Pethra Ferraz, VP de marketing do Mercado Pago: “O que me move é estar muito perto do negócio. Perto do impacto que a gente gera”

Marina Audi - 15 jun 2023
Pethra Ferraz, vice-presidente de marketing do Mercado Pago na América Latina.
Marina Audi - 15 jun 2023
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A carioca Pethra Ferraz, 44, formou-se como profissional de marketing na indústria de bens de consumo. 

Passou por Ambev (onde trabalhou com as marcas Brahma e Skol), Whirlpool (Brastemp, Consul e KitchenAid) e BRF (Perdigão). Até que, em 2019, se deu conta de que precisava de uma mudança de setor.

Pethra, então, foi trabalhar com serviços e assumiu a diretoria de marketing da XP Inc. Ali, “desaprendeu”. Ou melhor: aprendeu que o desenvolvimento de produtos pode ser ágil, flexível e receber feedback em tempo real. Algo que a indústria ainda não consegue fazer com maestria, salvo raras exceções.

Com essa expertise dupla, Pethra se credenciou para dar um passo além. Em janeiro de 2022, assumiu o seu posto atual, na vice-presidência de Marketing Latam no Mercado Pago. Com 44,5 milhões de usuários na América Latina (e um portfólio de produtos de benefícios, crédito, investimentos e seguros), o banco digital do Grupo Mercado Livre deverá receber, neste ano, um aumento de 40% em seu investimento em marketing no Brasil.

Dentro de uma estrutura matricial, trabalhando remotamente com uma equipe de cerca de 100 pessoas – sendo 90% delas fora do país –, Pethra foi responsável por liderar a estratégia do novo posicionamento de marca de Mercado Pago. 

Atualmente, o banco digital representa, no Brasil, 43% da receita do grupo. No primeiro trimestre de 2023, o volume total de pagamentos feitos pelo Mercado Pago na região (incluindo também Argentina, Chile, Colômbia, México, Peru e Uruguai) foi de 37 bilhões de dólares – um aumento de 96,1% em moeda constante; o número de transações (TPN, na sigla em inglês) foi de 1,8 bilhão de pagamentos. 

Depois de uma hora de conversa com o Draft, após ter contado sobre sua chegada ao gigante ecossistema argentino e comparado todas as suas experiências na carreira, a VP se deu conta de que queria contar algo especial: 

“A maternidade foi pra mim o maior aprendizado de vida e eu o levo para o mundo corporativo. O que uma mãe espera de um filho é que se desenvolva, cresça e consiga ter nela uma referência e um apoio para seguir crescendo; uma companhia nada mais é que um monte de gente junta, que precisa de ajuda na coordenação e integração” 

Com a palavra, Pethra Ferraz:

 

Você é formada em Engenharia Química, porém trabalha há mais de 20 anos com marketing. Como explica esse distanciamento da área que estudou?
Depois de tantos anos, aprendi que a engenharia está em tudo que é lugar. Vemos engenheiros espalhados, é um movimento que acontece.

Falando especificamente da minha decisão, como qualquer adolescente de 17 anos que tem de fazer uma escolha superimportante… eu adorava matemática e química. Pra mim, naquele momento, pareceu muito óbvio que eu deveria escolher engenharia química. 

Entrei na faculdade e diria que foi uma ótima escolha. Eu, definitivamente, faria de novo. Me identifiquei muito com a graduação, com as disciplinas, com o modelo mental, com o raciocínio. Considero que tenho uma cabeça de engenheira.

Acho que foi uma super formação, a engenharia constrói uma lógica de raciocínio, pragmatismo, olhar as coisas do ponto de vista de solução de problemas efetivamente.

Eu fiz faculdade federal e, na época, existia um programa chamado iniciação científica. Fiz dois projetos, ficava no laboratório – aquela coisa meio de filme – e eu não me via trabalhando ali pro resto da minha vida. 

Minha primeira experiência com marketing foi na empresa júnior da faculdade. Ali fazíamos consultoria para pequenas empresas. Fiz vários projetos de pesquisa, consultoria de estratégia de marca… fui aprendendo 

Quando comecei a estagiar – você não escolhia para onde ia –, entrei na área de pesquisa de mercado, imagino que pelo meu background na empresa júnior. Percebi que essa carreira não seria meu forte. 

Pesquisa de mercado é muito bom, tem uma postura mais consultiva de trazer informação, mas você tem menos hands on, menos execução. Você é menos dono do que efetivamente propõe. E aí eu já pedi pra passar para marketing.

No programa de trainee da Ambev, a gente também entra sem alocação específica.  Lá passei por algumas áreas e fiz carreira também em marketing.

Marketing é muito diferente de empresa pra empresa. Às vezes, faz-se uma associação que marketing é igual a publicidade. Só que, na verdade, marketing é a estratégia de preço, canais de venda, posicionamento de marca. Digo que é o olhar para o exterior, para o que acontece no mercado e traduzir isso em estratégias e num plano de ação pra empresa

Quando se pensa em comunicação e publicidade, existe uma distância maior da engenharia, mas eu diria que marketing tem bastante de ciência e de arte. Esse equilíbrio entre elas é o que eu mais gosto hoje. 

Uso muito do pensamento analítico, mais racional e, ao mesmo tempo, componho com o entendimento do consumidor, do comportamento e comunicação. Esse equilíbrio me deixa feliz por conseguir abordar diversas disciplinas.

Em 2019, você saiu da indústria de alimentos – estava na BRF – para trabalhar no mercado financeiro, na XP Inc. E desde janeiro de 2022, está no Mercado Pago, um banco digital. Como foi essa transição de setores?
Esse foi meu momento maior de decisão de carreira. Eu vinha de uma história de indústria de bens de consumo – quer fosse cerveja, geladeira ou presunto – e assim como aconteceu com inúmeros profissionais de marketing, eu via os segmentos de varejo, serviço e tecnologia se desenvolvendo e criando, inclusive, novas disciplinas de marketing – o famoso CRM, aquisição, growth.  

Mesmo na comunicação e publicidade, a gente evoluía e pensava em como ser mais granular e ter respostas muito mais imediatas sobre tudo que se fazia. Essa era a minha principal fonte de angústia na minha experiência anterior [na indústria]. 

A gente planeja, pesquisa, executa, desenvolve o produto – seja a geladeira, o presunto ou a cerveja –, lança, negocia com varejo, faz o sell in [processo de venda do fabricante para o varejista ou distribuidor], acompanha o sell out [comercialização direta aos clientes finais, pelos varejistas], mas não tem a resposta tão em tempo real do seu usuário. 

Eu busquei, nessa transição de carreira para área de serviços, estar neste novo mundo, onde eu conseguiria aprender e me desenvolver em muitas novas disciplinas de marketing. Deixei muito claro quais seriam as categorias de empresa em que gostaria de trabalhar: serviços, varejo ou tecnologia 

Quando surgiu a oportunidade da XP inc., pra mim foi excepcional, porque era uma empresa pré-IPO, na qual o marketing ainda não estava estruturado. A empresa tinha feito aquisições de outras duas marcas e não tinha uma arquitetura de marcas definida ainda. Então, tinha muito a ser construído. 

Para eles, fazia sentido ter uma profissional como eu, com experiência de mercado e de gestão de marca brasileira, que tivesse autonomia no Brasil. E ter passado por Ambev e BRF fazia muito sentido. 

Uma terceira coincidência positiva era que eles desejavam alguém com experiência com multimarca – e todas as empresas em que eu tinha trabalhado eram. Foi um alinhamento de objetivos tanto do que eu buscava quanto do que eles queriam. 

No meio de 2019, assumi o marketing da XP com esse desafio de estruturar três marcas, montar e desenvolver uma equipe – contratei muita gente. O primeiro grande marco ali foi o IPO [em dezembro daquele ano], que aconteceu quatro meses depois de eu ter chegado 

Pra mim, esse foi um movimento muito planejado, consciente, para aprender e de fato estar exposta a novos conhecimentos e experiências.

A XP é uma empresa que usa muita tecnologia e disruptou o mercado quando surgiu com um modelo de negócio de corretagem de ações via agentes autônomos; depois, se consolidou com a proposta de plataforma de investimentos. Em termos de marketing, o que você agregou quando foi para o setor de serviços para atender o público de alta renda?
A XP é pra um público alta renda; já a Rico Investimentos tem um público alvo A-B; e a Clear Corretora é a marca do trader só para operação de renda variável, totalmente self-service, é 100% penetrada em todas as classes sociais, em todas as idades, porque vai pela atitude final do trader. Eu liderava essas três marcas. 

Eu diria que a primeira contribuição, ao aportar o meu histórico e experiências anteriores, foi olhar para esse ecossistema de três marcas e públicos-alvos diferentes, e garantir que tínhamos um posicionamento e estratégia claros.

Esse talvez tenha sido um projeto mais de posicionamento e branding desde o início. Naquele momento, também revisávamos a proposta de valor de cada um desses negócios. A XP tem como origem a parte de investimento, mas enquanto eu estava lá, fizemos o rollout de uma proposta de valor muito mais ampla – conta digital, cartão de crédito, seguros, crédito em geral.

Dentro desse projeto de branding, trouxemos a recomendação de tirar a palavra “investimentos” da logomarca e deixar de se chamar XP Investimentos. Eu tinha cerca de sete meses de empresa… deu aquele frio na barriga de propor para o fundador mudar a marca

A XP foi uma escola, onde aprendi a trabalhar de forma mais ágil e flexível, em uma cultura de “aprender enquanto se faz”. Esse apetite ao risco e à aceitação do erro foi super positivo.

Talvez a mudança no nome tenha sido um exemplo emblemático de como – em uma organização mais tradicional, estruturada e processual – essa decisão não seria tão fácil e nem tão rápida. 

Do meu lado, houve um aporte muito significativo de uma nova forma de trabalhar: muito mais descentralizada, flexível e ágil – isso como cultura de trabalho – e tecnicamente pra mim foi uma escola de entender e conhecer o mercado financeiro como um todo, e também de ferramentas que, na indústria, a gente não tem oportunidade de aprender – Growth, CRM, performance online, geração de engajamento de clientes.

Em serviço, toda a geração de negócio está em marketing. Diferente da indústria, onde se faz uma oferta e negociação com algum varejista, nas empresas de serviço e tecnologia, na maioria das vezes todo o crescimento da companhia, em termos de novos usuários, está no marketing

Teve aprendizado técnico de marketing, teve aprendizado cultural de uma nova forma de trabalhar e teve, do meu lado, a contribuição para a empresa de expertise de marketing, de gestão de marca e de relacionamento com o negócio. Porque muito do que eu construí foi não só por trazer essas estratégias, mas por estar próxima da equipe de negócio para gerar resultado com tudo que a gente fizesse.

Já o Mercado Pago nasceu como fintech para atender dois públicos – vendedores e compradores de todos os tamanhos. Ele já nasceu com essa agilidade que você aprendeu na XP Inc. Que diferenças você sentiu entre as operações nesse sentido?
Aqui, nosso mindset e cultura é de agilidade e flexibilidade. O que eu encontrei no Mercado Livre-Mercado Pago foi uma empresa já muito maior em tamanho, sob o ponto de vista de presença em vários países e também de quantidade de pessoas. Aqui, já temos estruturas matriciais entre regional e local, disciplinas de marketing mais especializadas e dois negócios. 

Apesar de na XP haver três marcas – uma com foco em renda variável, outra para um público mais alta renda e a terceira para traders –, ainda era um core business de mercado financeiro. 

Aqui, temos Mercado Livre, que é um e-commerce, e Mercado Pago, um banco digital. Dois negócios completamente diferentes. Minha chegada demandou entender todo esse ecossistema que é extremamente complexo – temos a parte de retail ads, programa de relacionamento.

Realmente é uma empresa muito maior e ainda muito flexível e ágil – o que a gente quer manter – em uma estrutura mais complexa que demanda muito trabalho em rede, conexão com pessoas e articulação interna do que na XP, onde absolutamente todo mundo estava no mesmo prédio: ao andar de elevador, você falava com a empresa inteira. Então, é outra realidade

Eu estou no Brasil, numa posição corporativa, baseada em São Paulo – sou uma das poucas brasileiras nessa situação – e 90% da minha equipe está fora. Então, o desafio é  conhecer pessoas, conectar com pessoas remotamente, sendo brasileira numa empresa multicultural. Claramente, tem uma maioria de pessoas argentinas, mas tenho equipe no Peru, Chile e México. 

Está sendo um incrível aprendizado. É impressionante o quanto a gente também aprende sobre cultura, pessoas, cenário competitivo e sobre como trabalhar dentro dessa empresa que já é enorme, sem perder agilidade. 

Durante pelo menos três décadas, a globalização fez com que áreas de marketing da América Latina fossem tocadas em países de língua espanhola como Argentina e México. Hoje, você é uma brasileira que comanda o marketing do Mercado Pago desses países. Há dificuldades culturais significativas? Como você lida com elas?
Uma das coisas que você aperfeiçoa ao longo da carreira – e que eu tentei sempre preservar e evoluir – é a forma como eu me conecto e interajo com as pessoas; como garantir que está todo mundo num ambiente de confiança para conseguir dar o seu máximo. 

A gente não tem boas relações, nem o potencial de cada um aflorado e aproveitado, se não está num ambiente de confiança e de trabalho colaborativo. Essa talvez seja minha principal missão – e o meu mantra diário – desde que cheguei aqui 

Passei semanas na Argentina para conhecer as pessoas, a cultura, respeitar e ouvir muito. Fiz a mesma coisa no México e no Chile. Acho que a minha escuta ativa, a vontade de integrar e de trazer as pessoas pra dentro de um círculo de confiança me ajudou nesse início – mas somos culturalmente muito diferentes.

Costumo dizer que foi a primeira vez que dei feedback, em português, para um mexicano, porque ainda não falo perfeitamente espanhol (risada).

Mercado Livre como um todo – isso não foi com a minha chegada – já tem uma presença em vários países: México tem uma equipe grande tanto em Mercado Livre quanto Mercado Pago; Brasil já é uma operação enorme, temos pessoas regionais. Em marketing, especificamente, Mercado Pago não tem. Mas a gente já tem, por exemplo, bastante brasileiro na área de tecnologia e de produto com esse chapéu regional.

Pra você entender como tratamos essas diferenças culturais, dizemos que cada um fala a sua língua. E o outro, na medida do possível, com as experiências e interlocuções, aprende a entender o outro. Então, o brasileiro fala português, o argentino fala espanhol, o chileno fala espanhol chileno – que às vezes, os argentinos não entendem (risada) – e cada um vai respeitando e encontrando seu espaço.

No pós-pandemia, aprendemos a trabalhar assim. A distância se encurta a partir do momento que assumimos um modelo híbrido de trabalho 

Eu diria que isso me facilitou muito, porque se estivesse todo mundo presencialmente no escritório, todos os dias, e só eu trabalhando pelo computador, definitivamente teria um risco muito grande de não ser bem sucedida.

Em termos de marketing, branding e comunicação, que cenário você encontrou no Mercado Pago ao chegar? Era uma área tão madura quanto as que você tinha trabalhado anteriormente?
Era muito madura do ponto de vista de estrutura, equipe, um cenário bem diferente e mais consolidado em comparação ao que peguei ao chegar na XP Inc.

A diferença é que Mercado Pago, apesar de ter 20 anos de operação no país, passou nos últimos quatro anos por uma cadência de lançamento de produtos muito acelerada – mais de 50 [desde a Licença de Instituição de Pagamentos, em novembro de 2018]. Foi quando, definitivamente, deixamos de ser um meio de pagamento e passamos a ser um banco digital. 

Por isso houve um rebranding, que não veio só como uma afirmação de publicidade ou de comunicação. Ele efetivamente reflete o que hoje é a nossa proposta de valor, nossa oferta de produto e serviço para o usuário, que foi construída ao longo desses anos.

Essa mudança de estratégia de negócio e marca é para trazer essa clareza e contar de forma muito direta, para todos os nossos usuários, sobre nossa oferta de produtos e serviços. Para que alguém que ainda não nos conheça saiba o que esperar do Mercado Pago. 

Essa foi a mudança de estratégia que tivemos em abril do ano passado. Foi um primeiro grande marco para oficializar essa nossa posição. Um segundo grande marco aconteceu no início de 2023, quando a gente se posiciona como parte do ecossistema Mercado Livre. 

Apesar de existirmos há muitos anos, ainda temos um desafio grande de awareness de marca, de construção. A categoria financeira é muito competitiva e concorrida em todos os mercados 

Muito do movimento deste ano é conseguir contar pras pessoas que, sim, somos um banco digital e fazemos parte de um grupo enorme na América Latina, que traz todo respaldo, segurança e confiança de que é uma operação com a qual você pode contar e se apoiar para fazer toda a gestão das suas finanças. 

E vem junto com uma plataforma de benefícios para o usuário ecossistêmico. Hoje, o nosso cartão de crédito é o único que vende em 18 vezes sem juros no Mercado Livre. Nosso programa de relacionamento soma pontos nas duas plataformas. 

Não é só contar para as pessoas que a gente é um banco digital que está com o Mercado Livre, mas [sim] que, juntos, temos uma oferta de benefícios competitiva e que faz bastante sentido para o nosso usuário também.

Você falou em uma enxurrada de lançamentos de produtos no Mercado Pago. Como compara esse tipo de desenvolvimento com o lançamento de um produto na indústria?
É completamente diferente… Na indústria, um processo padrão na minha época – já tem cinco anos que eu saí, mas não deve ter mudado tanto –, sempre se faz o mapeamento de oportunidade, colhe insights de consumidor; naturalmente, num primeiro momento é um teste de conceito, de ideias. A gente valida algumas ideias e desenha protótipos de produto. 

Usando um exemplo de BRF, se eu quero ter um presunto com mais presença de carne e menos sal, como a gente se posiciona dentro [do conceito] de saudabilidade? Aí, desenvolvo variantes e vou pro consumidor testar

Aí entra o momento de CPT, concept product test, que é testar o produto em si. Testa-se; define-se o produto aprovado – seja uma cerveja ou o design de uma geladeira; e começa todo o desenvolvimento industrial, que toma bastante tempo. 

Normalmente, os desenvolvimentos industriais e lançamentos são apresentados em grandes eventos comerciais, em convenção de vendas ou em pitches com o varejo, para toda a rede. Daí começavam todas as negociações de preço e distribuição. Esse processo levava, no mínimo, um ano e meio – quando era rápido.

Aqui, eu diria que a gente tem uma capacidade de inovar muito, muito mais rápida. E mais do que só velocidade – a depender do produto é coisa de meses –, a nossa capacidade de testar e ir “inteirando” os produtos [também é muito maior]. “Inteirar” é: fazer, aprender um pouco, ajustar, fazer um pouco mais etc. 

A gente faz muito lançamento, por exemplo, num círculo de funcionários, que dura um mês. Depois, expande para o que chamamos de amigos e família; inteira mais um pouco; pega feedback com dashboard online, onde as pessoas dão inputs em real time do que estão achando. A gente vai lá, corrige coisas, melhora outras e rapidamente, você faz o rollout daquele piloto em que trabalhava num ambiente muito mais controlado.

Eu diria que a gente tem muito menos chance de errar grande, porque vamos errando todo dia um pouquinho, em ambientes controlados, e ajusta. No momento do rollout, dificilmente temos um risco tão grande quanto, por exemplo, lançar um grande produto depois de um ano e meio na indústria.

Mesmo a lógica de pesquisa e o processo de testes de validações é muito diferente. A gente trabalha muito com testes de usabilidade, pesquisas com base de usuários, feedbacks em tempo real. 

É um mindset completamente diferente, uma forma de fazer completamente diferente… e a indústria tem bastante a aprender em como ganhar essa agilidade e ter a flexibilidade ao testar, aprender, errar e fazer de novo. 

Na indústria, o apetite ao risco e ao erro é menor, porque todo o investimento e desenvolvimento industrial vem antes do lançamento oficial, então é preciso ter muitas provas de que aquilo vai funcionar para conseguir fazer o investimento

São universos bem diferentes. Ambos divertidos, mas muito diferentes. 

Com qual tipo de desenvolvimento você mais se identifica?
Hoje, depois de ter vivido os dois cenários, eu me vejo mais nesse ambiente dinâmico, no qual a gente tem uma capacidade de aprender, corrigir e fazer coisas novas de forma muito mais fácil e rápida. E que bom que as duas últimas empresas por que passei eram culturalmente assim. 

Você pode ter isso do ponto de vista de ferramenta de alcance, em que os seus clientes estão com você. Mas se a empresa não tem uma cultura que, de fato, acredita que essas interações e testes nos levam a um produto final melhor e onde o erro é aceitável – não adianta a empresa achar que é possível ser feito e as pessoas não se sentirem incentivadas a isso. 

No meu caso, as empresas incentivam as pessoas e realmente acreditam que esse risco e aprendizado fazem parte do processo para chegar num produto final melhor. Passa por um traço cultural de assumir esse risco e, ao mesmo tempo, estar numa indústria ou empresa de serviço onde isso é possível de ser implementado 

Eu me vejo muito feliz convivendo com esse dinamismo e com essa agilidade sabendo que eu estou num ambiente cultural onde isso é incentivado e permitido. 

Voltando um pouco… em 2007, você foi para a Whirlpool, uma indústria cujo histórico é trabalhar bem suas marcas e aproximá-las ao máximo do consumidor, vide o awareness de Brastemp e Consul. Esse pensamento é importante para bancos digitais por conta da competitividade, concorda? Você trouxe algum aprendizado da época para usar em Mercado Pago?
Sem dúvida. Vou fazer um exercício agora para te dizer que similaridades eu vejo…

Eu nunca tinha pensado nisso, mas Whirlpool, XP Inc. e Mercado Pago foram as minhas três experiências em que confiança e segurança são os principais drivers da categoria. Provar um presunto ou uma cerveja é fácil; comprar uma geladeira é uma decisão para cinco ou dez anos.

Naquele segmento da indústria, confiança e segurança são muito importantes, relevantes e movem a escolha do cliente – são os principais fatores de tomada de decisão

A Whirlpool tinha, na época, as duas maiores marcas do Brasil – muito respaldadas por segurança –, com o desafio de ver marcas estrangeiras chegando e a Electrolux crescendo. Havia todo o ativo de construção do “Não é assim uma Brastemp”, e tudo era sempre ancorado nisso.

Por outro lado, isso nos traz uma responsabilidade de ter uma oferta de produtos que corresponda, porque mais do que a publicidade ou a comunicação, as decisões são muito planejadas. E recomendação, indicação e uma experiência prévia são os principais influenciadores na decisão.

Me teletransportando alguns anos pra frente, acho que muito da estratégia que a gente conversou pra ter essa segurança em Mercado Pago, trazendo todo o grupo Mercado Livre como respaldo – não só o e-commerce, mas também a potência que está por trás do Mercado Pago –, é devido a muitas pessoas não saberem que ele vem com esse mesmo objetivo.

Sim, existem algumas fintechs e competidores, mas estamos dentro de um ambiente extremamente seguro e confiável de uma empresa que já é enorme e muito bem sucedida em várias outras verticais de negócio.

Brastemp e Consul não precisavam [mais] construir awareness, mas se ancoravam muito em confiança; aqui [no Mercado Pago], temos um desafio de aumentar awareness usando de toda essa potência que temos no grupo para construir essa confiança de que a gente precisa 

Talvez esse seja o ponto de conexão entre as minhas duas experiências.

Tem alguma área ou competência do marketing com a qual você mais se identifica e gosta mais? Qual?
Eu sou bem generalista, até porque tive experiências muito diferentes. Na Ambev, era mais comunicação; na Whirlpool, era mais gestão de negócio; na BRF, foi muito desenvolvimento de produto.

Eu te diria que o que mais me atrai – e talvez essa seja a minha principal perseguição diária, o que me move todos os dias e me faz focar – é estar muito perto do negócio. É estar muito perto do impacto que a gente gera, porque pra mim marketing é um enabler de growth – seja no curto, médio ou longo prazo. 

Uma campanha de aquisição tem um impacto muito mais no curto prazo, já uma estratégia de branding talvez impacte mais em longo prazo; mas todas elas precisam estar coordenadas e alinhadas pra gente empurrar a empresa no sentido do crescimento

Eu não tenho uma preferência. Consigo navegar muito bem e estar feliz discutindo todos esses assuntos, mas sempre com esse olhar de levar a gente pra frente: “Como a gente pode crescer? Como podemos ser mais relevantes para o nosso usuário?”. 

Porque o crescimento da empresa vem através da relevância da nossa oferta e proposta de valor. E de como a gente conta isso através de uma boa experiência, ou de uma boa comunicação.

O começo de sua jornada profissional foi na Ambev, onde entrou como trainee. A empresa era considerada como uma referência em gestão. Como os pouco mais de cinco anos que você esteve lá moldaram a sua forma de gerir pessoas? Você continua a trazer esses princípios até hoje?
Hoje, sou um pouquinho de tudo que passei, porque nunca se traz vivência de uma empresa só. Todas são muito diferentes e a cultura organizacional realmente molda as pessoas que trabalham naquele lugar. Obviamente, algumas se adaptam mais facilmente e, no geral, há uma identificação e tem uma forma de trabalhar muito particular em cada organização. 

Essa minha experiência na Ambev foi muito importante na minha carreira. Foi uma escola de execução, coragem de fazer – a gente lê o livro [Sonho Grande, de Cristiane Correa e Jim Collins] e desconfia, mas era sonhar grande mesmo! 

Eu me lembro de que na época todo mundo falava: “A Budweiser quer comprar a Ambev”. Internamente, dizia-se: “Que nada, a gente é que vai comprar a Bud…”. Parecia uma piada, mas no final ela se concretizou

Quando se vê a história da Ambev e aonde ela está chegando… falava-se que a indústria de cerveja estava migrando para vinho. A Ambev já tem hoje um monte de categorias de bebidas diferentes [com a divisão Future Beverages and Beyond Beer, que foi pauta aqui no Draft]. Daí se falava que a categoria sairia do supermercado – surge Zé Delivery. E, para fechar o ciclo, surge a Bees, operação digital B2B global.

É uma empresa que tem uma capacidade de execução, inovação e de se reinventar admirável. É de se tirar o chapéu… é uma cultura de fazer funcionar e ter sucesso. É isso que vejo de positivo e trago comigo até hoje. 

Na Whirlpool, por outro lado, apesar de ser americana, a gente tinha uma característica diferente aqui, porque as marcas eram brasileiras, por isso tínhamos uma independência muito maior do que qualquer outro país. Éramos o único país onde havia marcas nacionais, então a gente tinha esse benefício.

Pra mim, a Whirlpool foi uma escola de gestão de negócio, na qual o marketing literalmente orquestra a empresa, seja no plano de produção, no pacote comercial com vendas, inovação ou qual investimento se quer na fábrica em dois anos, até no pensar o que vai acontecer com a categoria – vai migrar para duas portas na geladeira?

Efetivamente, o marketing tinha uma influência e relevância muito grandes com esse olhar de quem lidera e faz toda a gestão do negócio da companhia. Como cultura, o maior aprendizado de todos, para mim, foi o da Whirlpool – trabalhar junto, desenvolver pessoas e estar em colaboração. 

Na Ambev, o trabalho era mais individualizado – não que isso seja forçado –, sobre o qual você tinha mais ownership e executava o que precisasse. E está tudo bem, porque é a cultura de lá. Quando vivi outra experiência na Whirlpool – e também minha primeira com gestão de equipes maiores, 12 pessoas no início –, precisei desenvolver essa habilidade de liderar através dos outros, porque você não tem mais a execução na mão. Então, pra mim foi muito bom.

E na XP Inc., como comentei, definitivamente esse novo jeito de trabalhar – menos processual e burocrático, muito mais do “vamos fazer e depois a gente vê”. Acho que é isso que traz, para essa indústria e para startups, a capacidade de crescer muito rapidamente. 

No Mercado Pago, eu diria que tenho um equilíbrio entre esse way of working da XP Inc. com o trabalho em equipe e a colaboração que vivi na Whirlpool. Obviamente, respeito a minha essência, quem eu sou e tento trazer, de tudo que vivi, o que considerei melhor para chegar aqui e, hoje, fazer o que eu acredito – criar uma rede de confiança, integrar pessoas e desenvolvê-las. 

Na prática, a Pethra não faz nada. Literalmente, eu só ajudo pessoas a fazerem – engajo, crio um norte, ajudo a achar saídas. Há pouca execução comigo. Você aprende a lidar com a relação de liderança, gestão de pessoas, e entende que cada uma tem seu potencial; e se você identifica essas variantes, consegue ser muito mais bem sucedido 

Hoje, minha maior realização profissional é ver as pessoas se desenvolverem. Depois de me tornar mãe, acho que as coisas se juntaram. É quase como ter um monte de filhinho e querer vê-los crescer e ficar bem.

Às vezes, se pensa em mudar a pessoa de lugar para forçá-la a desenvolver o que ela não faz bem… Eu me pergunto: “Por que não posso deixá-la feliz e potencializar ao máximo aquilo que ela faz melhor?”. Esse é o meu olhar.

Você já trabalhou em segmentos diferentes de mercado, tocou projetos de inovação, de marketing com uso de dados, fez planejamento estratégico… Tem vontade de um dia se sentar na cadeira de CEO? Esse é um sonho seu?
Nunca ninguém me fez essa pergunta, mas acho que se eu continuar a ter oportunidade de ajudar negócios a crescerem e a desenvolver pessoas, por que não?

Cada vez mais, [pessoas com] funções de marketing, produto e tecnologia com olhar sobre o todo conseguem, numa posição de CEO, fazer essa orquestração da melhor forma possível. Cadeiras de marketing têm essa oportunidade, porque têm a visão do todo. De tudo o que acontece na companhia.

 

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