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Por que os brasileiros confiam tanto na ciência, mas investem tão pouco nela?

Giovanna Riato - 23 jul 2018
Camila Cruz Durlacher, diretora de Pesquisa e Desenvolvimento da 3M do Brasil, defende que ciência não é assunto só para gênios trancados nos laboratórios
Giovanna Riato - 23 jul 2018
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Imagine ser convidado para um jantar e precisar escolher entre se sentar à mesa com Marcos Pontes, o primeiro brasileiro a participar de uma missão espacial, ou com o Neymar. Ficou na dúvida sobre qual conversa seria mais interessante? A indecisão não é só sua. A disputa entre as duas opções é acirrada: 51% dos brasileiros afirmam que escolheriam a segunda opção, enquanto 49% decidiriam por jantar com o astronauta. A informação é da primeira edição do índice do Estado da Ciência, estudo global encomendado pela 3M à empresa de pesquisas Ipsos, para entender as percepções das pessoas em relação ao tema.

Foram entrevistadas mais de 14.000 mil pessoas em 14 países. Os cerca de mil adultos brasileiros de diferentes regiões, etnias e idades que participaram do levantamento mostraram muito mais otimismo com a ciência do que a média global. “Das pessoas que participaram no país, 95% gostariam que seus filhos conhecessem mais sobre ciência. É curioso porque, na prática, não vemos tanta gente buscar uma carreira na área”, diz Camila Cruz Durlacher, 44, química e diretora de Pesquisa e Desenvolvimento da 3M do Brasil – uma das quatro mulheres com posição na alta liderança da companhia no país.

Ela enumera outras descobertas: 94% dos entrevistados se declaram esperançosos em relação à ciência, 83% dizem que o avanço nessa área é muito importante para a sociedade e 66% estão certos de que os melhores dias para a ciência ainda estão por vir. Três em cada quatro participantes acreditam que acompanharão em vida o surgimento da cura do câncer e metade dos entrevistados está convencida de que será possível ver com os próprios olhos carros voadores circulares por aí, apostando que a realidade mostrada pelos Jetsons já não está mais tão distante.

Expressivos 90% dos respondentes acreditam que a ciência impulsiona a inovação – aqui podemos agradecer ao Vale do Silício por contribuir para levar o assunto para o mainstream, diz Camila:

 “A onda do empreendedorismo incentiva um interesse maior pela ciência. Vemos startups com administradores muito técnicos ganharem fama, com líderes que vem da ciência ou da área de TI”

Ela cita Elon Musk. O bilionário é formado em Física e Economia, mas carrega inegável talento marqueteiro e atrai a atenção pelos planos para povoar Marte e por convencer os motoristas dos Estados Unidos a trocar carros beberrões por modelos elétricos. A ciência vive bons tempos (ao menos quando se trata da visibilidade do tema).

HÁ OTIMISMO, MAS FALTA INVESTIMENTO

O otimismo brasileiro apurado na pesquisa da 3M é interessante justamente pelo momento desafiador para os institutos de pesquisa e profissionais da área no país. Estimativa da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) indica que o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicação tem orçamento hoje que corresponde a apenas 25% do que era o de 10 anos atrás em valores atualizados. Um golpe e tanto para qualquer ambição nacional de avançar nesta área, já que é este dinheiro que financia boa parte dos feitos científicos no país. Outra parcela importante vem da iniciativa privada, como é o caso da 3M Brasil, que investe anualmente 4,15% de seu faturamento em inovação para entregar ciência aplicada à vida. No Brasil este porcentual corresponde a cerca de 150 milhões de reais.

“Não só nós, mas a maior parte dos países em desenvolvimento mostrou mais otimismo e confiança na ciência”, diz Camila. Ela entende que dois fatores influenciam nesse resultado. O primeiro deles é que, nas economias mais maduras, a área já tem atuação consolidada, com avanços concretos. “Aqui ainda é um desafio. Sabemos que é uma ferramenta para mudar as nossas vidas e transformar a sociedade, mas ainda não temos uma rota tão estruturada. Valorizamos justamente porque sabemos que faria diferença”, conta.

O outro fator de influência, avalia, é que justamente por ter produção científica mais sensível, o brasileiro não conhece tão bem as eventuais consequências negativas da ciência. “O Japão é um dos países com menos otimismo em relação à ciência. Imagino que isso tenha a ver com o fato de eles terem enfrentado questões importantes relacionadas aos avanços científicos, como o vazamento radioativo da usina nuclear de Fukushima, por exemplo.”

Mesmo com a empolgação em torno do tema, nem só de otimismo se alimentam as expectativas dos brasileiros: 42% dos entrevistados entendem que a falta de financiamento adequado é o maior obstáculo para os avanços científicos, enquanto 74% dos respondentes acreditam que o Brasil está ficando para trás quando se trata dessa área. Parcela de 84% dos participantes do estudo aponta que outros países atribuem valor maior à ciência. Mais um indicador crítico é que pouco mais da metade dos participantes do estudo sentiam-se mais entusiasmados com o assunto quando eram crianças.

“Há esse estereótipo do gênio, de um cara maluco trancado no laboratório. Precisamos derrubar o estigma e mostrar que homens e mulheres podem construir carreiras de sucesso na ciência”

 A executiva concorda que a área também é envolta em uma aura masculina, como se só os homens pudessem entrar naquele território. “É essencial mostrar desde cedo que há espaço para todo mundo. Quando deixamos que este preconceito se propague já eliminamos o interesse de metade da população brasileira por ciência, que são as mulheres”, diz.

QUEM SÃO AS NOVAS REFERÊNCIAS DO MUNDO CIENTÍFICO?

Para transformar o cenário e fazer com que a ciência no Brasil se desenvolva de acordo com as expectativas otimistas apuradas no estudo, Camila diz que o caminho mais eficiente é a boa e velha melhora da educação de base. “Precisamos desmistificar e sair do formato de ensino monótono para mostrar as várias possibilidades. Destacar que é legal, estimulante”, defende. Ela também entende que as pessoas precisam enxergar na carreira científica a oportunidade de ter retorno financeiro, com opções que vão além da atuação acadêmica.

“Conhecemos muitos médicos, advogados e administradores bem-sucedidos. Falta colocar esta mesma lente nos cientistas e construir as referências”

A boa notícia, diz, é que a sociedade tende a valorizar cada vez mais estes profissionais nos próximos anos. “Há uma série de novos trabalhos surgindo, principalmente nas áreas de ciência e tecnologia.” Como contribuição para construir referências na área científica que não estejam restritas a bilionários do Vale do Silício, Camila cita o trabalho de Mayana Zatz, geneticista que, após estudar nos Estados Unidos, decidiu voltar e desenvolver sua carreira localmente. Outro exemplo é Camila Achutti, jovem mestranda da USP defensora da presença maior das mulheres na área de tecnologia.

A executiva da 3M entende que sua busca na companhia é mostrar essas possibilidades e dar espaço para as novas referências, tirar os cientistas do laboratório e mostrar que eles (ou elas) são pessoas reais. Este esforço, diz, está no Instituto 3M, que tem a educação na área científica como uma de suas plataformas de atuação, com a meta de atrair cada vez mais o interesse de crianças e jovens.

Já em casa, Camila faz questão de passar o fascínio pela ciência para os dois filhos. “Sempre fui curiosa e tive essa vontade de entender como as coisas funcionam, descobrir até onde os avanços tecnológicos podem chegar. Morro de orgulho quando vejo isso neles”, diz. Parece que, para tornar a ciência mais atrativa, Camila só precisa compartilhar um pouco do deslumbramento que encontra ali. Se ela for em frente, Neymar vai precisar se cuidar porque vai ter muito mais gente cobiçando a mesa dos cientistas.

 

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