que ela seja a principal empresa no setor de neurotecnologia”, diz Duda. “Espero que no futuro a gente consiga emular boa parte do sistema de controle do cérebro e ir para outras funcionalidades.”

DRAFT CARD

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  • Projeto: Orby, Co.
  • O que faz: Tecnologia de neuromodulação usando inteligência artificial
  • Sócio(s): Duda Franklin e Kalynda Gomes
  • Funcionários: 7
  • Sede: Natal
  • Início das atividades: 2022
  • Investimento inicial: R$ 850 mil
  • Contato: [email protected]
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