Por trás do case da GoodStorage está a transformação pessoal de um ex-“golden boy” do mercado financeiro

Marina Audi - 18 jul 2018
Thiago Cordeiro fala de sua trajetória de altos, bem altos, e alguns baixos até encontrar-se à frente de um negócio que lhe permite exercer uma liderança com menos ego e mais verdade.
Marina Audi - 18 jul 2018
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Thiago Cordeiro, 37, já foi o queridinho do mercado financeiro. Jovem, ambicioso, “trator” na hora de negociar, tinha o tal futuro promissor pela frente. Até que, aos poucos, a vontade de ter um negócio próprio e poder experimentar outro modelo de gestão e liderança marcou o início da transformação pessoal e profissional que o trouxe até aqui. O atual CEO da GoodStorage, startup especializada locação de espaços temporários para auto armazenamento (ou seja, aluga pequenos cubículos, moduláveis, em imóveis de fácil acesso nas cidades) tem uma vida pregressa incomum e que pode ser inspiradora. Administrador formado pela FGV, é praticante de yoga e iniciado do guru Prem Baba.Viajou por meia África e até ponta em Star Wars ele fez. Chegaremos a tudo isso. Antes, vamos conhecer a startup.

Em dezembro de 2013, Thiago tornou-se sócio minoritário e CEO da GoodStorage. A startup entrou em operação em junho de 2014, tem unidades em todas as regiões de São Paulo e que se propõe a ser “o quartinho extra” da casa dos usuários pessoa física ao mesmo tempo em que visa também otimizar a armazenagem empresarial. “Desde o início, nosso posicionamento foi bem diferente do restante da indústria. Acreditamos em self storage como uma solução complementar às necessidades dos novos centros urbanos, cada vez mais adensados. Somos uma empresa de varejo. Costumo dizer que estamos entre a logística e o hotel”, diz ele.

A GoodStorage faz de tudo para apagar a imagem tradicional de guarda-móveis – localizados na periferia das cidades, em galpões escuros e até malcuidados, que são contratados pelos clientes durante reformas de imóveis ou ausências prolongadas. O CEO diz que entrou no jogo em um momento de mudança na forma de interação com os centros urbanos, quando as pessoas começaram a não querer mais ser donas de nada e preferir os modelos de assinatura de serviços. Já as empresas passaram por uma drástica transformação na cadeia logística: o estoque está, cada vez mais, sendo empurrado para perto do centro.

AS EMPRESAS DO RAMO NÃO FICAVAM NO CENTRO DAS CIDADES. ELE MUDOU ISSO

“Se quero oferecer qualidade de vida para as pessoas, tenho de trazê-las para as áreas com mais oferta de serviços e infraestrutura. Elas terão de morar em espaços menores? Sim, mas com segurança, qualidade de transporte, mobilidade, parque linear. Esse é, para mim, o conceito de centro urbano que funciona”, fala Thiago ao se referir a esta nova lógica nas grandes cidades.

A primeira loja da GoodStorage na Avenida do Estado, na capital paulista, antes e depois da reforma. Hoje são 17 imóveis na cidade.

Em dezembro de 2013, foram fechados os contratos de compra dos dois primeiros imóveis e Thiago conseguiu o comprometimento dos fundos de venture capital HSI e Evergreen Investment Advisors para, efetivamente, se associarem a ele e começarem a startup — com um imodesto aporte de 150 milhões dólares, isso porque a startup efetivamente compra os imóveis que transforma em espaço de estocagem. Somente em São Paulo, já são 17 imóveis.

Antes de encontrar a atual sede da GoodStorage, localizada na Avenida 9 de Julho, na capital paulista, Thiago custeou o aluguel de uma sala em um coworking para abrigar os futuros seis membros do time, que ele ainda iria montar. “Eu precisava dar forma, materialidade ao projeto que estava dentro de mim. Fui à loja de tintas, escolhi os tons de verde e laranja, que hoje estão no nosso logotipo, e pintei a parede da sala”, conta. Ainda seriam necessários mais seis meses até a inauguração da primeira loja.

Desde o início da operação, já passaram pela GoodStorage 10 000 clientes. A empresa tem um total de 50 000 m² de área locável, com taxa de ocupação de 62%. As lojas são montadas em imóveis comprados e reformados para estarem no padrão de cores, receberem a infraestrutura dos boxes de tamanhos variados (entre um e 100 m² e de uso exclusivo), câmeras de vigilância, elevadores apropriados para carga e abrigarem os espaços de coworking com wi-fi, que os clientes podem utilizar à vontade. Até o final de 2019, serão inauguradas mais seis lojas, o que dobrará a área disponível.

O valor de locação varia de uma unidade para outra. Em média, o metro quadrado custa entre 65 e 70 reais. Os contratos de locação são mensais e mudanças no tamanho do espaço locado podem ser feitas ao longo do tempo, sem cobrança de taxas ou multas.

É PRECISO PACIÊNCIA PARA O MERCADO EVOLUIR

Apenas duas – as primeiras adquiridas – das atuais 11 unidades da GoodStorage ficam mais distantes do centro. As demais foram montadas em bairros valorizados. “Quando decidimos abrir uma loja na Avenida Pedroso de Morais, em Pinheiros, um lugar nobre da capital, meus concorrentes acharam que era loucura”, conta. O conceito pegou, tanto que o faturamento da empresa cresceu 61% no ano passado.

Hoje, 70% dos 5 000 clientes ativos são pessoas físicas. Gente que mora em unidades residenciais compactas e deixa objetos menos usados nos boxes, que são visitados constantemente (o usuário tem uma senha eletrônica e pode acessar seu “box” quando quiser). Os outros 30% são clientes empresariais que visam tanto armazenagem de documentos quanto diminuir o alto custo de deslocamento e abastecimento de produtos.

O tíquete médio dos clientes da GoodStorage é de 500 reais por mês e o prazo médio de estadia é de 10 meses. A empresa prevê um crescimento de 50% no faturamento este ano, em relação a 2017.

Thiago conta que, recentemente, uma startup de entregas aumentou dez vezes o espaço locado na GoodStorage depois de perceber como isso melhorou sua eficiência operacional. “Os imóveis que temos são mais caros, mas essa nova vida nos centros urbanos paga pela funcionalidade. Meu negócio é monetizar a solução que torna a vida da pessoa mais fácil.” Ele prossegue: “Não quero só o cliente que está de mudança. Quero que a pessoa me entenda como extensão da casa dela e que o cliente PJ guarde comigo o que faz parte da cadeia produtiva dele”.

Ainda segundo o CEO, outro diferencial da GoodStorage é o recrutamento. Ele argumenta que a construção de uma startup é um processo orgânico de desenvolvimento, no qual todos que entram ajudam a construir o DNA da empresa. Thiago diz que prefere conversar com todos os candidatos “olho no olho”. Muitos funcionários vieram do mercado hoteleiro e, por isso, ele acredita que o atendimento herdou uma atenção especial com os clientes e também a discrição.

“Quando se começa do zero, estabelece-se um laço muito forte de confiança e de expectativa por parte de quem compra sua ideia. Inauguramos a primeira loja em junho de 2014 e brinco que, junto, inauguramos a crise”, diz. De acordo com ele, os anos entre 2014 e 2017  foram duros mas, apesar disso, o crescimento está acima do que eles se propuseram e as perspectivas para o futuro são boas. “Como conseguimos navegar com tanto vento contra, em uma empresa que não era nada sexy e que pouca gente conhecia? Porque o grupo tem a intencionalidade positiva de construir a realidade”, diz.

ANTES DE MUDAR DE CARREIRA, E DE VIDA, ELE FOI AO TOPO E ENCONTROU O VAZIO

A carreira de Thiago teve início ainda na faculdade, quando conseguiu um estágio na corretora financeira Patagon.com. Em 2000, foi a Sydney, na Austrália, fazer um semestre do curso. Amigos novos e novos ares, acabou conhecendo um fotógrafo sul-africano que o instigou a conhecer a África.

Para realizar esse sonho, Thiago aproveitou seu físico (porte alto, barbudo) e o fato do país ser usado para muitas produções cinematográficas para conseguir alguns papeis de figuração (ou seja, cenas de multidão, sem falas). Ele aparece, muito discretamente, em algum cantinho de Homens de Preto II, Senhor dos Anéis e Star Wars – Ataque dos Clones. Com os dólares australianos que ganhou, lá foi ele para Cidade do Cabo ser voluntário na ONG South Africa Green Works, onde ajudou a levantar investimentos. Depois, viajou por cinco meses em um caminhão por 13 países subsaarianos.

De volta ao Brasil, no começo de 2001, ainda com visual “cabeludo e bagunçado”, ele se inscreveu em programas de trainees. Foi aceito em dois: na área de RH da Microsoft e na mesa de operações do banco Morgan Stanley. Por conta da lembrança da falência da empresa do pai durante o Plano Collor, em 1990, Thiago fez a escolha que considerou mais segura e foi para o banco americano. Ele conta que começar a trabalhar no Morgan Stanley, depois de cinco meses na África, foi um choque. Era preciso usar gravata e, logo no primeiro dia, foi alvo de trotes. A cada pergunta que não acertava, uma parte de sua gravata era cortada.

Passados dois anos e meio, mais maduro, ele engatilhou uma oportunidade para entrar no mercado imobiliário dentro da Hedging Griffo (depois adquirida pelo Credit Suisse), que já tinha uma visão de recursos humanos mais afável, a seu ver. Thiago ficou lá por três anos e reconhece que foi sua ansiedade por maior dinamismo e por querer ser mais responsável pelo sucesso ou não do negócio, que o fez aceitar intraempreender em outra empresa, a Bracor. Pela primeira vez, sentiu o gosto de estruturar uma operação do zero e, também, de criar fundos imobiliários:

“Confesso que eu era um pouco over. Agitado, falava no telefone sem fio em pé, andava de lá para cá. Era um trator”

Essa postura lhe rendeu a possibilidade de ser o mais novo do grupo a receber stock option (direito de comprar ações), aos 26 anos. Mesmo sem ter claro o que queria experimentar dali em diante, e à beira de um final de ciclo em que os sócios da Bracor examinavam estratégias de saída dos fundos, Thiago foi convidado para integrar o time do BTG Pactual, na área de franquia de real estate que estava começando. Era o clímax de uma trajetória em que ele conheceu o sucesso, foi reconhecido e ganhava muito, muito bem mesmo! Em dois anos e meio, virou associate partner.

Por conhecer o mercado imobiliário bem, Thiago enxergou, no começo de 2013, que pela taxa de juros e preços dos ativos, não seria mais tão fácil e imediato ganhar dinheiro nessa área. “Percebi que os ciclos seriam mais longos e se passaria a ganhar dinheiro com o desenvolvimento de ativos imobiliários – compra, construção, revenda ou locação – e tive dúvidas de que a cultura do banco tinha aderência a isso. A maior parte de meus rendimentos vinha das bonificações variáveis e achei que não conseguiria mais sobreviver ali.” Foi aí que ele começou a pensar em empreender.

Enquanto executivo, Thiago investia, há anos, nas principais classes de ativos: residencial, shopping, centro de distribuição e hospital. Em seguida, viu entrar no radar as classes de nicho como senior living, self storage, student housing etc. “Quando decidi começar um negócio fui humilde. Pensei qual era a minha competência e onde tinha contatos. Tive um raciocínio bem cartesiano de entrar em um ativo de nicho e daí escolhi self storage”, diz.

PRIMEIRO, UM TOMBO. DEPOIS O NASCIMENTO DO EMPREENDEDOR

Em abril de 2013, ele conta que passou pelo momento profissional mais difícil de sua vida. A ideia de empreender ainda era um projeto interno, bastante pessoal. Ele acabara de ser promovido no BTG, mas ao ser questionado sobre planos futuros e revelar que tinha intenção de montar um negócio próprio, a relação com o banco azedou completamente e ele teve que sair de lá.

“Foi um momento muito duro, deixei de ser o ‘golden boy’ e passei por um processo de ‘humildação’, essa palavra que inventei. Foi o que quebrou a minha crosta e me permitiu iniciar um novo negócio de forma visceral, com engajamento verdadeiro, com o coração”, diz. A grande virada em sua vida veio acompanhada do início da prática de yoga e contato com seu mestre espiritual Sri Prem Baba (conhecido por apresentar conceitos de psicologia, autoconhecimento e espiritualidade de maneira simples). “Entendo, hoje, que o tamanho da pancada foi diretamente proporcional ao escudo que criei. Se ele não quebrasse, a luz não entraria.”

Os tamanhos dos boxes da GoodStorage variam de 1 a 100 m². A mensalidade custa cerca de 70 reais por metro quadrado.

Imediatamente após ficar sem trabalho, Thiago foi passar dez dias em uma aldeia indígena, no Xingu. Voltou a São Paulo renovado e decidido a montar o negócio.

Começou a trabalhar de casa, procurou por investidores e visitou, junto com corretores, imóveis que pudessem ser transformados em self storages. “Passei a me reencontrar, voltou a ficar gostoso conversar com qualquer pessoa, olhando no olho, sem cogitar qual trade off ela me ofereceria”, diz, e prossegue:

“Aprendi que não há mais espaço na postura de um empreendedor ou executivo para ego. Quando tem muito ego na relação, ela não dura. As pessoas querem legitimidade”

Thiago se diz, hoje, a favor do “egoless leadership” (liderança com menos ego). A seu ver, uma vida melhor começa por conviver em espaços mais harmônicos e saudáveis e neles ganhar dinheiro, crescer uma empresa, gerar emprego: “Faz toda a diferença não haver separação entre o ‘eu profissional’ e o ‘eu pessoal’. Essa é, inclusive, uma razão muito forte pela qual saí do banco”.

Ele diz que percebeu, na época, que estava lidando com muitos “eus” ao mesmo tempo, mas que eles não estavam integrados. “Eram muitos disfarces, muitos papeis que eu executava. Quando se trabalha em uma cultura organizacional e ritmo tão fortes, você se confunde e não sabe mais se aquilo é você, ou se você se acostumou com aquilo.”

Quando questionado sobre a expansão do negócio para fora de São Paulo, Thiago demonstra uma postura bastante realista e focada. Diz que o mercado onde está ainda tem muito a evoluir e que é preciso tornar o conceito da GoodStorage mais conhecido. Por isso não tem pressa. E finaliza: “Gosto muito da frase do Prem Baba: ‘Você está onde você se coloca’.” Para o empreendedor, a passagem fala do protagonismo com auto responsabilidade. Isso e paciência não faltam a Thiago.

DRAFT CARD

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  • Projeto: GoodStorage
  • O que faz: Self storage com unidades nas áreas centrais de São Paulo
  • Sócio(s): Thiago Cordeiro, HSI e Evergreen Investment Advisors 
  • Funcionários: 60
  • Sede: São Paulo
  • Início das atividades: 2013
  • Investimento inicial: US$ 150 milhões
  • Faturamento: R$ 30 milhões ao ano (estimativa)
  • Contato: (11) 2222-1220 e contato@goodstorage.com.br
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