“Pedi demissão para correr uma maratona por dia, durante um ano, e assim encontrar meu propósito e inspirar outras pessoas”

Hugo Farias - 8 dez 2023
Hugo Farias, criador do Projeto Propósito (foto:Clayton Damasceno/ Dókimos Producões).
Hugo Farias - 8 dez 2023
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Durante metade da minha vida, trabalhei na área de tecnologia. Não sei se foi a crise da meia idade ou a pandemia, mas, no final de 2021, comecei a refletir sobre como estava usando o meu tempo, o que eu havia construído até então.

E me questionei se o propósito da minha existência era dedicar décadas da minha vida à atividade profissional que eu exercia. Internamente, foi difícil aceitar que estava insatisfeito com a minha jornada pessoal.

Afinal, conquistei um emprego estável, um bom salário, uma casa, constituí uma família. No entanto, nada disso me impedia de sentir que faltava alguma coisa.

Depois de muito refletir, aceitei que eu queria mudar de rota e inspirar outras pessoas a viver os seus propósitos de vida. Mas como?

Surgiu a ideia de correr uma maratona por dia durante um ano. Pesquisei e descobri que um belga correu 365 maratonas consecutivas entre 2010 e 2011. Convencido de que era possível, decidi correr 366.

NUNCA FUI ATLETA, MAS SEMPRE ESTIVE LIGADO AO ESPORTE E TINHA O PRINCIPAL: DETERMINAÇÃO E DISCIPLINA

Eu nunca fui um cara talentoso, mas sempre fui disciplinado. Sabia que conseguiria atingir meu objetivo se seguisse um plano.

Comecei a estruturar o projeto em janeiro de 2022. Quatro meses depois, pedi demissão da IBM/Kyndryl, onde trabalhei por 18 anos. Concluí o aviso prévio em 18 de maio e, a partir daí, me dediquei integralmente ao Projeto Propósito

As pessoas sempre questionam se eu já era um atleta. Nunca fui atleta profissional, mas tenho um histórico que começou na infância.

Comecei a fazer natação aos 8 anos, depois joguei basquete dos 10 aos 18 anos, então passei a fazer atividade física esporadicamente.

Somente em 2012, retomei a prática regular de exercícios ao aprender a jogar tênis. Sete anos depois, em 2019, adentrei o universo da corrida e completei minha primeira maratona. Logo em seguida, migrei para o triatlo.

O fato é que eu tinha um volume razoável de atividade física antes de embarcar nesse projeto, mas, até então, só havia corrido uma maratona oficial.

BUSQUEI UMA EQUIPE MULTIDISCIPLINAR E CONVIDEI O INCOR PARA ME ACOMPANHAR NESTA JORNADA

Por isso, era essencial montar uma equipe multidisciplinar formada por médicos e profissionais do esporte para me acompanhar porque eu sabia que sozinho não conseguiria.

Durante a fase de estruturação, me questionei se esse desafio poderia contribuir com a ciência. Procurei o Instituto do Coração (InCor), apresentei a minha ideia e os convidei para me acompanhar durante todo o projeto.

Hugo durante monitoramento da equipe médica.

Eles concordaram com a minha “loucura”, assinamos um contrato e foi aprovado o protocolo de pesquisa pelo Comitê de Ética.

A fase de preparação foi intensa. Fiz outras maratonas como parte do treinamento e aumentei o volume de atividade física.

Treinava fortalecimento de duas a três vezes por semana, para fortalecer a musculatura e proteger as articulações, e corrida todos os dias, aumentando o volume gradativamente. Cheguei a correr 200 quilômetros por semana em algumas semanas

Outro ponto fundamental para o sucesso do Projeto Propósito foi o acompanhamento psicológico regular para manter a calma e o foco em soluções.

NO DIA EM QUE IA COMEÇAR O PROJETO, PERDI MEU PAI E PRECISEI AJUSTAR MEUS PLANOS

Depois de três meses intensos de preparação, eu estava pronto para começar. O plano era correr a maratona número 1 na data de 21 de agosto, porém, quatro dias antes da primeira largada, meu pai faleceu.

Ele passava por um processo de tratamento contra um câncer que já estava em estágio avançado. Lutou durante um ano, ficou muito mal nos últimos dois meses, até que não suportou mais.

Eu viajava com frequência para Brasília, onde ele vivia com minha mãe e meus irmãos, para vê-lo. Quando estava bem, nós caminhávamos juntos.

Militar, sempre teve uma vida muito ativa, fazia atividades físicas, caminhava com regularidade. Ele sabia do projeto e, assim como minha mãe, ficou preocupado, mas me apoiou.

Senti bastante a sua perda, assim como minha família, e posterguei o projeto por uma semana. No entanto, sabia que se adiasse mais, poderia acabar desistindo

Então precisei enfrentar a situação e seguir. O Projeto Propósito teve início em 28 de agosto de 2022, em Americana, cidade do interior de São Paulo onde vivo desde 2012.

NO MEIO DO CAMINHO, PRECISEI LIDAR COM A DOR INSUPORTÁVEL DE UMA PUBALGIA

Estabeleci uma rotina: acordava entre 4h30 e 5h30 da manhã, dependendo do período do ano. No verão, acordava mais cedo para correr em um período mais fresco, e aproveitava o inverno para dormir um pouco mais e ajudar o meu corpo a se recuperar.

Seguindo as orientações da nutricionista, fazia quatro refeições ao dia, ingerindo cerca de 6 000 calorias diárias. Após as maratonas, entrava em uma banheira de gelo para aliviar a musculatura da perna

À tarde, cumpria meus compromissos com a minha esposa e filhos ou compromissos do projeto com fisioterapeuta, nutricionista, psicóloga, e com potenciais apoiadores.

Registro de uma das maratonas oficiais da qual Hugo participou (foto: Clayton Damasceno/Dókimos Produções).

Ia dormir entre 22h e 23h porque precisava de, no mínimo, seis horas de sono para me recuperar das dores e estar pronto para a maratona seguinte.

Tudo corria muito bem, até que enfrentei o momento mais crítico do projeto. No início de 2023, eu e minha esposa decidimos aproveitar que as crianças estavam de férias para viajar para Ubatuba, no litoral de São Paulo.

No dia 8 de janeiro de 2023, na maratona 134, corri os 42 quilômetros na areia da praia e precisei pular alguns canais que desaguam no mar. Terminei essa maratona sentindo uma leve dor na virilha direita, porém, como estava acostumado a sentir dores, ignorei.

Nove dias depois, acordei com uma dor insuportável. Acionei a equipe multidisciplinar e foi constatado que eu tinha uma pubalgia, uma lesão na região do púbis que causa uma dor intensa

A provável causa foi a sobrecarga de peso decorrente dos dias que corri na areia. As fortes dores atingiram a virilha e a perna direita.

Impossibilitado de correr, com o aval da equipe médica, caminhei durante cinco dias. Nesse período, as quatro horas que geralmente levava para concluir o trajeto de 42 km se transformaram em 10 horas.

Em nenhum momento pensei em desistir, mas tive que manter o foco no objetivo principal para suportar as dores. Passados os cinco dias, comecei a intercalar com corrida, até que voltei ao meu ritmo normal. A pubalgia tem um processo lento de cura, então, ainda convivo com ela.

APESAR DOS DESAFIOS, INCLUSIVE FINANCEIROS, CONSEGUI IMPACTAR UM NÚMERO INCRÍVEL DE PESSOAS

Outro desafio que enfrentei foi o de arcar com os custos do projeto. Descobri que é muito difícil conseguir patrocínio ao atleta por mais que você faça algo incrível, principalmente quando você não possui um currículo esportivo.

Quando percebi que ir atrás de patrocínio consumiria muita energia, preferi me dedicar ao projeto e concluir o desafio.

Foi o investimento inicial na minha marca, em meu novo empreendimento, no caminho que quero para minha vida daqui para frente.

Apesar dos desafios físicos, emocionais e financeiros, a sensação de conquista, de dever cumprido e de impactar positivamente milhares de pessoas me preenche de satisfação.

Ao longo do projeto (o trajeto que percorri pode ser conferido aqui), apareci em mídias que jamais poderia imaginar, com grande repercussão regional e nacional.

Mais de 300 pessoas correram uma maratona completa comigo, sendo que boa parte tomou a iniciativa de correr pela primeira vez

Com o apoio do Instituto Esportivo Social, realizei eventos celebrativos nas maratonas 100, 250 e 365, que somaram mais de 3 mil pessoas.

No evento da maratona 365, em 27 de agosto, soube que a Câmara dos Vereadores de Americana votaria e o prefeito sancionaria a Lei Projeto Hugo Farias de incentivo ao esporte. A Lei foi aprovada e, agora, o projeto faz parte do calendário oficial da cidade.

Em 28 de agosto, completei a 366ª maratona, totalizando 15 443 quilômetro corridos.

DAQUI PARA FRENTE, QUERO ME LANÇAR EM PROJETOS AINDA MAIS DESAFIADORES NO MUNDO DO ESPORTE

De acordo com minhas pesquisas, sou a pessoa nas Américas com o maior número de maratonas consecutivas. A equipe do Guinness World Records recebeu todas as evidências e informações que coletei ao longo do projeto e deve emitir um parecer em alguns meses.

Recebo com frequência mensagens de pessoas que acompanhavam presencialmente ou pelas redes sociais as minhas maratonas.

Para essas pessoas adianto: continuarei no mundo do esporte e pretendo me lançar em projetos igualmente ou até mais desafiadores.

Até lá, vou manter a proximidade com as pessoas por meio do meu livro, cujo lançamento está previsto para fevereiro de 2024, e por meio de palestras, universo no qual me iniciei neste semestre.

Quero falar com as pessoas sobre disciplina, foco, determinação, superação, resiliência, consistência, compromisso, autoconhecimento, protagonismo, confiar em si mesmo e senso de propósito.

Porque esse é o meu propósito de vida.

 

Hugo Farias, 44, é formado em Tecnologia. Atuou por 22 anos no mundo corporativo. Como executivo, gerenciou crises e grandes contratos na IBM ao longo de 18 anos. É pai, marido, empreendedor, amante de esportes e idealizador do Projeto Propósito.

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