Por Sergio Xavier
Nem sempre as pessoas conseguem explicar por que estão trotando esbaforidas, mas no fundo elas correm por três grandes razões: para perder peso, para ganhar amigos e para zombar da morte.
A grande porta de entrada para o mundo da corrida é a epidemia de obesidade que assola o mundo. Como a corrida é uma das melhores relações esforço-caloria, ela dá o acesso mais rápido e eficiente para quem precisa ou quer entrar na linha. É preciso nadar dias para compensar a cervejada da véspera, caminhar semanas para anular uma feijoada caprichada. Com alguns minutos semanais de corrida os efeitos já aparecem.
A segunda grande razão de tanta gente desafiar a inércia é a socialização. Assessorias esportivas, provas animadíssimas, de repente o gordinho virou magrinho e uma nova turma aparece à sua frente. Muitos até se casam nesse ambiente.
Mas eu sou fascinado mesmo pela terceira grande motivação da corrida: zombar da morte. Nem todos os atletas amadores são contaminados pelo vírus da competitividade, mas quem é, não se livra dele tão fácil. A competição não é, no caso, contra um inimigo externo. Na corrida, geralmente o “eu de hoje” tenta ser melhor do que o “eu de ontem”. O que é isso se não uma recusa em envelhecer? E o que é retardar o envelhecimento se não postergar a morte? É disso que estamos falando quando calçamos um tênis ou vestimos aquele inevitável shortinho de nylon aberto na lateral.
Queremos ficar mais fortes, mais rápidos, mais vigorosos, ainda que depois dos 30 nosso destino inexorável seja a decadência física. Eis aí o “milagre da corrida”. Com o treinamento correto, é possível correr mais rápido, ainda que mais velho. Isso é fascinante. Já estou beirando os 50 e corro mais rápido do que quando tinha 30. É claro que há um truque nessa sentença. Se treinasse bem aos 30, correria melhor do que aos 50. Só que aos 30, meus interesses eram outros. O fato concreto é que me sinto mais jovem agora. E a corrida tem papel preponderante nessa revigorante sensação de saúde.
Completar uma maratona é outra aventura instigante. Basicamente, por que não fomos feitos para correr mais do que 25 ou 30 km. A maratona tem 42 longos quilômetros, o único jeito de vencê-la é treinando com muita disciplina. Talvez eu tenha enveredado pelo jornalismo justamente em razão da minha ojeriza pela disciplina. Fugi dos estudos mais pesados das ciências exatas, adorei a ideia de que o jornalista é alguém que domina um mar de conhecimentos, só que com água pelo tornozelo. Desconfiei, e comprovei depois, que venceria os anos de faculdade sem me matar estudando.
Correr maratonas – e já foram 10 até o presente momento – mudou minha forma de ver o mundo. Aprendi, de fato, o valor da disciplina. Na pista, você não está se submetendo a um chefe – você está negociando, o tempo todo, consigo mesmo.
A corrida tem também muito a ver com meritocracia. Treinou, levou. Suou a camisa no treino da semana? O tempo vai baixar na prova do domingo. Passei minha infância e juventude jogando futebol. Quando algo dava errado, dava um jeito de culpar o time. Quando comecei a correr provas, entendi que não havia mais o “outro”. Era o “eu de hoje” contra o “eu de ontem”. Todos os fracassos eram meus. Os sucessos também. E treinando bem, o resultado vinha. Não adiantava mais dar aquele miguezinho e treinar 5 km quando a planilha recomendava 10 km.
A experiência das corridas transbordou para a vida profissional. Disciplina para fixar metas e ir atrás delas. Não sei se virei um profissional melhor depois que comecei a correr. Acho que sim. Da mesma forma que acho que ando cada vez mais jovem. Pode ser só impressão. Mas é uma impressão forte o suficiente para que eu lhe recomende tentar incorporar esse hábito em sua vida. Faz um bem danado.
Um cuidado, apenas: correr vicia. Eu, por exemplo, além de treinar várias vezes por semana, já estou lançando meu terceiro livro, Vidas Corridas, sobre o universo das corridas. Se me permite, é uma boa dica para o feriado que começa em instantes – tanto a corrida quanto a leitura.
Sérgio Xavier, 49, é jornalista com passagens pelos jornais Diário do Sul e O Estado de S. Paulo e pela revista IstoÉ. Atualmente, dirige um núcleo de revistas da Editora Abril (Playboy, Men’s Health, Women’s Health e Placar), além de comentar diariamente futebol na BandNews FM. É autor dos livros Operação Portuga e Correria. E divide o blog Correria com Iberê Dias. Está com 10 maratonas nas costas.
Angústias e dilemas da paternidade. Autoconhecimento por meio de uma transição capilar. Leia a nossa retrospectiva Lifehackers, com os relatos potentes de pessoas que tiveram a coragem de trazer disrupção para suas vidas.
Christopher Spikes trocou os EUA pelo Brasil e aqui fundou a Authen, marca de vestuário esportivo feminino. Ele divide erros e acertos da sua jornada (e conta como aprendeu a viver de forma mais simples num monastério budista).