Quando sua mãe ficou doente, Juliana Mauri, 40, teve o primeiro contato com a pesquisa clínica. Dona Yara era portadora de esclerose e, segundo a filha, teve uma sobrevida maior graças a tratamentos com células-tronco.
Foi nessa época que ela se aproximou do tema. “Eu tinha aquele desejo de fazer medicina, porque achava que iria salvar minha mãe, mas acabei cursando biomedicina”, diz Juliana, que se especializou em pesquisas oncológicas e hematológicas.
“Vai fazer 15 anos que minha mãe faleceu, mas ela é uma grande motivadora para que eu continue e persista nessa área”
Há 11 anos, Juliana atua como gerente do núcleo de pesquisa e ensino do IBCC Oncologia e há quatro resolveu empreender nesta área, cofundando a LifeTime, ao lado do também biomédico André Andrade.
A plataforma — recém-selecionada para integrar o ciclo de aceleração InovAtiva de Impacto — tem como objetivo resolver um dos principais gargalos da pesquisa clínica: o recrutamento de voluntários. E faz isso conectando pacientes elegíveis a tratamentos inovadores a centros de pesquisa clínica, além de divulgar e aproximar as pessoas desse tema.
Até o momento, mais de 270 voluntários foram encaminhados para participar de 21 estudos clínicos em andamento dos mais de 100 registrados na base da LifeTime, a maioria na área oncológica.
Na prática, a LifeTime ajuda médicos a consultar em sua plataforma pesquisas em andamento.
“A plataforma auxilia médicos que não fazem parte do universo da pesquisa, que estão nos seus extremos de atendimento — por exemplo, em uma UBS –, a encontrar um protocolo de pesquisa em que seus pacientes se encaixem”, afirma Juliana.
Por outro lado, diz André, a startup também quer empoderar os pacientes a buscar essa pesquisa em sua plataforma por conta própria e se candidatar aos tratamentos:
“A gente quer empoderar o paciente justamente para que a sociedade não continue sendo ‘médico dependente’, porque nem sempre o médico sabe o que é pesquisa clínica. No Brasil, no geral, os profissionais da área de saúde não têm pesquisa clínica em seu currículo da faculdade. Então, a ideia é que o próprio paciente leve ao especialista essa oportunidade”
Juliana complementa: “Esses protocolos não devem ser indicados só para pacientes que estão no final de vida. As pessoas falam assim: ‘Já que não tenho nada para fazer, vou para pesquisa’. Não… Hoje se trata com pesquisa clínica quem acabou de receber o diagnóstico, porque às vezes essa pessoa ainda está na fila de espera para fazer uma consulta.”
Mesmo que chegue ao centro de pesquisa de forma independente, ou seja, sem encaminhamento médico, o paciente terá acompanhamento de especialistas, que pedirão uma série de exames para garantir que a pessoa se encaixa naquele protocolo, de acordo com critérios de inclusão e exclusão (isso é feito a fim de garantir segurança para tomar determinada droga).
E caso não se encaixe nos requisitos para tratamento alternativo, ela receberá do centro o que de melhor já é disponibilizado no mercado. Tanto essa segunda opção quanto os protocolos de estudo, diz André, são sempre oferecidos de forma totalmente gratuita.
“Tudo isso é custeado pela indústria farmacêutica. Então, é como se a pessoa tivesse acesso a um tratamento particular. Isso gera um grande impacto social, porque assim conseguimos tirar da fila alguém que estava aguardando para fazer exames no SUS, por exemplo”
Por questões éticas, as farmacêuticas não podem recrutar diretamente voluntários para estudos com seus medicamentos. Por outro lado, segundo André, os centros de pesquisa que deveriam fazer isso muitas vezes não são digitalizados.
É aí que a LifeTime entra em cena, com um modelo de negócios que cobra das farmacêuticas para divulgar seus estudos e ajudar a conseguir interessados em participar deles por meio de diversas iniciativas, como a plataforma e representação e divulgação em eventos de associações de pacientes.
É uma relação ganha-ganha, segundo André:
“Quanto mais rápido um protocolo é aprovado, mais rápido a indústria vai recuperar o investimento e mais rápido o tratamento chegará ao SUS e será incorporado a tratamentos”
Por enquanto a startup ainda não tem nenhum cliente pagante, porque está focada, primeiro, em expandir sua base de centros de pesquisa. Os empreendedores já estão prospectando e isso deve acontecer logo, ainda mais após a aprovação do PL 7082/2017 em 2023.
O projeto de lei aborda questões como insegurança jurídica, tempo de aprovação de pesquisas e fornecimento de medicamentos experimentais, podendo impulsionar o setor no Brasil, que hoje ocupa o 20º lugar no ranking global de estudos clínicos — mas teria potencial de chegar à 10ª posição, segundo o Guia Interfarma.
Para mostrar os impactos da pesquisa clínica, os cofundadores compartilham o caso de Jocy Silva, que fez um relato no Instagram da LifeTime sobre sua experiência.
Juliana conta que Jocy sentiu uma dor ao amamentar e procurou atendimento médico, mas foi negligenciada algumas vezes. Ao longo de um ano, acabou ficando perdida sobre o que fazer.
“Até que uma das nossas médicas parcerias passou a atender o caso dela em Itapecerica da Serra. Quando ela recebeu o diagnóstico, já era uma paciente metastática. A Jocy foi então encaminhada para um protocolo de pesquisa e o depoimento dela mostra o quanto a pesquisa foi importante para que hoje ela tenha qualidade de vida com a filha”
De acordo com a empreendedora, o testemunho nas redes fez com que a LifeTime conseguisse entrar na prefeitura de Embu-Guaçu, cidade vizinha de Itapecerica. “A gente fechou um contrato com eles para falar sobre pesquisa com a Secretaria de Saúde, com os hospitais, e poder levar mais pacientes que estão ali naquele sistema para protocolos de pesquisa.”
A atuação da LifeTime, por enquanto acaba restrita ao Sudeste e ao Sul, regiões que reúnem os grandes centros de pesquisa do país.
André, porém, destaca que a ideia é estar em todo o Brasil, até para trazer mais diversidade e, consequentemente, resultados mais abrangentes.
“Hoje, os resultados dos estudos clínicos ainda são muito voltados a pessoas brancas caucasianas e a gente sabe que é importante trazer essa mistura gênica que o Brasil tem para poder cada vez mais testar essas oportunidades de tratamentos nessa genética”
Atualmente, a startup tem parcerias com nove centros de pesquisa, incluindo IBCC Oncologia, AC Camargo, Instituto do Câncer Brasil e Instituto de Oncologia do Paraná. A meta para atingir essa diversidade e atender mais pacientes é ter um parceiro em cada estado.
Falar de pesquisa ainda é o principal desafio da startup. “Existe essa falta de informação sobre o assunto para o público geral”, diz Juliana. “Para quebrar essa barreira, precisamos levar este tema a mais pessoas.”
Para fazer isso por meio da tecnologia e com uma linguagem mais próxima (leia-se: menos técnica), a startup está aprimorando sua ferramenta de inteligência artificial.
“Temos um chatbot, a Lia, que é nossa grande aliada na hora de trazer algo numa linguagem mais simples para os pacientes. Também estamos estudando como usar o WhatsApp para tirar dúvidas e até recrutar os pacientes”
Além disso, a empreendedora cita como dificuldade a questão do investimento, já que até agora o negócio é tocado com recursos próprios dos sócios.
Mesmo com esses desafios, a dupla de empreendedores não deixa de fazer planos. “Para curto prazo, queremos estar nos principais centros de pesquisa clínica do país. E a longo prazo, queremos trazer o Brasil para a posição que ele merece na área de pesquisa clínica, chegando nas secretarias de saúde para falar direto com a população do SUS, a que mais precisa de nós”, diz Juliana.
Quando o câncer levou sua mãe, Natália Brezinski entendeu que empreender poderia ser uma forma de homenageá-la e seguir em frente. E assim criou a Lieve, marca de cosméticos para a pele sensível de pacientes oncológicos.
De um lado, falta programador no Brasil. De outro, sobram ex-detentos. Conheça o {Parças}, um negócio social que forma egressos do sistema penitenciário para trabalhar com tecnologia da informação.
Pacientes oncológicos acompanhados remotamente vivem mais (e melhor) do que aqueles sem acompanhamento. César Filho e Lorenzo Cartolano empreenderam a WeCancer para aproximar pessoas com câncer e as equipes médicas responsáveis pelo tratamento.