Publicitário negro e nascido na periferia, ele criou um banco audiovisual para oferecer ao mercado vídeos com a cara do Brasil

Karina Sérgio Gomes - 15 ago 2023
Jorge Brivilati, fundador da Bravo Film Company e da Bamboo Stock.
Karina Sérgio Gomes - 15 ago 2023
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Quem já entrou em um banco de imagens, aqueles com fotos prontas para serem compradas e licenciadas para diversos usos, deve ter reparado que as imagens predominantes são de pessoas brancas em paisagens que pouco se assemelham às que vemos no Brasil. 

Ao montar sua produtora (a Bravo Film Company, em 2019), o publicitário Jorge Brivilati sentiu falta de ter um banco de imagens com as cores e tipos do país que pudesse usar em uma ou outra produção. “Fui atrás de resolver esse problema”, conta Jorge, 35, ao Draft

“Os bancos de imagens brasileiros que existem hoje têm uma curadoria ruim ou um material muito antigo. Não basta ter negros. Tem de ter pessoas com o biotipo das que existem no Brasil, que conversem com a nossa realidade”

Ciente dessa necessidade, Jorge fundou, em 2020, a Bamboo Stock, um banco de imagens para o audiovisual com produções criadas por videomakers brasileiros. 

Essa falta de representatividade nos bancos de imagens era, ainda, um reflexo do que Jorge, um homem negro, viveu durante anos no mercado de publicidade:

“Eu olhava para o lado e não via alguém como eu. Tinha até receio de contar às pessoas de onde eu vinha… Podia encarar isso de forma opressora ou ver como uma oportunidade para me desenvolver. E foi assim que vi: se sou o único aqui, vamos fazer isso acontecer.”

CRIADO NA PERIFERIA DE NITERÓI, ELE DESENVOLVEU, AINDA NA INFÂNCIA, UM AMOR PELA FOTOGRAFIA

“Fazer acontecer” não era algo novo para Jorge. Ele nasceu na Vila Ipiranga, na periferia de Niterói, região metropolitana do Rio de Janeiro. O gosto pela fotografia vem de lá, desde a infância. Porém, o único momento do ano em que o menino tinha acesso à câmera fotográfica da família era no seu aniversário. 

“Eu não fazia registros convencionais da festa. Quando minha mãe pegava o filme revelado, tinha fotos conceituais dos vizinhos, de mãos, pés… Nada a ver com a festa”

O interesse latente pela fotografia ficou em segundo plano até a entrada na publicidade. “Eu não tinha dinheiro para comprar um equipamento”, diz. 

Em paralelo, ele aprendeu sozinho a linguagem HTML para montar sites. Ganhou uma bolsa para fazer um curso de Photoshop e se encontrou na área de web design. “Desenvolvi uma série de layouts de sites fictícios, para montar um portfólio e enviar para vagas que encontrava nos blogs da época.” 

Foi assim que conseguiu seu primeiro emprego na Americanas, onde ficou apenas um ano, antes de mudar de cidade e mergulhar de cabeça no mercado publicitário:

“Um amigo que tinha trabalhado comigo me indicou para a vaga na [agência] AlmapBBDO. Se eu queria entrar no mundo da publicidade, eu precisava estar em São Paulo”

Isso foi ainda lá atrás, em 2007. Com a carreira engrenando na publicidade, aí sim Jorge comprou sua primeira câmera digital e assumiu a fotografia como um hobby sério. “Era uma forma de me expressar, fazer pesquisa e contar histórias.” 

Ele aproveitava os momentos livres e os grupos da rede Flickr, voltada à fotografia, para trocar contatos e experimentar criar imagens com uma câmera na mão.

DEPOIS DE SEGUIR CARREIRA NA PUBLICIDADE, JORGE DEIXOU AFLORAR EM SI A PAIXÃO PELO CINEMA

O interesse pelas imagens em movimento também foi ganhando força em Jorge. Entre 2009 e 2010, ele estudou na Academia Internacional de Cinema. “Com o cinema, percebi que poderia impactar as pessoas.”

Depois da AlmapBBDO, ele passou por outras agências: Cubocc (a primeira empresa da Flagcx, que foi pauta aqui no Draft), J. Walter Thompson Worldwide e WMcCann. 

Jorge conta que estava decidido a deixar a publicidade, quando recebeu uma proposta da Young & Rubicam que o fez repensar. “Eles me ofereceram mais que o dobro do que eu ganhava na época”, diz. 

Na agência, Jorge teve a oportunidade de pôr em prática seus conhecimentos de cinema e produzir sua primeira peça audiovisual. 

“Testamos várias produtoras, mas nenhuma entregava o que eu queria… Propus eu mesmo dirigir a peça” 

O cliente ficou feliz com o resultado, diz Jorge. Ele também curtiu a experiência, até demais. “Não conseguia mais pensar em nada que não fosse fazer filme.” 

AO EMPREENDER SEU PRIMEIRO NEGÓCIO, ELE DESCOBRIU A DUREZA DE CRIAR UMA EMPRESA DO ZERO

Poucos meses depois, Jorge resolveu empreender, deixou a Young & Rubicam e fundou, com o amigo André Castillo, a produtora La Casa de la Madre.

“Só não imaginava o trabalho que era montar uma empresa. Foi martelada atrás de martelada na cabeça até aprender”, diz Jorge. “Hoje, dez anos depois, me sinto [finalmente] pronto para tocar uma empresa.” 

A principal dificuldade dos sócios era a falta de dinheiro, pois o que tinham para investir em suas eram as rescisões que haviam recebido do emprego anterior. 

“Todo o dinheiro que ganhávamos, tínhamos de reinvestir. Furar a bolha da publicidade é muito difícil. É como a membrana de um óvulo. E quando você acha que entrou, ainda tem uma gestação inteira”

Os sócios tiveram de batalhar para conquistar a confiança das marcas para que elas também acreditassem nos projetos que gostariam de desenvolver. “Nós queríamos criar os roteiros e filmar para trazer a nossa linguagem”, diz Jorge. 

Entre as criações da Casa de La Madre ele cita o videoclipe Contatinho, de Luan Santana e Nego do Borel, e o curta Reencontro, produzido para a companhia aérea Latam, que chegou a ser apresentado no festival LA Shorts, em Los Angeles.

“NÃO GOSTO DAQUELES FILMES EM QUE TUDO É PERFEITINHO”: A ORIGEM PERIFÉRICA PERMANECE FIRME NO OLHAR

Após oito anos de parceria, Jorge e André encerraram a sociedade na Casa de La Madre e seguiram caminhos separados. 

Foi aí, em 2019, que Jorge fundou a Bravo Film Company. “Gosto de trabalhar com histórias em minhas produções, trazer sempre um elemento narrativo para conseguir impactar e prender a atenção de quem está assistindo”, diz.

Nesse sentido, afirma, sua origem periférica se torna uma vantagem competitiva:

“Ter nascido pobre me traz vantagens porque tive contato com o mundo real. Não cresci em uma bolha estéril. Isso me ajuda a criar imagens com texturas que trazem traços da realidade, o que cria conexão com as pessoas. Não gosto daqueles filmes em que tudo é perfeitinho”

No ano seguinte, movido por aquele desconforto antigo provocado pela falta de diversidade no mercado publicitário, Jorge empreendeu de novo e fundou a Bamboo Stock. 

Sua experiência profissional é um trunfo que vem a calhar na hora de apurar a curadoria. “Eu vim da fotografia, da publicidade, então sei o que os clientes buscam quando entram em um banco de imagens”, diz.

ATRAIR MAIS VIDEOMAKERS COLABORADORES PARA ENCORPAR O BANCO DE IMAGENS AINDA É UM DESAFIO

Jorge afirma que empresas como Globo, Ambev, Pão de Açúcar e Vivo já utilizaram os serviços da Bamboo Stock.

Para colocar a Bamboo no ar, ele investiu 1 milhão de reais. Um desafio foi construir um sistema de armazenamento e licenciamento dos arquivos. Jorge contratou desenvolvedores para criar a plataforma: 

“Eu me preocupava com a navegabilidade do site, que fosse um sistema simples para quem busca e para quem forneceria as imagens. Precisava ser algo que as pessoas pudessem resolver por si mesmas sem precisar entrar em contato com um suporte”

A Bamboo, diz Jorge, oferece uma porcentagem atraente: 60% sobre o valor da venda (enquanto a prática nesse mercado varia entre 15% e 45%).

Mesmo assim, ele diz que ainda não atingiu o número planejado (e não revelado) de imagens no banco. “Achei que ia encontrar vários produtores com imagens arquivadas querendo vendê-las de maneira prática e rápida… ” 

Quando começaram a surgir os primeiros interessados, as imagens não passaram pelo crivo da empresa. “Do que recebemos, apenas 15% são aprovados.” Para solucionar esse problema, Jorge quer lançar um curso online a ser oferecido aos videomakers interessados em colaborar. 

Ele diz que espera reaver o capital investido na Bamboo em cinco anos. Por enquanto, as duas empresas seguem suas trajetórias paralelas:

“A Bamboo pode alimentar a Bravo e vice-versa. Mas a Bravo já depositou a contribuição que precisa para a Bamboo. Quero agora conseguir atrair outras produtoras.” 

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