Ela criou um projeto de moda sustentável que inspira jovens a fazerem escolhas conscientes na hora de renovar o guarda-roupa

Alinye Amorim - 28 jan 2022
Alinye Amorim (à esq.) e Flávia Shiwa, cofundadoras da ONG Roupa Descolada.
Alinye Amorim - 28 jan 2022
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Formada em Engenharia da Computação, com MBA em Marketing, trabalhei no mundo corporativo por muitos anos em São Paulo até que a maternidade chegou em minha vida e se tornou meu projeto mais importante.

Esse novo momento fez com que eu e meu marido repensássemos nosso estilo de vida e resolvêssemos largar tudo em busca da qualidade de vida. 

Nos mudamos para São José dos Campos, interior de São Paulo, em 2015. Escolhemos a cidade para ficar próximos de nossas famílias, já que eu sou natural de Cruzeiro e meu marido, de Santo Antônio do Pinhal.

Quebramos a cara tentando empreender com uma franquia de pisos que não deu certo. Começamos bem, tínhamos contratos com shoppings, hospitais, mas veio a crise e nossos grandes clientes cancelaram contratos… Ficaram somente os serviços residenciais que exigiam muito trabalho por um ticket médio muito baixo 

Apesar dos perrengues, a trajetória empreendedora nos ensinou muito — e não me arrependo nem um pouco da aventura.

Até nos refazermos do tombo, passamos a plantar e vender verduras orgânicas no sítio do meu sogro, que tinha uma banca de feira em Pindamonhangaba. Foi um período financeiro difícil, porém revigorante e de grandes transformações nos nossos hábitos de consumo.

Em pouco tempo, meu marido se recolocou na área de TI e eu decidi dar aulas de programação para crianças, o que me permitia ter uma carga horária reduzida para ficar com a família. 

UM PROJETO DE ESCOLA DO MEU FILHO E MEU ENTUSIASMO DE ESCOTEIRA FORAM A SEMENTE PARA A IDEIA DO ROUPA DESCOLADA

No final de 2020, meu filho mais velho, o Pedro, então com 12 anos, participou de um torneio de sustentabilidade na escola, patrocinado por uma empresa da região. E foi aí que surgiu a ideia do Roupa Descolada.

O projeto previa um espaço onde os jovens pudessem trocar roupas entre si para reduzir o consumo e assim preservar os recursos naturais. O nome trazia o conceito de ser algo legal, de as pessoas conseguirem “descolar” uma coisa nova — e também da peça não ficar parada e estar sempre circulando

A premiação do torneio era por votação popular, então ajudei compartilhando nas redes sociais o projeto dele.

A professora da minha filha mais nova adorou a ideia. Não conseguimos muitos votos no torneio, mas uma sementinha ficou ali plantada.

Com a pandemia e o confinamento, toda a problemática do meio ambiente, o surgimento de novas doenças e os eventos climáticos extremos cada vez mais frequentes foram me instigando a sair da minha zona de conforto e fazer a minha parte para mudar essa situação.

Sou escoteira e a ideia de sempre deixarmos o lugar melhor do que encontramos estava mexendo muito comigo. Foi então que decidi tirar o projeto Roupa Descolada do papel 

Chamei a Flávia Shiwa, a professora da minha filha que tinha se animado com o projeto, e a convidei para ser minha parceira nessa empreitada. Ela topou na hora, sem hesitar! 

CONSEGUIMOS APOIO DE VÁRIOS VOLUNTÁRIOS. MESMO ASSIM, UM DIA ANTES DA INAUGURAÇÃO NÃO TÍNHAMOS AS ROUPAS…

Começamos a montar o plano de negócios, desenhar melhor nossas ideias e pensar em opções.

Partimos em busca de referências em sustentabilidade na cidade e fomos procurar a diretora da pastoral da educação, que também é diretora do Colégio Franciscano Nossa Senhora Aparecida.

Quando apresentamos o projeto, ela nos surpreendeu com o convite para montarmos o espaço dentro dessa escola particular. Daí para frente, as coisas fluíram de uma forma impressionante.

Cada pessoa que ouvia sobre nossa iniciativa nos oferecia ajuda com seu trabalho. Uma arquiteta fez o layout do espaço, um fotógrafo fez um ensaio para os banners que enfeitam as paredes, a gráfica fez um desconto, os mercados doaram paletts, meus alunos ajudaram a produzir um vídeo de divulgação, meu marido ajudou na instalação de placas e araras… Quando vimos, já estávamos com uma lojinha linda montada! 

Marcamos a abertura para 31 de agosto de 2021 e começamos a arrecadar doações de roupas para o estoque inicial. Na véspera da inauguração, porém, ainda não tínhamos quase nada… Até que meu telefone começou a tocar e uma moça muito simpática perguntou se poderia levar até a minha casa algumas roupas para o projeto

Essas “algumas roupas” eram, na verdade, cinco sacolas cheias de peças lindíssimas. Nossa inauguração foi um sucesso! A partir dali começamos a abrir a loja uma tarde por semana. 

A proposta do Roupa Descolada funciona assim: é só chegar com uma peça em bom estado, realizamos uma triagem e a pessoa pode trocar por outras peças de roupa ou calçado na mesma quantidade, sem nenhum custo.

Peças que não estão boas para trocas são recolhidas para se tornarem matéria-prima para a fabricação de artesanato. Assim, conseguimos reduzir o descarte de roupas.

UMA REPORTAGEM NA TELEVISÃO FEZ O INTERESSE NO PROJETO EXPLODIR E REPENSARMOS NOSSO MODO DE ATUAÇÃO PARA ATENDER A DEMANDA

Lembro que quando a primeira usuária entrou na lojinha, nós não sabíamos o que fazer para agradar de tão animadas!

O próximo passo foi conseguir mais público para o projeto. No segundo dia de trocas, recebi uma ligação da afiliada da Rede Globo na cidade querendo fazer uma entrada ao vivo para falar da iniciativa.

A entrevista passou no jornal do horário do almoço e quando abrimos a loja às 14 horas, tinha uma fila enorme na entrada! 

Alunos escolhendo roupas para trocar no projeto do Roupa Descolada.

Tivemos que mudar o processo, limitar a quantidade de peças trocadas por pessoa e distribuir senhas para evitar aglomeração. Problemas que eu nem imaginava que teria que resolver em tão pouco tempo de projeto.

A Flávia, que é extremamente tímida, se revelou ótima no contato com o público e na realização da triagem das peças. E eu, que agora tenho um bebê de 1 ano e meio, fui ajudando como podia.

De uma hora pra outra ficamos sobrecarregadas. Mas fomos salvas por uma amiga que se voluntariou e apareceu com duas filhas adolescentes para nos socorrer.

EM QUATRO MESES, FORAM MAIS DE 2 MIL ROUPAS TROCADAS — E O ÍNICIO DE UMA MUDANÇA DE MENTALIDADE ENTRE OS ALUNOS

É muito trabalho envolvido. Além dos horários das trocas, depois que as crianças dormem, passo as noites buscando  parcerias, montando material para as redes sociais, trabalhando na divulgação, estudando sobre sustentabilidade…

O esforço é grande, mas cada pequena conquista tem um sabor muito especial, pois sei que estamos fazendo a diferença para uma sociedade mais sustentável.

Com a ideia validada, partimos para a formalização de uma ONG. E, novamente, profissionais se voluntariaram para nos ajudar, entre eles uma advogada e o pessoal de um escritório de contabilidade.

Quando estava me informando sobre as burocracias da formalização, decidi conversar com a diretora da escola onde eu dava aulas de programação, o Instituto Alpha Lumen, que também é uma ONG. E novamente fui surpreendida com o convite para abrir a segunda unidade do projeto!

Fechamos 2021 com duas unidades em funcionamento, mais de 2 mil peças de roupas trocadas e mais de 300 usuários.

No Colégio Nossa Senhora Aparecida, a loja funciona todas as quartas-feiras, das 14h às 17h, e é aberta ao público. No Alpha Lumen, está aberta às quintas-feiras, das 8h às 11h, e é restrita aos alunos da instituição.

Para se ter uma ideia, a cada dia de loja aberta são realizadas em média 200 trocas por unidade do Roupa Descolada!

Como estamos dentro de escolas, fazemos palestras para os jovens e teatro para os pequenos explicando o projeto. O retorno é sensacional

Eles fazem conexões com as matérias em sala de aula e começam a ter outro olhar para o consumo, dando valor às roupas e entendendo o impacto que a produção de cada peça tem no meio ambiente.

Também passaram a entender que depende de cada um a mudança de mentalidade para preservar o nosso planeta, uma vez que não temos outro lugar para morar como opção 

SEI QUE ESSE É SÓ O COMEÇO, MAS ESTOU ANIMADA COM OS DESAFIOS E AS CONQUISTAS QUE ESTÃO POR VIR

Agora estou em busca de “empresas-anjo” que estejam dispostas a patrocinar a ONG, o que nos permitirá ter renda para nos dedicarmos mais ao projeto e financiar a mão de obra, o principal problema no momento.

A ideia é expandirmos as unidades, uma vez que a escalabilidade do projeto é alta e o custo e tempo de implantação de novas lojinhas é muito baixo

Nossos planos incluem também abrir unidades em comunidades carentes com capacitação de mulheres em vulnerabilidade social. A ideia é ensiná-las a trabalhar peças que arrecadamos e que precisam de pequenos consertos ou customizações. Após os reparos, as roupas poderão ser vendidas, gerando renda e inserindo essas mulheres numa economia circular.

Sei que tenho muito trabalho pela frente. Apesar dos desafios, as perspectivas são emocionantes! Minha sensação é a de que tudo faz muito sentido e que eu encontrei meu propósito de vida.

 

Alinye Amorim, 42, é mãe do Pedro, Helena e Felipe e cofundadora do Roupa Descolada

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