“Inovação colaborativa não é fácil no Brasil, o mercado é muito competitivo. Mas já vejo em empresas essa vontade de fazer em conjunto”

Marina Audi - 24 fev 2022
Renata Ramalhosa OBE, CEO da Beta-i Brasil.
Marina Audi - 24 fev 2022
COMPARTILHE

Concedido pela Rainha da Inglaterra, o título de OBE é a abreviatura de Order of the British Empire, condecoração máxima que um estrangeiro pode receber.

Renata Ramalhosa OBE ostenta o título desde 2019. Um reconhecimento aos serviços prestados ao Reino Unido por essa portuguesa de 48 anos, nascida na África, em São Tomé e Príncipe.

Depois de estudar Engenharia Ambiental em Londres, Renata passou em uma seleção para trabalhar na Embaixada Britânica em Lisboa, inicialmente com foco em meio ambiente e depois na área de comércio e relações bilaterais. Seriam 18 anos atuando na diplomacia do Reino Unido – 14 em Lisboa e mais quatro como Cônsul Geral Adjunta em São Paulo.

Sua trajetória deu uma nova guinada em 2019, quando Renata deixou o consulado para cofundar a Beta-i Brasil. A consultoria de inovação colaborativa se especializa na concepção e gestão de projetos, desde a estratégia até o desenvolvimento de pilotos, com atuação em 25 países. “Conectamos o ecossistema brasileiro com o mundo, mas também o ecossistema global com o Brasil.”

Sem um pingo de embaraço (ainda bem!), a CEO da Beta-i Brasil diz que adora liderar. No ano passado, o escritório cresceu, segundo ela, mais de 300%. Com 17 colaboradores, soma projetos para Ambev, Boticário, Copel, EDP Brasil, Klabin e Suzano, além do Governo de São Paulo e do Sebrae. 

Confira o papo de Renata Ramalhosa OBE com o Draft:

 

Sua trajetória foge do comum. Você viveu até os 2 anos em São Tomé e Príncipe, na África, passou a infância e juventude no interior de Portugal, trilhou uma carreira na diplomacia britânica e hoje trabalha com inovação e tecnologia no Brasil… Parecem mundos muito distantes. Desde criança você imaginava se tornar uma pessoa “global”?
Sim, minha mãe me contava que desde pequenininha eu dizia que viveria um ano em cada país. Sempre fui curiosa, conhecer outras culturas sempre foi parte da minha motivação. 

Tive uma infância feliz, muito no campo, ao ar livre, [com] brincadeiras de rua. Estudei em uma escola pública. Era bem pacato viver em Torres Novas [a 120 quilômetros de Lisboa], embora o meu pai viajasse muito a negócios e nos levasse. 

Meu pai é economista e ingressou em uma carreira de administração – primeiro, em empresas públicas que estavam a ser estatizadas – depois, ele se envolveu com o 25 de Abril [a Revolução dos Cravos, em 1974, que depôs a ditadura em Portugal] e foi para empresas privadas. 

Portanto, sempre tive esta vontade de ir para fora e o primeiro passo foi ir para Aveiro, onde tirei minha primeira Licenciatura, em Química. Nada a ver comigo na verdade… 

Por que então você escolheu esse curso? E como você se desligou depois da área de Química?
Eu era muito boa aluna. Não sei como era aqui no Brasil, mas em Portugal os bons alunos iam para as Ciências. Acho que fui um pouco arrastada para isso. 

Quando estava cursando Química em Aveiro, um professor percebeu que eu não estava a gostar. Um dia, ele me chamou e disse: “Eu tenho uma oportunidade de uma bolsa de estudos na Inglaterra. Não é Química, mas é algo relacionado com [meio] ambiente. Você gostaria?” Eu disse que sim. 

Meus pais sempre foram bem abertos, então fui para Inglaterra tirar [o diploma de] Química do Ambiente em um programa de troca de créditos entre as universidades. Quem está na Inglaterra já não quer ir embora, não é? Primeiro fui para Manchester, depois para Londres, onde ingressei em Engenharia do Ambiente 

Acontece que a Licenciatura no Reino Unido sempre foi de três anos e, em Portugal, eram cinco. Quando terminaram os três anos, meu pai disse: “Você tem que regressar a Aveiro, vai ter que tirar a Licenciatura portuguesa em Química”. Foi um ano muito difícil, terminei a última cadeira de física pedindo ao professor: “Por favor, me passe! Eu não aguento mais!”. 

Depois, fui para Holanda, tirar o curso em Gestão de Águas e Saneamento, na Universidade de Utrecht. Na sequência, fui para Paris em um programa do governo português, o Contacto, para trabalhar em uma empresa de baterias, a Autosil, para fazer um estudo de viabilidade econômica de reciclagem. E depois, ingressei no governo britânico – onde passei 18 anos. 

O caminho da diplomacia britânica trilhado por você é incomum. Você ia bem na área de gestão ambiental corporativa, chegou a ser premiada na Shell pelo impacto econômico de seu projeto de recém-formada para economia de energia e água na vila de Mullion, na Cornualha… Como você iniciou essa jornada no governo britânico e por quê?
Naquela altura, eu estava em três processos de recrutamento: dois privados – um na área de gestão em marketing, outro na área de ambiente – e o da Embaixada Britânica em Lisboa. Estava confusa. Escolhi a embaixada exatamente pela curiosidade e porque era um lugar onde davam condições que nunca imaginei ter no início da carreira. 

Fui recrutada para trabalhar na área do ambiente, alterações climáticas, mercado de carbono e toda a parte de tecnologias ambientais, o que se poderia motivar em termos de comércio entre Portugal e o Reino Unido. E aí fui para o Imperial College fazer mestrado em Economia do Ambiente, que não terminei porque tive o primeiro filho e não consegui conciliar

Depois, percebi que os níveis de autonomia que eu tinha naquele lugar eram enormes; embora eu estivesse dentro de um contexto diplomático, eu estava com a oportunidade de fazer quaisquer iniciativas que eu imaginasse, desde que conseguisse atingir o objetivo de otimizar as relações comerciais e diplomáticas entre Portugal e o Reino Unido, na área do ambiente. E isso para mim foi muito positivo. Eu gosto muito de ter autonomia. 

Ser uma portuguesa, sem nacionalidade britânica – eu nunca tirei, embora tenha sido várias vezes solicitada a tirar… No fundo, ter um cargo tão relevante como aquele que eu tive aqui no Brasil [onde foi Cônsul Geral Adjunta entre 2015 e 2019], dentro do Foreign Office, não é comum. Diria, talvez, que eu seja o único caso

O sistema britânico é todo muito meritocrático. Realmente, acho que contribuí muito com o meu trabalho para os objetivos que tive durante os 18 anos em que trabalhei na organização. Mas, também, acho que eles quiseram testar, ver como funcionaria. E fez-se uma jornada muito interessante!

A partir de 2008, você esteve à frente de UK Trade & Investment, onde foi responsável por supervisionar as atividades comerciais entre as duas nações europeias. Que desafios você teve que enfrentar?
Sou a primeira portuguesa a substituir um diplomata britânico na gestão de Trade & Investment na embaixada britânica. Esse processo, que chamo de localization, ou seja, ter uma pessoa local em um lugar que era tradicionalmente feito por um inglês, isso já é uma inovação. Entrei no Conselho de Administração da Embaixada Britânica, para olhar as questões da missão diplomática como um todo. 

Tive muito aprendizado, tanto de inteligência emocional quanto de como fazer um detach, separar a minha função do dia a dia daquilo que é a governança da organização… como fazer um detach de eu ser a única portuguesa sentada à volta do board, com os britânicos que, claramente, estavam mais distanciados da organização. Foi muito desafiador. 

Já nessa época você começa a ter contato com o ecossistema de inovação?
Exatamente. Naquela altura, ajudei a Beta-i – que começou a funcionar como uma associação em 2009 – com financiamentos e patrocínios. Levei os sócios ao Reino Unido para trocas, porque Londres já tinha um ecossistema de startups e de venture capital muito bem organizado, pujante. Eu levava especialistas britânicos a Portugal e vice-versa. 

Lembro de dizer ao Pedro Rocha Vieira, hoje o chairman da Beta-i e meu sócio na Beta-i Brasil, que a gente não podia ser amador! Tivemos várias conversas sobre como era importante trazer essa visão positiva para Portugal, que estava em uma crise financeira fortíssima. 

Uma segunda parte do desafio foi vir com o corpo diplomático britânico a São Paulo, certo? Como foi esse processo?
Sempre fui combativa, desafiei o status quo. Questionava não ter a oportunidade de ir para fora de Portugal. Até que a posição foi aberta no Brasil, para diplomatas e não diplomatas. Eu concorri. Foi muito difícil. Fui a Londres para várias entrevistas e fiquei [passei]. Comecei aqui [em São Paulo] em junho de 2015 e o processo começou um ano antes. Para mim, foi um remexer que, há muito, estava a precisar. 

Como a sua família encarou essa mudança?
O meu marido, Pedro, apoiou logo, aliás, como em tudo. Os meus filhos eram menores – Francisco tinha 6 e Antônio, 9. Acho que ficaram um pouco atordoados. Hoje, já não querem voltar mais para Portugal. 

Sempre é uma adaptação complexa: arranjar casa, escola, todo o processo para que as crianças se sintam confortáveis, sem ter o apoio familiar mais alargado. Eu trabalhava muito, portanto, o meu marido foi essencial para a estabilidade da família. 

Lembro ainda com emoção, quando os levei ao primeiro dia na escola. Os colegas brasileiros levantaram-se da cadeira e vieram abraçar os meus filhos. Isso nunca aconteceria em Portugal! Foi tão aconchegante…

Naquele momento, pensei: “Os meus filhos vão ser felizes aqui”, porque percebi que o nível de afetividade e abertura, que vem desde a educação das crianças. Na Europa, não existe essa forma de interagir tão humana e carinhosa que existe no Brasil.

Houve outras adaptações que você fez para assumir como Diretora para Comércio e Investimentos do Reino Unido para o Brasil e como Cônsul Geral Adjunta?
Eu cheguei ao Brasil com uma equipe muito maior que qualquer outra que vim a liderar. Nós tínhamos consulados em Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, São Paulo e Brasília. Era uma equipe grande, cerca de 160 pessoas. Ou seja, toda a dinâmica era muito diferente. 

Sou muito energética, vim com muitas ideias. Lembro de, na primeira semana, a diretora de recursos humanos chegar e dizer: “Renata, ninguém entende você”. Eu respondi: “Como assim? Eu falo português!” (risos). Ainda hoje agradeço, porque pude calibrar, falar mais devagar, perguntar se entendiam.

Ir para fora exige uma aculturação muito importante. Nós temos que estar muito atentos. É bom ter aquilo que eu chamo de “reverse mentors”. É escolher alguns da sua equipe… aqueles que vão te mentorar 

Eu também estava no conselho de administração da missão diplomática aqui no Brasil, eram cerca de 400 pessoas. No segundo ano, passei a olhar estratégia comercial na América Latina toda; aí é outra fase, preciso sempre estar sendo desafiada.

Qual foi o significado para você de ser condecorada com a OBE – Order of the British Empire?
É muito especial. Para receber um OBE, várias pessoas precisam dizer que você merece. É quase que uma candidatura, que alguém lidera e vai buscar testemunhas – pessoas que trabalharam com você, fora ou dentro da organização, que vão justificar, dentro da monarquia britânica, por que a Renata merece um OBE. 

Eu já não estava no governo britânico quando recebi a chamada do embaixador. Fiquei pasmadíssima, porque realmente sugeri algumas pessoas para serem OBE, mas nunca pensei que eu fosse ser uma OBE. E é especial, obviamente destaca o mérito daquela pessoa 

No meu caso, o mérito foi muito nas relações bilaterais que promovi, tanto com Brasil, Portugal e Reino Unido. Temos uma conjugação de todos esses 18 anos, os embaixadores com quem trabalhei, empresários com quem falei… 

É um orgulho ter fechado um ciclo com o Governo Britânico, a que eu tanto me dediquei, com um reconhecimento tão importante por parte de Sua Majestade. Então, é relevante, mostra mérito, honestidade, valores que eu trago comigo. 

Depois de 18 anos atuando na diplomacia britânica, você deu uma grande guinada e cofundou a Beta-i Brasil. Como essa mudança foi sendo amadurecida?
Um ano antes de sair, contratei uma coach para me ajudar, porque não ia conseguir fazer isso sozinha. É um processo mental doloroso e difícil, porque nós achamos que não vamos conseguir fazer mais nada. Avisei ao serviço diplomático que iria sair em um ano e que ia me preparar para essa saída. 

É interessante porque o processo começa com você sem saber o que vai fazer, até ter que escolher. Lembro que quando tomei a decisão, foi quase um ultimato a mim mesma: “Eu já avisei, agora vou ter que sair”. 

Quanto à Beta-i, fui a Portugal em julho de 2018 e disse ao Pedro Rocha Viana que eu sairia do governo britânico. E ele perguntou se eu consideraria abrir um escritório no Brasil…? Respondi que o Brasil é complexo, mas que talvez gostasse daquilo 

Em dezembro, continuávamos a conversar, entretanto eu ainda não estava convencida. Como sou muito risk aware, tinha planos em paralelo. Mas as coisas evoluíram, passei a gostar dessa ideia de criar algo do início. Em agosto de 2019, comecei a trabalhar 100% na Beta-i Brasil em bootstrapping. 

O que fez seus olhos brilharem no modelo da Beta-i global? Tem algo a ver com o modelo de inovação colaborativa corporativa?
O que me agradou ali foi a diversidade de trabalhos. Eu sendo altamente curiosa, tendo uma formação diversa, via a Beta-i com trabalhos de inovação nas áreas de sustentabilidade, economia circular, economia azul, como um braço direito do governo português e de outros governos para criar ecossistemas de empreendedorismo e startups. 

Eu via a Beta-i com mindset aberto, sem as regras que você obviamente tem no governo britânico ou numa corporação. Ou seja, um ambiente muito mais ágil, sem tantos processos que, no fundo, limitam a criatividade e a atuação. 

E me agradava a autonomia que eu iria ter… porque eu iria mandar, né? (risos) Gosto de liderar, tomar decisões, tomar riscos, e não gosto de estar muito amarrada. E faço exercícios para não manter o meu ego tão ativo, porque acho que ele pode ser um problema 

A minha coach dizia que [eu] tinha de criar a minha própria empresa. Mas eu ainda não estava preparada para isso. Eu vinha de um ambiente com muita ajuda. Se eu fosse tentar sozinha, para mim seria um problema. 

É bom ver você assumir que gosta de liderar. Por outro lado, que nível de autocrítica você faz para não pesar a mão, uma vez que interage com CEOs de empresas, empreendedores em startups e sua própria equipe?
Sou bem obcecada pela questão do autoconhecimento, sempre numa perspectiva de querer melhorar como ser humano. 

Assumo que tenho uma personalidade forte que pode ser vista, de certa forma, como intimidadora. Sempre gostei de receber feedback e portanto, fiz muito trabalho nessa questão com coaching e terapia… 

O que para mim é o pilar, a coluna vertebral, é a autenticidade. Sou também muito autocrítica. Aliás, a exigência é algo que me é muito característico. Tenho de aprender a perdoar-me mais 

Ano passado entrei em um curso de Filosofia na PUC-RS, exatamente porque venho da ciência e tinha uma necessidade de aprender mais toda parte das ciências humanas, que se perdeu tanto. Vivemos em um mundo tão acelerado, tão tecnológico, que perdemos o que é a essência do nosso ser.  

Quão importante foi para você começar a deslanchar os projetos de inovação aberta aqui na Beta-i Brasil, a partir da metodologia global?
Foi essencial. Pedi aos meus sócios em Portugal indicação de uma pessoa que conhecesse as metodologias de inovação. André Nunes, que hoje é o meu COO, diretor dos programas, veio com essa bagagem. 

O Brasil é um país muito dinâmico. A diversidade econômica, social e de empresas que vimos aqui não é igual à que nós vimos na Europa 

Logo, tivemos que criar novos produtos que respondessem àquilo que eram as necessidades do mercado brasileiro – que é enorme, quer descentralizar a inovação dentro das empresas, quer trazer soluções rápidas de startups para ajudar as unidades de negócio a resolverem seus desafios anuais…

Além do “Open”, o ciclo longo de inovação aberta [dura de nove a 12 meses], do “Shift”, o programa de intraempreendedorismo, e do “Start”, nosso programa de aceleração, já criamos dois novos produtos no Brasil. Um de estratégia de inovação – o “LAB”, que desenha Corporate Venture Capital e Corporate Venture Building – e outro de fast track de inovação aberta, o “Connect”, ciclo curto [de dois a quatro meses] 100% online 

O aprendizado que tivemos neste mercado altamente maduro e sofisticado das empresas que querem inovação tem influenciado muito daquilo que é a Beta-i como estrutura no resto do mundo. 

Uma proposta da Beta-i Brasil é trabalhar a inovação colaborativa – trazer empresas que concorrem entre si para achar uma solução que sirva para todas…
Esta é uma das diferenças que trazemos para o mercado. Fazemos de duas formas. Uma é entre concorrentes, que nós chamamos de peers. Ou seja, é partilhar os desafios, colher aqueles que trazem mais impacto para o setor como um todo e, em conjunto, trazer as soluções a todo mundo. 

Vamos tentar fazer pilotos e investimentos em conjunto. Portanto, é altamente complexo a forma de gestão do processo de inovação colaborativa. Há toda uma questão desse consórcio que a Beta-i faz, com uma governança clara e processos transparentes.

Já fazemos isso na área de energia, temos o maior programa de inovação aberta do mundo, o Free Electrons, em que dez empresas de energia de várias geografias do mundo trabalham em conjunto para alavancar o setor. 

A segunda forma é a inovação para uma cadeia de valor. Aí nós trabalhamos muito a economia circular, uma área que eu particularmente gosto e quero trazer para o Brasil. É como vamos, por exemplo, retirar plástico das embalagens do supermercado? 

Fizemos isso na França, com o Carrefour e toda a cadeia de fornecedores deles, que tinham plástico nas suas embalagens, para responder a uma diretiva europeia. Portanto, são programas que podem chegar a dez, 15 parceiros trabalhando em conjunto com o mesmo objetivo. 

Aqui o papel da regulamentação é muito importante. Se até 2030 o plástico tem que sair das embalagens, as empresas têm que inovar se querem atingir esse objetivo. Senão, são multadas. 

Portanto, há um incentivo para que haja colaboração entre os concorrentes de mercado, porque dilui o investimento e chega mais rapidamente a uma solução. 

Você vê diferença de aceitação desse conceito de inovação colaborativa no Brasil, em comparação à Europa?
No Brasil não tem sido fácil. Já tentamos na área da mobilidade, por exemplo. No final do ano passado, lançamos aqui o Bluetech Accelerator [programa de aceleração do Ministério do Mar português e da Fundação Luso-Americana de Desenvolvimento que seleciona soluções para estrutura portuária].

São dois objetivos muito interessantes: melhorar e tornar mais eficientes as empresas que trabalham na economia azul; e, ao mesmo tempo, criar um ecossistema novo de startups, com novas funções, dentro desta ideia de economia azul. 

Na Europa, nós gerimos o maior programa europeu do gênero, com 348 portos que inovam em conjunto para alavancar a gestão portuária. Não é fácil aqui [no Brasil], o mercado brasileiro é muito competitivo – embora eu já veja em algumas empresas essa vontade de fazer em conjunto 

Adoro a inovação colaborativa. É aquilo que vai resolver os verdadeiros desafios do mundo. Nós ainda não conseguimos fazer nenhum no Brasil. Ainda não conseguimos montar este consórcio que permite essa colaboração. 

Entre os projetos que a Beta-i Brasil já fez: pode falar sobre o programa de aceleração Inova Amazônia, em parceria com o Sebrae nacional, com foco em bioeconomia na região Norte do país?
Este é um sonho que está no início. Quando comecei com a Beta-i Brasil, disse que queria contribuir para a Amazônia. O Sebrae nos convidou a desenvolver o programa com o objetivo de criar um ecossistema de bioeconomia nos estados do Amazonas e de Roraima… fizemos uma chamada pública em novembro e estamos a trabalhar até com comunidades indígenas. É um projeto incrível! 

(A Beta-i é responsável pela jornada de ideação e aceleração de 100 startups early-stage, metade vinda de cada um dos estados participantes.)

O que este projeto quer trazer é um conhecimento local da biologia da Amazônia e reverter isso em algo economicamente viável. Portanto, pode surgir desde um medicamento, algo para bem-estar… pode ser algo para a indústria cosmética ou para indústria alimentar

A Amazônia é o maior ecossistema natural do mundo e nós temos que contar as histórias positivas de lá. Hoje em dia, ela é vista como o maior asset natural do mundo, mas também como a pior história do mundo. E há muitas histórias positivas na Amazônia que ninguém conhece ninguém fala. 

Há uma quantidade de projetos de negócios de banco alimentar bioquímicos, mapeamento do estoque natural… e a cultura que existe na Amazônia é absolutamente incrível. Neste momento, estamos na fase de pré-aceleração, dando mentoria, antes de entrar na aceleração propriamente dita.

Há outros dois projetos que eu gostaria de salientar. O Sebrae Connect, primeiro programa de inovação aberta para o Sebrae de Minas Gerais, no qual fizemos toda a estratégia de inovação para o estado e criamos uma plataforma de conexão entre startups e o pequeno negócio, que sofreu muito com a Covid, para levar a visão da digitalização fácil do business.

E outro que vai muito próximo ao meu coração é o SP Global [iniciativa da Secretaria de Desenvolvimento Econômico do estado de São Paulo promovida pela InvestSP], programa acelerador que visa aprimorar a capacidade de startups paulistas, com o objetivo de acessarem mercados internacionais. 

Dez startups estão a preparar suas estratégias tendo em vista mercados-alvo europeus, em uma imersão com vários especialistas: que tipo de equipe e capacidade financeira precisam ter? Como adaptar o produto? E a precificação?

Eu acredito profundamente que os negócios têm que ser abertos. As startups brasileiras têm que ir para o mundo, podem ter um impacto muito grande… Assim como as startups estrangeiras devem vir ao Brasil. 

Como você vê o ecossistema de startups do Brasil, na comparação com o europeu? Quais as nossas fraquezas e as nossas potências?
Uma das razões pelas quais viemos para o Brasil é exatamente a pujança do ecossistema, que não fica nada atrás dos outros ecossistemas mundiais. Pelo contrário, diria até que é muito mais resiliente do que outros que têm apoios governamentais, ambientes econômicos muito mais abertos, regimes fiscais muito mais fáceis… 

O setor empresarial brasileiro como um todo é resiliente. Quando eu trabalhava com startups e as levava a investir no Reino Unido, costumava dizer: “Se você consegue fazer negócio aqui [no Brasil], consegue em qualquer parte do mundo” 

A única diferença que eu vejo é que ele é realmente muito complexo e difícil. Há regimes fiscal e legal muito complexos, embora o Marco Legal das Startups tenha trazido um “cilindro de oxigênio” incrível para todos! Esse é um marco muito importante que uma política pública pode trazer. 

Se o ecossistema tivesse mais incentivos, se tivesse um ambiente econômico mais aberto, então aí, o Brasil liderava o mundo. 

Quais são as suas expectativas para 2022? Aposta em alguma vertical?
Sim, vamos continuar na área de energia. Ano passado começamos o Copel Volt, criado para aproveitar a sinergia de startups globais com soluções para o setor elétrico, implementando inovações na Copel – Companhia Paranaense de Energia. O programa também visa trazer agilidade no desenvolvimento de novos produtos e serviços, inserindo a Companhia em novos mercados. 

(O Copel Volt acelerou 15 startups – de 286 inscritas de 43 países; cinco avançaram à fase de Prova de Conceito e receberam investimento para potencializar suas soluções e atender aos desafios da corporação.)

Este ano vamos fazer um esforço na área de economia circular. Em 2021, já fizemos um projeto pequenino, o Klabin Connect Deep Tech, programa focado em detectar, globalmente, selecionar e convidar diretamente as dez melhores scale-ups para Prova de Conceito, o que se chama de fit com o desafio. 

A Klabin é a maior produtora e exportadora de papéis para embalagens do Brasil e a única companhia a oferecer ao mercado soluções em celuloses de fibra curta, fibra longa e fluff. Nesse programa, encontramos inovadores globais com soluções que potencializem a criação de novas aplicações inovadoras na área das embalagens. Os pilotos estão em fase de análise.

Uma terceira área é a da saúde, em que também temos muita experiência. E temos trabalhado no desenvolvimento de corporate venture capital. Começamos com um projeto em 2021 e penso que é uma área que parece interessante como uma continuação da jornada de inovação. 

Inovação é uma jornada. Ela não está só na inovação aberta, está em vários pontos e nós gostamos de acompanhar os nossos parceiros. Sou uma crente nas relações. Se a Beta-i conseguir trazer ainda mais sumo através das relações com empresas e pessoas brasileiras, isso vai me fazer feliz!

COMPARTILHE

Confira Também: