“Ser pai é muito mais que ser provedor. Ninguém te prepara para isso”

Daniel Soncini - 8 dez 2015
Daniel e sua primeira filha, Eva: "A paternidade envolve muita coisa, apesar dos homens às vezes se sentirem coadjuvantes" (foto: Lente Materna Fotografia).
Daniel Soncini - 8 dez 2015
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Por Daniel Soncini

Antes

A paternidade me transformou de todos os jeitos possíveis.

Difícil acreditar, mas talvez não haja nada no mundo que mude uma pessoa como um filho pode mudar. Ou melhor, talvez a mudança tenha começado antes. Quando a conheci.

Quando começamos a namorar ela tinha acabado de ser promovida no trabalho. Era até estranho que estivéssemos juntos. Eu tinha um estilo de vida tranquilo. Tinha me formado em engenharia, mas nunca atuado na área. Preferi seguir a profissão do meu avô e fazer velas artesanais e decorativas. Era o que as pessoas chamam de “artesão”, ou seja, as pessoas viam meu trabalho mais como um hobby do que como uma profissão, embora fosse meu ganha pão.

Mas ela tinha se apaixonado justo por aquilo. Pelo fato de eu fazer o que eu gostava, sem ligar para o que os outros achavam ou para quanto ia ganhar no fim do mês. E dizia que meu trabalho era lindo.

Aos poucos nossas diferenças foram nos aproximando. Mesmo que ela viajasse bastante a trabalho – e, nossa, nunca tinha conhecido alguém que gostasse tanto de trabalhar – conseguíamos nos ver aos finais de semana. E assim foi indo até o avô dela morrer.

Me lembro que aquilo mexeu demais com ela. Era tipo o melhor amigo, confidente. Ela o idolatrava. E, pra lidar com essa dor, que ela dizia que não passava, mergulhou ainda mais no trabalho.

Até um dia se virar pra mim e dizer que queria ter um filho.

Nem morávamos juntos ainda. E confesso que jamais tinha imaginado ouvir aquilo da boca dela.

Mas aquilo, de alguma maneira me preencheu. Eu também queria ser pai, mesmo que não fizesse a menor ideia do que era aquilo.

 

Durante 

Ela estava convencida de que seria menino. E queria dar o nome de Joaquim. O nome do avô.

Vivemos a gravidez acreditando no que o senso comum dizia “faça enxoval”, “faça o quarto”, “compre a cortina da cor do papel de parede”. E nós ainda não sabíamos que um filho traria tanta mudança. Que nada daquilo realmente importava.

Ninguém nos prepara para ser pais de verdade. As pessoas falam muita bobagem em vez de falar das transformações que realmente acontecem na vida da gente

Quase no final da gravidez é que começamos a morar juntos de verdade. Sem casar nem nada.

E aí tivemos que lidar com o primeiro desafio da vida de pais.

Tomar uma grande decisão.

Com 39 semanas, na sala da médica, que queria agendar uma cesárea sem indicação. Nos levantamos e fomos embora.

Lembro que entramos no carro e começamos a chorar, os dois, aliviados. E nas semanas seguintes começou a busca por um médico humanizado. Ela queria muito um parto normal, e eu apoiava. Mesmo que todo mundo dissesse que estávamos loucos de largar um médico no final da gravidez. Ou pior, contrariar um médico que dizia que uma cirurgia era necessária, nós não queríamos aquilo.

Encontramos um cara humanizado. Com quase 42 semanas a nossa filha nasceu.

Ah, sim, era menina. E se chamaria Eva.

Participar do parto era uma coisa que jamais tinha passado pela minha cabeça. E foi o evento mais maravilhoso que podia ter acontecido comigo. No final, eu segurava a mão dela com tanta firmeza, que ela dizia “sou eu que tenho que fazer força, não você”.

Ali, no parto, renascemos como casal. A união que se forma quando se enfrenta alguma coisa juntos é algo que não dá para mensurar

Me lembro que atendi o telefone na sala de parto. A chefe dela comemorava aquele nascimento conosco. Estava ansiosa pra saber se tinha nascido.

Os dias que se passaram trouxeram mudanças. Muitas.

Percebemos que um bebê não desligava num botão. E que não dormia no berço quando saia do colo.

O jeito era ficar com ela no colo a maior parte do tempo. E ela mamava muito. Não sabíamos que seria assim.

Nos revezávamos como dava. Eu tinha que manter tudo funcionando para ela ficar bem. Estávamos completamente apaixonados por nossa filha.

Se antes eu achava que ser pai era ser provedor, depois de passar por aquela experiência, percebi como era muito mais do que isso. Ou melhor, bem diferente

Eu estava mudando, de todas as formas possíveis. Tinha até parado de fumar. Não conseguia chegar cheirando cigarro perto da minha filha, nem imaginar que poderia encurtar a minha vida e ter menos tempo perto dela. E ainda pensava muito em que exemplos eu ia dar, como pai.

E fomos descobrindo outras formas de cuidar. Novas formas de cuidados que íamos aprendendo na prática.

Mas era evidente como a simbiose entre mãe e filha existia de uma maneira que eu mal podia explicar. Elas se conectavam de um jeito tão especial, que eu já sabia como uma estava só de olhar para outra. A verdade é que até o estado de saúde da nossa filha mudava quando a mãe não estava bem. E isso acontece até hoje, cinco anos depois.

Os meses foram se passando, fomos aprendendo a ser pais. E, num dia antes dela voltar da licença, lidamos com a primeira febre da Eva.

Claro que era emocional. E sabíamos. Aquilo adiou a volta ao trabalho. Mas por pouco tempo. Em alguns dias ela voltou. Ou melhor, elas.

A Eva foi com ela todos os dias ao trabalho a partir de então. Até completar um ano, quando começamos a procurar uma escolinha. A procura era difícil. Visitamos alguns lugares e nenhum nos agradava. Mas quando encontramos, não tivemos dúvidas. Seria ali que ela ia ficar.

A semana de adaptação foi bem difícil para as duas. Era como um corte do cordão.

Achei que com o tempo nos adaptaríamos à nova rotina, mas só piorava. Eu acordava às 4 da manhã pra trabalhar e sair às 15 para buscar a Eva na escola, preparar seu jantar, dar banho e passarmos um tempo juntos antes que sua mãe chegasse.

Era raro que tivéssemos um momento dos três: pai, mãe e filha. Estávamos sempre nos dividindo por ela

Assim, os dois iam conciliando as agendas e tinha dias que nem nos víamos.

Teve um dia que ela chegou mais tarde. Bem tarde. Era umas dez e meia da noite, ela tinha ido viajar a trabalho. E a Eva a esperava no corredor.

Eu simplesmente não conseguia acalmá-la. Ela também sentia falta da mãe.

Quando ela entrou pela porta, as duas se abraçaram. E foi nesse dia que ela disse que seu dia como profissional tinha sido perfeito, mas aquele momento era o que a fazia feliz. Nunca pensei que pudesse presenciar o que veio em seguida. Logo ela, que amava tanto seu trabalho e se orgulhava tanto dele, dizendo que queria parar de trabalhar.

Eu propus que eu parasse. Ia ser mais coerente, já que meu rendimento era bem menor. Mas ela não quis. Ela queria mergulhar na maternidade.

Mas era difícil pra mim imaginar o que viria depois. Se já tínhamos nos redescoberto como pais, teríamos que mudar nosso estilo de vida drasticamente pra dar conta daquela decisão. E foi o que fizemos.

 

Depois

Em casa, acabamos ficando num momento familiar melhor. Tínhamos tempo para ficarmos os três juntos. E assim acabamos planejando a segunda filha, que nasceu na nossa casa.

Foi o maior momento da minha vida. Ficamos o trabalho de parto todo juntos, só os dois, até a parteira chegar. E veja só que ironia, a avó falecera justo no dia do nascimento. O que fez com que a coisa toda mudasse de figura.

Sem ninguém da família, encaramos sozinhos o trabalho de parto. E quando a Aurora nasceu, empelicada dentro da bolsa, sabíamos que aquilo era um presente divino.

Só podia ser.

Os seis meses que vieram depois foram bem difíceis. Cuidar de um bebê não é fácil. Com uma criança maior querendo atenção, era mais difícil ainda.

Nos dividíamos como podíamos, e ficamos os dois muito cansados. Ah, e tinha um detalhe: como Aurora era intolerante a glúten e leite, tinhamos cortado muita coisa do cardápio por causa da amamentação.

Chegou um momento que Eva e Aurora ficaram doentes, juntas. E o pediatra perguntou: “você tá feliz?”.

Ela não estava. Mas não queria admitir. “Como eu não estou feliz se tudo que eu queria era ficar com minhas filhas em casa?”, ela me dizia.

Sentia falta do trabalho. Sentia falta dela mesma.

Nós dois não éramos os mesmos. Tinhamos nos tornado pais e esquecido de nós, de quem éramos antes delas nascerem

A crise como casal veio. Intensa. Só que o que toda crise ensina é que temos que nos reinventar. E foi o que fizemos.

Ela começou a se conectar com outras mulheres que sentiam o mesmo que ela tinha sentido. Nos unimos novamente.

Só que a volta ao mercado de trabalho não seria tão simples como imaginávamos. Aliás, a volta de uma mãe ao mercado de trabalho é desafiadora, em todos os sentidos, e eu presenciei isso de várias formas.

Em vez de se frustrar, ela tentou falar com outras mulheres para entender como cada uma fazia, e percebeu que era uma coisa muito mal resolvida para todo mundo. E foi assim que ela criou o Mãe At Work, para discutir sobre isso com outras mães e dar visibilidade para outras práticas.

Aos poucos as coisas foram se ajeitando.

Hoje sei que a paternidade também envolve muita coisa. Muito mais do que dizem por aí, apesar da maternidade ser exaltada e, às vezes, os pais se sentirem coadjuvantes no processo

Hoje temos outros grandes desafios pela frente. A criação dos filhos vai exigindo de nós muito mais do que supúnhamos. Nos desconstruímos como seres humanos, mudamos paradigmas. Começamos a entender que não é o dinheiro que vai fazer diferença na vida dos filhos. São os valores que passamos, os exemplos, as escolhas, pequenas e grandes. A convivência.

Nada no mundo pode transformar um homem como o nascimento de um filho.

Comigo, pelo menos, foi assim.

 

Daniel Soncini, 36, é engenheiro. Nunca atuou na área para se dedicar à produção de velas decorativas na Art Chama. Pai da Eva, 5 e Aurora, 2.

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