por Rodrigo Viera da Cunha
Talvez como sinal dos tempos, o TEDSummit de 2016, a primeira experiência do TED ao estilo festival, nas belíssimas montanhas de Banff, no Canadá, começou absolutamente existencial. A primeira sessão tinha o nome de “I, Human”. Eu, humano — o que significa isso, exatamente? Desde reflexões frescas sobre Brexit, passando por altruísmo, alma, sinapses e até modificação genética, é interessante ver este tipo de reflexão abrindo uma sessão do TED.
Vou deixar a fala mais provocadora para o final e começar falando sobre uma discussão da qual participei na manhã de domingo. Mais de 400 organizadores de TEDx estavam reunidos para pensar o futuro e próximos passos dos mais de 10 mil eventos do TEDx pelo mundo. De 11 assuntos que estavam distribuídos pelo Banff Centre (considerado um templo da criatividade), o tema que mais me chamou a atenção — e tem chamado ultimamente — foi “Human Potential”. Eram 40 pessoas na sala.
Fiquei pensando que para libertar o potencial humano, é preciso que nós sejamos melhores seres humanos. Trouxe esta discussão para o grupo. Alguns compraram, outros não. Aqueles que não compraram estavam preocupados em trazer algo prático para a discussão. Tudo muito prático. Às vezes, prático demais. A questão que coloco aqui e que vale também para o seu negócio ou empreendimento é: “Com qual intenção você está fazendo o que está fazendo?”. Já parou para pensar? É para ganhar dinheiro e sair na capa da revista? É para ter uma vida mais confortável? É para deixar um legado no mundo? É para provar para seu pai que você podia?
A camada superficial da nossa existência nos leva a entrar na roda do hamster: correndo, correndo, e ficando no mesmo lugar. Então, consumimos produtos, serviços, ideias e sonhos sem nem saber direito por que estamos fazendo isso.
Por que mesmo vamos participar daquela reunião? Por que estamos nos associando a determinada pessoa? Por que vou assinar com o primeiro investidor que passar na minha frente? De novo, qual a intenção de determinado ato?
Estou entrevistando pessoas para o livro Humanos de Negócios, que comecei a escrever. A ideia é contar histórias de pessoas que passaram por dilemas importantes na sua carreira — como todo mundo passa — mas tiveram a coragem de tomar as decisões baseadas nas suas crenças pessoais. Crenças que constroem uma realidade e uma história de vida a partir do jeito que o indivíduo enxerga o mundo.
Foi impossível não pensar nisso ao ouvir a história de Isaac Lidski. Ele entrou no palco como qualquer palestrante do TED e disse algumas coisas sobre realidade e percepção. E então disse que falaria cinco coisas sobre ele e que uma delas não era verdade. A quarta coisa que ele disse foi que tinha uma doença genética que gradualmente foi tirando a visão dele até ficar cego. Com o olhar na plateia — elegantemente amplificado pelas câmeras do TED — jamais diria que ele não podia enxergar. Mas aí estava o ponto central da sua fala. O jeito que criamos e enxergamos nossa própria realidade. Quando disse que entendeu que havia perdido a visão, Lidski foi invadido por medos e inseguranças de que sua vida seria de extrema dependência de outros. Então, começou a lidar com esta nova realidade e transformou seu jeito de enxergar a vida. Anotei as passagens principais da fala dele para compartilhar aqui:
“Ficar cego, me fez enxergar a vida com olhos bem abertos. O que vemos não é a verdade universal ou a realidade objetiva. Nós enxergamos a realidade relativa. Você cria a sua própria realidade e acredita nela. Perder a visão traz uma maneira de moldar sua existência. O medo distorce sua realidade e ele é como uma profecia de auto-realização que se confirma cada vez que você o alimenta. Como você pode viver sua vida com os olhos bem abertos e ser responsável por cada momento, pensamento, detalhes e enxergar além de seus medos? O medo é uma crítica que você percebe e bloqueia sua realidade. Eu escolhi bloquear este medo e construir uma vida abençoada. Helen Keller [escritora americana, cega] disse certa vez: ‘pior que ser cego é poder enxergar mas não ter visão’. Eu tive visão depois que fiquei cego.”
Lidski ainda contou ao final que é CEO de uma empresa e, como não consegue ter feedback visual das pessoas, existe um esforço enorme de fazer a comunicação verbal ser a mais precisa possível, sem ambiguidades. E sua empresa está indo bem, obrigado.
De repente, depois desta fala, todas as coisas pequenas que te incomodam no dia-a-dia vão embora automaticamente e te fazem pensar o que você está fazendo com sua vida
Falando sobre o que estamos fazendo com nossa vida, veja esta: a última fala desta sessão foi a de Juan Enriquez, um assíduo frequentador do palco do TED. Em 2013, tive a honra de ser convidado por Chris Anderson, curador do TED, para o TED Braintrust, um encontro em Santa Barbara, na Califórnia, para discutir os temas da próxima conferência, com pessoas como o próprio Enriquez, Stewart Brand, Stefan Sagmeister, John Maeda, Steve Cook, entre outras.
Entre diversas coisas inspiradoras que aprendi lá, Enriquez nos contou sobre o livro que estava escrevendo, chamado Evolving Ourselves, e as implicações morais da jornada de autoevolução. O livro foi publicado e a fala dele foi um belo resumo da obra, com perguntas pra lá de indigestas. Começando com a seguinte questão: “trabalhar na evolução do corpo humano é algo ético?” Esta pergunta traz implicações interessantes. Vamos pensar que a principal questão dos problemas que enfrentamos hoje esteja relacionada à desigualdade. Thomas Piketty escreveu no livro O Capital no século XXI recentemente que a concentração de renda só tem aumentado. Por conta disso, os mais ricos são cada vez mais educados e cada vez mais têm acesso à ferramentas que podem melhorar suas vidas.
Agora, imagine se começarmos a falar de transformações genéticas que podem, por exemplo, aumentar nossa capacidade cognitiva, ou mesmo nossa capacidade de reação aos estímulos externos. Imagine se você pudesse ter a capacidade de reagir mais rapidamente e de maneira mais inteligente a uma pergunta de um consumidor, investidor ou jornalista. Ou mesmo para aumentar sua capacidade de concentração e assim ser mais eficiente no trabalho e poder passar mais tempo com a família? Os mais ricos teriam, obviamente, acesso em primeira mão a maneiras de causar a própria evolução, correto? Isso é ético?
De certa maneira, já estamos fazendo isso há um bom tempo. Marca-passos no coração, próteses mais eficientes que aumentam a capacidade de escalada, por exemplo, como as desenvolvidas por Hugh Herr, do MIT. Anthony Atala já está imprimindo órgãos como rins. Em breve, poderemos reprogramar as células para absorver mais oxigênio ou então filtrar substâncias indesejadas para nosso corpo. Isso é ético?
Para responder esta pergunta, Enriquez projetou o que ele chama de “ultimate selfie”, a foto que a Voyager 1 tirou da Terra em 1990. A mesma foto que originou o filme Pale Blue Dot, de Stephen Hawking. E lembrou que tivemos cinco extinções em massa no Planeta até hoje. Ou seja, muito possivelmente, teremos a sexta extinção em massa e talvez a humanidade não sobreviva. Neste caso, evoluir nossos corpos, transformar nossas células para podermos respirar em Marte, por exemplo, seria uma questão moral imperativa. Ou seja, não é uma questão ética. Para Enriquez, precisamos, sim, evoluir.
Pensando um pouco sobre deixar a Terra em busca de outros mundos, existe um ponto de atenção aí: imoral mesmo é o jeito como cuidamos do nosso Planeta, tratando-o como se uma fosse uma lata de lixo gigante e poluindo as águas e o ar que nós mesmos bebemos e respiramos
Voltando à pergunta inicial: qual nossa intenção com tudo isso? Com a necessidade de evolução do corpo humano, com a necessidade de busca por outros planetas? Quanto mais entendemos sobre nossa frágil existência neste planeta, mais questões como estas vão surgir. E o que isso tem a ver com negócios? Possivelmente, nada. Provavelmente, tudo. Nossas decisões e nossas intenções moldam a maneira como vamos construir nossos negócios. Para libertar o potencial humano, é melhor que sejamos humanos melhores antes disso. Agora, vale a pena ser tão existencial em nosso dia-a-dia nos negócios? Não sei, isso só depende de sua intenção.
Rodrigo Vieira da Cunha, 39, é sócio-fundador da Profile, sócio da LiveAD e embaixador-sênior do TED para o Brasil.
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