Que tal um assistente para achar tendências e gerir coleções de moda com inteligência artificial?

Marília Marasciulo - 18 dez 2018
A interface que Thiele e Renan criaram permite o acompanhamento de cada etapa da produção com poucos cliques.
Marília Marasciulo - 18 dez 2018
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O trabalho de Donna é apontar tendências de moda. Para tanto, desde 2016, “ela” varre a web em busca de informações sobre desfiles no mundo todo. Nenhum detalhe lhe escapa: cortes de camisas e vestidos, modelagens, cores, estampas. No início, ela se confundia um pouco, mas agora acerta na mosca. E está treinando para, no futuro, conseguir determinar tendências por público alvo. Como ela consegue fazer esse trabalho de vidente? Simples: Donna é uma inteligência artificial. Ela foi criada pela startup catarinense Coleção.Moda, a primeira do Brasil a desenvolver uma ferramenta totalmente voltada para o gerenciamento de coleções, o que inclui um robô para prever tendências.

Para a maioria dos consumidores, que só veem as peças de roupas nas araras, o processo para que as peças cheguem até ali é desconhecido. Mas ele é longo, complexo e, principalmente em marcas e confecções de pequeno ou médio porte, ainda feito com caderninhos e planilhas que mais parecem saídos do século passado.

Em geral, funciona assim: o estilista determina a estação da coleção e começa a trabalhar na combinação de produtos, que são divididos por famílias, estampas e modelagens, por exemplos. A ideia é criar um mapa com todas as 60 a 100 peças que uma coleção costuma ter. E aí imprimi-lo para visualizá-lo e coordenar a produção. O problema é que isso gera muita confusão. Acompanhar o desenvolvimento de cada uma das peças — do desenho à compra de tecidos aos acabamentos na costura — pode virar uma grande dor de cabeça.

Donna, a inteligência artificial criada pela Coleção.Moda, é capaz de “ver e catalogar tudo” do mundo da moda.

A designer de moda Thiele Biff, 32, sabe bem o que é isso. Natural de Araranguá, no sul de Santa Catarina, Thiele vem de uma família que tem confecções. Quando se formou na faculdade, virou estilista de algumas empresas em Criciúma, cidade vizinha. Cinco anos depois, resolveu abrir o próprio estúdio para desenvolver coleções para marcas de pequeno a médio porte.

Muito metódica, elaborou processos para agilizar a criação e conseguir atender o maior número de clientes possível. Mas mesmo o melhor método a limitaria à sua capacidade humana de gerenciamento. Até que no fim de 2015, quando perdeu uma coleção na qual tinha passado horas trabalhando, seu marido, Jonatas Pavei, 33, sugeriu que ela considerasse automatizar o processo. Ela conta:

“Como eu não entendia nada de tecnologia, não conseguia enxergar meu método dentro de alguma ferramenta”

Mas Jonatas, que já trabalhava com startups de tecnologia, enxergava tudo claramente. Ele sugeriu criar uma ferramenta que transportasse todos os processos feitos manualmente para uma interface online, encarregando algoritmos de analisar se uma estampa já havia sido utilizada recentemente e o que ainda era preciso criar para ter uma coleção completa e equilibrada. Além disso, acreditava na possibilidade de desenvolver uma inteligência artificial que analisasse as tendências globais e apontasse quais eram as mais recomendadas para o público alvo da marca.

PARA A EMPRESA SURGIR, FALTAVA UMA PEÇA

No fim daquele mesmo ano de 2015, Thiele e Jonatas inscreveram o projeto no Sinapse da Inovação, um programa de incentivo ao empreendedorismo inovador realizado pela Fundação CERTI. Ao passarem da primeira fase, perceberam que precisariam de mais um sócio. Jonatas se lembrou, então, de um estagiário da startup onde trabalhava, Renan Goulart, 28, na época recém-formado em Engenharia Eletrônica pela Universidade Federal de Santa Catarina.

Renan estava indeciso entre cursar um mestrado no Canadá ou em Florianópolis. Resolveu aceitar a proposta de Jonatas e se unir ao projeto. Em fevereiro de 2016, no mesmo dia em que se qualificou para o mestrado, soube que a decisão foi correta: das 1 719 ideias inscritas no Sinapse, a Coleção.Moda foi uma das 100 selecionadas para receber o aporte de cerca de 100 mil reais, 30 mil dos quais deveriam ser dedicados à contratação de bolsistas.

Contrataram então dois programadores e começaram a trabalhar no projeto. Passaram 2016 desenvolvendo a ferramenta. Ela não desenha por ninguém, mas permite o upload de fotos das peças. Também tem um painel de coleção, no qual o usuário pode fazer uma espécie de “gabarito” para indicar o estágio da produção da peça. Com poucos cliques, é possível saber exatamente o que falta para a coleção ficar pronta e ir para as lojas.

A cereja do bolo seria a inteligência artificial para prever as tendências. Thiele fala a respeito:

“A gente queria criar algo que enchesse os olhos de quem trabalha com moda mas nem sempre pode contratar um estilista ou fazer viagens para coordenar a produção”

Aí a coisa empacou um pouco. Os sócios demoraram até se sentirem prontos para lançar o produto no mercado. Parte disso porque encontraram barreiras do setor de tecnologia para lidar com moda. “Era bastante frustrante, víamos muitas inovações em tecnologia, mas nunca voltadas para a moda, que é um mercado enorme. O Brasil é o quinto país do mundo quando o assunto é número de confecções, são mais de 80 mil”, conta Thiele. “Vivíamos em uma montanha russa, falávamos com estilistas e eles iam à loucura, falávamos com investidores e ninguém nos dava bola”

A frustração diminuiu o ritmo, encaixar o empreendimento na rotina se tornou um desafio. “O foco acabava sendo no ganha pão”, diz Thiele. Não fosse o Jonatas, contam Thiele e Renan, eles teriam desanimado de vez, focando somente no estúdio, no caso dela, e no mestrado, no dele. Jonatas empurrou os sócios para manterem o negócio de pé.

Uma das mudanças que adotaram foi estabelecer uma cultura de se encontrarem pessoalmente, já que no início resolviam tudo à distância, o que acabou esfriando a relação. Em 2017, passaram no programa Inovativa, do Sebrae, no qual receberam mentorias semanais que ajudaram a fazer o negócio andar. Foi por causa dele que decidiram monetizar o que tinham. “Não adiantava ficar colocando dinheiro na ferramenta para deixá-la bonita, esperando a inteligência artificial ficar pronta”, afirma Renan, o responsável por desenvolver o algoritmo.

Em outubro daquele ano, o trio lançou o primeiro mínimo produto viável, mas só começou a comercializar de fato em fevereiro de 2018. A ideia era oferecer diferentes pacotes de mensalidade para o uso da ferramenta, de acordo com o número de usuários. Os valores variavam entre 390 reais para o mais básico, com seis usuários, até 790 reais.

Para captar usuários, eles começaram liberando versões de teste para os clientes do estúdio de Thiele. O objetivo era vender a ideia, mostrar que a ferramenta de fato ajudava em todo o processo. A partir disso, foram se adaptando: perceberam, por exemplo, que muitas confecções tinham apenas um gerente, que pediam valores mais amigáveis para somente um acesso. Reduziram o valor para 190 reais para apenas um usuário.

Os sócios também perceberam que precisariam trabalhar mais em cima do marketing do produto. Inicialmente, estimaram que levaria cerca de 15 dias para fechar uma venda. Na realidade, o período chega a dois meses. “Alguns estilistas têm resistência, acham mais cômodo seguir na rotina do que aderir a uma coisa nova”, conta Thiele. Mas quando se acostumam com a ferramenta e veem que ela ajuda a otimizar o tempo, eles se apaixonam — especialmente agora que a inteligência artificial está em sua “versão 2.0”, como explica Renan, e já consegue fazer previsões certeiras.

“Escuto de muitos clientes que eles não se imaginam mais sem o CM”, diz Thiele. “Vemos muitas empresas de moda dando tiros para todos os lados, apostando em realidade virtual, inteligência artificial, mas poucas encontraram uma maneira de cativar, de fato, as pessoas.”

Embora eles recém tenham começado a monetizar em cima do produto e sejam relativamente jovens — até o momento, são 21 usuários inscritos, com previsão de 40 até o fim do ano — os sócios acreditam no potencial do que criaram e não diminuem a ambição. “As fashiontechs estão vindo com tudo, e nós estamos surfando essa onda bem na crista”, diz Thiele. Para o ano que vem, esperam captar mais 200 clientes e, quem sabe, internacionalizar o negócio. “O processo de criação de coleções é igual no mundo todo, inclusive já conversamos com uma pessoa interessada no Japão”. O próximo desafio de Donna, ao que tudo indica, vai ser aprender japonês — e talvez outras línguas.

DRAFT CARD

Draft Card Logo
  • Projeto: Coleção.Moda
  • O que faz: Ferramenta de inteligência artificial para gerir coleções de moda e identificar tendências
  • Sócio(s): Thiele Biff, Jonatas Pavei e Renan Goulart
  • Funcionários: 3 (os sócios)
  • Sede: Florianópolis
  • Início das atividades: 2015
  • Investimento inicial: R$ 110.000
  • Faturamento: R$ 4.000 por mês
  • Contato: [email protected]
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