“Precisamos desconstruir a percepção por vezes antagônica que existe entre pesquisa de ponta e potencial de negócio”

Carmem Lucas Vieira - 8 ago 2023
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Carmem Lucas Vieira - 8 ago 2023
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Desde a infância, sempre demonstrei um perfil bastante híbrido, de cientista, atleta, empreendedora, ativista e artista.

Essa mistura de curiosidade, observação, questionamento, ímpeto de realização, criação, solução de imprevistos, facilidade na aprendizagem e permanente busca pelo conhecimento, trouxe muitas dificuldades para minha adequação ao ambiente acadêmico.

Apesar de minha longa trajetória acadêmica, sempre me senti um peixe fora d’água, exatamente pelo meu perfil proativo e empreendedor.

Por sorte, sou muito resiliente e determinada. Foi graças a um amigo empreendedor no ramo de floricultura, para quem estagiei na época da faculdade de engenharia agronômica, que consegui compreender a razão de muitos conflitos.

Ele percebeu e falou claramente: “Carmem, você não é uma teórica, você tem espírito empreendedor”. Essa percepção gerou uma mudança de chave em minha trajetória pessoal.

Entendi que, assim como eu, havia muitos sonhadores dentro da academia, ansiosos por concretizar a vontade de transformar as pesquisas e as demandas que chegavam até nós, pesquisadores acadêmicos, em soluções aplicadas, ou seja, inovações

Em 2015, fiz o registro como MEI e comecei um longo percurso de capacitação sobre empreendedorismo, startups, marketing digital, modelo de negócios etc., tendo a liberdade de investir em experiências como profissional autônoma.

Desde então, trabalho com produtos e serviços ambientais. Em áreas urbanas, atuo com elaboração, execução e manutenção de projetos de jardins funcionais, além de arborização urbana e hortas comunitárias. No ambiente periurbano, atuo com apoio técnico aos “neo-rurais” e, em áreas rurais, cuido do diagnóstico e de projetos para a recuperação de áreas degradadas.

DESCOBRI QUE DAVA PARA ALIAR MINHA VONTADE DE EMPREENDER COM A PAIXÃO PELA ACADEMIA

Em 2022, comecei a acompanhar um programa sobre Bioeconomia promovido pelo SENAI/CETIQ de São Paulo. Eu e a mediadora do programa nos tornamos amigas e, após algumas conversas, ela me indicou o Acelerando Cientistas.

O programa, realizado pelo Sebrae for Startups e executado pela Wylinka, busca capacitar em empreendedorismo de base científica e tecnológica estudantes e professores de graduação e pós-graduação de todas as áreas de conhecimento, em qualquer nível no estado de São Paulo (a 3ª edição do programa está com inscrições abertas até dia 14 de agosto).

Lembro que estava no último dia quando soube e corri para garantir a minha inscrição. Fiquei torcendo muito para ser selecionada, pois parecia ser a oportunidade ideal para finalmente me sentir acolhida e estimulada a seguir em meus projetos. Posso afirmar que a expectativa foi integralmente satisfeita!

Como eu já tinha uma boa bagagem sobre empreendedorismo e startups, o maior desafio que o Acelerando Cientistas me trouxe foi no sentido de filtrar a lapidar as ideias, pois a minha mente não para nunca de observar, questionar e criar.

Esse exercício de entender o mercado, o público-alvo, definir as personas, mergulhar na realidade de um negócio, antecipar as burocracias e desafios em um país como o Brasil é essencial

Ao longo da capacitação, somos levados a colocar os pés no chão, mas sem reprimir nosso espírito criativo e nossa capacidade de ousar.

Diversos foram os aprendizados proporcionados pelo Acelerando Cientistas. Primeiramente, destaco a desconstrução de uma percepção por vezes antagônica entre pesquisa de ponta e potencial de negócio.

SEMPRE LUTEI PARA TRANSMUTAR TEORIAS COMPLEXAS EM ALGO SIMPLES E ACESSÍVEL PARA A COMUNIDADE

Em minha vivência acadêmica, lembro de inúmeras vezes em que, a partir de uma demanda real, como uma visita a um pequeno produtor rural, eu retornava para a universidade angustiada, querendo solucionar o problema exposto ao nosso grupo de alunos e pesquisadores, mas esbarrava na falta de acolhimento, por diversas razões.

Sofri preconceito pelo meu jeito de ser e pensar dentro da academia, pelo fato de propor ações que destoavam de protocolos de pesquisa muito rígidos.

A reatividade de alguns professores e orientadores se dava, justamente, pela minha proposta de transmutar algo complexo em acessível à comunidade

Certa vez propus utilizar mel, gelatina natural incolor e hormônio extraído do rizoma da tiririca (uma espécie de capim espontâneo) para criar um protocolo de propagação in vitro de espécies vegetais, pois desejava adequar essa tecnologia a pequenas propriedades rurais, reduzindo seu custo e facilitando o acesso a matérias-primas.

Depois de muita insistência, o orientador de estágio deixou que eu tentasse uma vez, somente. Quase deu certo. Só faltou ajustar o teor de água do mel. Mas, infelizmente, fui impedida de seguir com as experimentações.

COMO SABER SE UMA PESQUISA PODE VIRAR UM NEGÓCIO?

Ao longo dos webinários do Acelerando Cientistas, foram apresentados diferentes estudos de caso, além de trabalhos e propostas dos colegas que também estavam participando da capacitação.

Foi muito inspirador tomar contato com um conjunto de iniciativas e ideias que variam desde as mais simples, até projetos com elevado nível de exigência tecnológica e pesquisa de ponta.

Não há uma receita de bolo para definir qual pesquisa tem o potencial para, efetivamente, ser concretizada em um modelo de negócio. Não há uma relação direta entre nível tecnológico e empreendedorismo de sucesso. Esse foi outro grande aprendizado

Às vezes podemos nos sentir intimidados por uma proposta com nanotecnologia, por exemplo, mas a possibilidade de conquistar um lugar no mercado e escalar o negócio vai muito além do nível tecnológico.

Ela perpassa viabilidade econômica, recursos humanos, impactos locais/regionais/nacionais, espaço físico, investimento inicial, necessidade de mão-de-obra capacitada, necessidade de equipamentos específicos, dentre tantas outras análises.

Muitas vezes um grande negócio nasce de uma simples ideia, capaz de criar um cenário disruptivo ou mesmo aprimorando algo que já existe.

Cada caso é um caso e é muito importante utilizar das ferramentas como o Lean Science Canvas (disponibilizado no programa) para visualizar o negócio, mapear todos os elementos necessários para formar a rede que irá conectar as necessidades com as potencialidades, superando os obstáculos e fragilidades de cada proposta.

HOJE, POSSO AFIRMAR QUE SOU UMA CIENTISTA EMPREENDEDORA — E TENHO MUITO ORGULHO DISSO

Ao final da capacitação, me senti muito mais confiante para seguir unindo a paixão pela pesquisa científica com a criação de inovações, visando o empreendedorismo de impacto socioambiental.

Carmem Lucas Vieira participou do Acelerando Cientistas em 2021.

Em 2022, participei do concurso Aperam Awards, em que propus uma solução baseada na natureza conciliando inovação na utilização do aço inox, chegando até a etapa final e recebendo muitos elogios por parte da comissão julgadora.

No início deste ano, submeti outra proposta para a seleção Adas Tech, promovida pelo Centro Regional de Inovação e Transferência de Tecnologia – CRITT/UFJF, propondo, novamente, uma solução baseada na natureza.

Fui selecionada entre as finalistas para receber uma semana de capacitação, além de participar da etapa final de apresentação da proposta, com a possibilidade de ser incubada no CRITT.

Ainda não foi dessa vez, mas com a base fornecida pelo Acelerando Cientistas, consegui participar e ser selecionada em dois eventos de significativa repercussão e relevância em minha vida atual e futura.

Hoje eu posso, com muito orgulho, afirmar que sou uma cientista empreendedora

Graças a capacitações como essas, conseguimos nos conectar com uma rede de idealistas apaixonados oriundos do meio acadêmico, junto aos quais compartilhamos a curiosidade, a determinação pela pesquisa, a formulação de respostas e a criação de soluções.

Chegamos ao final do percurso com a certeza de que ciência e empreendedorismo podem sim andar de mãos juntas, gerando oportunidades para a sociedade, como um todo

Meu plano para o futuro é construir um negócio que seja tanto uma unidade demonstrativa, como multiplicadora dessas iniciativas.


Carmem Lucas Vieira é engenheira agrônoma (UFRGS), doutora em Geografia (UFRJ), mestre em Geografia (UFRGS) e em Gestão e Conservação da Natureza (Universidade dos Açores/Portugal). Atualmente, em estágio pós-doutoral no Programa de Biodiversidade e Conservação da Natureza (UFJF). Participou do Acelerando Cientistas em 2021.

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