por Fernanda Sigilião
Sempre vi a minha carreira como uma escada, onde eu faria sempre o máximo para subir cada vez mais alto. O meu “eu” de 20 anos já era bastante ambicioso e fazia uma projeção linda, digna de filme da Sessão da Tarde, com tudo planejado nos mínimos detalhes. Eu faria uma faculdade “forte” e bem orientada para me colocar rápido no mercado, logo em seguida um estágio numa multinacional para conhecer o “lado do cliente”, depois trabalharia em uma agência de publicidade pequena, uma média e uma global, até atingir o ápice do laureamento olímpico, em que seria transferida para Londres ou outra cidade bem exótica, tipo Xangai, para dirigir campanhas globais de produtos e serviços que as pessoas realmente precisam.
Se estou aqui contando essa história hoje é porque realmente as coisas não saíram como planejado e, na verdade, elas nunca saem. O universo é quântico e hoje eu sei bem disso.
Durante muito tempo, segui o plano e fui feliz, mas a experiência foi me revelando uma realidade bem diferente do que eu imaginava. A competição entre pessoas que deveriam colaborar, a centralização de decisões que impactavam a organização como um todo, a falta de diálogos sinceros e a aversão ao erro de muitas empresas que conheci me fizeram questionar minhas escolhas.
Mesmo trabalhando em uma agência global, mais do que nunca eu me sentia distante da possibilidade de ser transferida. Uma pessoa que estava a mais tempo que eu na liderança da área de planejamento tinha preferência nas viagens internacionais e a minha mãe estava com câncer de pulmão, o que, como se pode imaginar, me fazia ir trabalhar diariamente fragilizada.
Não foram poucas as vezes em que chorei no banheiro, lavei o rosto e entrei em uma reunião em seguida
Não foram poucas vezes que minha amiga Bia me ofereceu abraços na salinha de criação. As pessoas tinham empatia com a minha situação, mas botar luz nessa dor no ambiente de trabalho não era incentivado e nunca me deixou confortável. Eu não queria ser vista como alguém menos produtiva, mais vulnerável, alguém com quem meus colegas não podiam contar 100%. Hoje eu olho para trás e vejo o quanto me tolhi, mas aprendi boas lições por causa disso.
Minha profissão faz parte da minha identidade e do meu processo criativo. Nela, encontro alegria, prazer e por causa dela fiz amigos para vida toda e, como algo que se idealiza e que é idealizado pela sociedade, ela vem repleta de crenças limitadoras e por isso foi extremamente difícil tomar a decisão de sair da publicidade.
Eu via meus amigos empreendendo e via os novos atores da indústria criativa, como grandes consultorias, agências de conteúdo, startups e freelancers, ganhando o mercado. Eu via a necessidade de transferir o foco da publicidade para soluções de negócio e de transformar a relação antiquada entre agência e cliente. Eu sentia, lá no fundo, que tinha competência para empreender uma visão diferente, inclusive em outros países e que, se não fosse a necessidade de estar com a minha mãe em seus últimos momentos e o apoio dos amigos mais próximos, eu não sei se teria conseguido.
Pessoas que sonham e se sentem capazes, mas ainda assim estão inseguras para pular: Eu entendo vocês!
Minha mãe faleceu em abril de 2016 e foi reinventando minha carreira de forma independente que elaborei os primeiros meses de luto. Visitei diversos coworkings no Rio e em São Paulo, ativei contato com algumas pessoas que já estavam empreendendo e recebi orientações que valeram ouro.
Pouco tempo depois, reencontrei um amigo que trazia uma plataforma francesa de conteúdo audiovisual para o Rio e logo nossos papos sobre posicionamento, proposta de valor e comunicação se transformaram em uma consultoria de três meses. Um cliente levou a outro, amigos e colegas que haviam trabalhado comigo foram me recomendando para consultorias de estratégia de marca e comunicação para startups, novos negócios e departamentos de inovação de grandes empresas.
Comecei a fazer o que chamo de Consultoria Participativa, em que junto aos clientes desenho soluções de estratégia e de comunicação para seus negócios utilizando processos colaborativos e meus conhecimentos de planejamento. Comecei a ter a chance de recomendar algumas das pessoas que me recomendavam, criando assim uma rede de parceiros e o negócio foi se desenvolvendo.
Depois de quase dois anos e de dois projetos internacionais como consultora independente, chegava a hora de uma grande decisão: fazer o “família vende tudo” com meu namorado francês e me mudar para França
Eu chegaria lá sem visto de trabalho, arranhando um francês que aprendi de ouvido e com um trabalho remoto para a plataforma de conteúdo francesa com a qual eu já havia trabalhado. O plano era passar duas semanas em Lisboa para conhecer a cena da indústria criativa de lá, tirar duas semanas de férias, e finalizar com dois meses em Paris conhecendo agências, hubs criativos e iniciativas que tivessem a ver com negócios, comunicação e marketing. Eu confiava que esse caminho iria me inserir no mercado.
A tensão por causa do imprevisível era grande e só eu e os algoritmos do Spotify sabemos quantas vezes ouvi a música A vida em seus métodos diz calma, do Di Melo, mas com um pouco de planejamento e bastante energia tudo foi se desenrolando.
Em Lisboa, visitei oito coworkings, tomei café com alguns portugueses envolvidos na área de comunicação e inovação, conversei bastante com amigos brasileiros que foram fazer pós-graduação em Comunicação e Tendências na Universidade de Lisboa e também com alguns jovens portugueses de outras áreas que estão acompanhando as mudanças da própria cidade. Aprendi que a cidade cresce rápido e que apesar dos portugueses ainda serem mais tradicionais, novos negócios e a chegada de estrangeiros tem gerado muitas oportunidades. Tanto brasileiros quanto portugueses apontaram a mesma visão: Existe incentivo para economia criativa e muita coisa ainda é novidade. Os salários e orçamentos para comunicação e marketing ainda são baixos se comparados com o resto da Europa, mas o potencial é visto como promissor.
Em Paris, minha estratégia foi simples: lancei no Facebook um aviso de que estava chegando na cidade e pedi para meus amigos indicarem amigos que moravam por lá (confesso que muito inspirada pelo vídeo da Natalie Ledbetter em no TEDx). Recebi mais de 40 recomendações, todas devidamente anotadas em um excel carinhosamente nomeado de “Netloving @ Paris”. Em 30 dias tomei café com mais de 20 pessoas, entre diretores e presidentes de agências como Google Zoo, Publicis, TBWA/Paris, Dentsu Isobar, produtoras de audiovisual, freelancers, consultores independentes como eu, brasileiros que haviam sido transferidos e mais outras pessoas de diferentes áreas.
Meu primeiro café já se tornou uma grande amizade e, de contato em contato, fui expandindo a minha rede. Descobri também uma comunidade de estrategistas no Slack, alguns coworkings que promoviam happy hours abertos ao público e o grupo Mulheres do Brasil, que abriu recentemente um núcleo em Paris. Em dois meses eu já tinha visto quase todos da minha lista e mais outros, feito quatro entrevistas para posições fixas e prospectado um cliente em parceria com uma produtora audiovisual. O termômetro do mercado estava claro: Não era à toa que Paris disputava com Londres o título de cidade mais inovadora da Europa.
Foi muito útil criar um pitch da minha trajetória, ou seja, saber me apresentar resumidamente em 2 ou 3 minutos
Também foi importante treinar meu lado ouvinte, afinal de contas, networking não é só sobre “work” é sobre conexão entre duas pessoas. Todos tem sonhos, desafios, família e vida social, falar disso e encontrar conexões aí é o que gera lembrança e aproximação. Os franceses buscam te conhecer primeiro antes de recomendar ou convidar para um trabalho, por isso gerar conexão pessoal é fundamental, mesmo que eles pareçam mais fechados. E como diz a Oprah, “telling your truth is the most powerful tool you have”, então compartilhar minha visão e falar dos meus valores e do que eu vivi no Brasil, ajudou bastante também para gerar empatia.
Por último, aprendi a importância de sempre pensar na troca e me perguntar como posso ajudar essa pessoa? Um dos pontos altos do meu networking em Paris foi apresentar uma menina que conheci em um desses cafés e que buscava um novo emprego à um amigo de um amigo que buscava contratar alguém com o perfil dela. O emprego não rolou, mas a conexão foi feita. O networking é sistêmico e a sensação de ser útil para alguém que foi útil para você é muito boa.
Agora, de volta ao Brasil por uma temporada, venho organizar questões de visto e sigo colhendo frutos das sementes que plantei lá. Chego com a certeza de que possibilidades não faltam, tanto em Lisboa quanto em Paris e que como diz a Sheryl Sandberg, COO do Facebook, a carreira é muito mais como um trepa trepa do que como uma escada, onde somos livres para desenhar o caminho que desejarmos, ao invés de olhar apenas para cima ou apenas para baixo. As possibilidades são infinitas, basta confiar!
Fernanda Sigilião, 29, é formada em Publicidade e Propaganda. Trabalha com consultoria participativa de estratégia de marca e, para além disso, as possibilidades são infinitas.
A falência do pai marcou a infância e mudou a vida de Edu Paraske. Ele conta os perrengues que superou até decolar na carreira – e por que largou a estabilidade corporativa para empreender uma consultoria e uma startup de educação.
Na faculdade, Marcos Valeta fez grandes amigos, mas depois cada um foi viver num canto do planeta. O publicitário conta como o vínculo resistiu ao tempo e à distância – até que a decisão de fundar sua própria empresa reuniu o grupo novamente.
Durante 12 anos, Flávia Tafner se desdobrou para acolher Cláudio, seu marido, que sofria de esclerose lateral amiotrófica. Ela conta como transformou essa experiência num livro e o que aprendeu sobre o real significado de cuidados paliativos.