Será que o design é capaz de transformar pessoas e negócios? A Laje, do Rio de Janeiro, acredita que sim

Suzana Camargo - 27 ago 2015Ana Couto e Clarissa Biolchini, fundadoras da escola-consultoria Laje, "um lugar de encontro".
Ana Couto e Clarissa Biolchini, fundadoras da escola-consultoria Laje, "um lugar de encontro".
Suzana Camargo - 27 ago 2015
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“Depois dos 40 anos, me deu vontade de devolver alguma coisa para o mundo.” É desta maneira, sem vergonha nenhuma de expor a idade, e com plena consciência de sua experiência profissional adquirida (no Brasil e no exterior), que a designer carioca Clarissa Biolchini conta como surgiu a necessidade de compartilhar seu conhecimento no meio acadêmico. Imbuída da mesma vontade, Ana Couto, também uma renomada profissional do mesmo ramo, procurou Clarissa e, juntas, elas estão no comando da recém-lançada Laje, inaugurada em maio deste ano.

Localizada na mesma casa no bairro da Gávea, no Rio de Janeiro, onde já funcionava a agência Ana Couto Branding a Laje é um negócio montado para oferecer palestras, cursos e workshops, de durações variadas, sempre com base em três pilares de conhecimento: Branding, Design Thinking e Inovação em Negócios. Ana fala a respeito:

“Criamos o espaço com o propósito de trazer mais aprendizado ao mercado como um todo, dando formação a profissionais que estão no meio da carreira, àqueles que desejam fazer uma virada e também a estudantes”

Para as idealizadoras da Laje, um dos principais diferenciais do núcleo é levar o aprendizado sempre associado à prática e, além disso, incorporado com uma missão: a de gerar impacto social. Todos os cursos, com mais de 36 horas, têm em seus conteúdos uma causa a ser trabalhada, que pode ser atender entidades sociais e culturais ou organizações não-governamentais. O cliente (neste caso, as entidades) participa ativamente do briefing, está presente em reuniões e dá palpites sobre as soluções apresentadas.

A sede da Laje fica no bairro da Gávea, no Rio, e divide espaço com a agência de design de Ana Couto, uma das sócias.

A sede da Laje fica no bairro da Gávea, no Rio, e divide espaço com a agência de design de Ana Couto, uma das sócias.

Em um dos primeiros workshops de branding oferecidos pela Laje, por exemplo, os alunos trabalharam a marca da Escola de Artes Visuais do Parque Lage e a Casa França Brasil. “São instituições culturais tradicionais do Rio de Janeiro, que passam por desafios de marca muito grandes”, diz Ana. Dessa forma, prossegue, o benefício é mútuo: o aluno da Laje tem a oportunidade de aprender na prática algo que terá impacto real e, por sua vez, o cliente, que muitas vezes não poderia pagar por um serviço de branding, ganha um projeto de graça, elaborado com a metodologia da Laje.

Em agosto, a Laje ofereceu um curso de branding que era, na verdade, um projeto com o programa “Um Pé de Quê?” (produzido pela Pindorama Filmes e apresentado por Regina Casé no Canal Futura) para lançar uma iniciativa de reflorestamento nacional, começando pela Mata Atlântica. “O desafio proposto aos alunos do workshop será transformar um programa numa plataforma de reflorestamento. Vamos fazer o branding disso”, conta Ana Couto.

Outro exemplo do que elas oferecem é um curso, que começa no próximo dia 22 de setembro, voltado a quem busca uma mudança na vida profissional. O “Inovação para virar o jogo: Processos, modelo de negócios e liderança criativa” será dividido em três módulos, com duração de 36 horas. Neste vídeo, os professores falam mais sobre o conteúdo. O curso completo custa 2.295 reais e o aluno pode, também, escolher adquirir os módulos separadamente, por 850 reais cada um.

A palavra transformação está na alma da Laje. O que Clarissa e Ana querem compartilhar com o mercado é a crença de que o mundo está mudando e não será mais possível fazer negócios como antigamente. Para elas, empresas e marcas que não estiverem comprometidas em ajudar o mundo, não conseguirão construir valor. Não há mais espaço para ser neutro, hoje o papel social de qualquer organização é vital para que ela possa sobreviver e se tornar sustentável a longo prazo. Clarissa fala:

“Acreditamos nos novos modelos de cooperação e cocriação coletiva, ou seja, que ninguém faz mais nada sozinho. Queremos inspirar, transformar e criar impacto de verdade, por isso temos projetos reais aqui dentro. Além de transformar as pessoas, precisamos transformar os seus negócios”

Tanto Clarissa como Ana dividem sua generosa bagagem profissional com os alunos da Laje. Vinda de uma família de artistas, Clarissa sempre soube que queria atuar no mesmo universo dos pais. Graduou-se em Design e fez pós-graduação em História da Arte e Arquitetura. Logo depois de formada, em 1991, a carreira profissional do então namorado, hoje marido, a levou para Paris. Com um portfólio embaixo do braço, sem falar francês direito, bateu em muitas portas até conseguir o primeiro emprego na capital francesa. “Não conhecia ninguém em Paris. Fui na cara e na coragem, completamente obstinada. Comprei um guia dos escritórios de design lá e, em dois meses, fiz 64 entrevistas”, conta.

EUROPA E ÁSIA ANTES DE SE ESTABELECER NO BRASIL

No estúdio francês, onde ficou por dois anos, a brasileira trabalhou com design gráfico, fazendo catálogos e criando identidade visual para empresas. Depois disso, novamente por causa do marido engenheiro, Clarissa fez as malas para a Malásia, mais especificamente para Kuala Lumpur. Antes da mudança, passou seis meses na Holanda atuando no badalado escritório de design Una. “Lá, fiz muitos projetos conceituais, de maneira mais artística e artesanal.”

Clarissa considera a experiência asiática uma das mais importantes de sua carreira. Chegou lá com 24 anos e repetiu a estratégia para conseguir uma colocação e trabalhou num escritório de design chinês, o WHW & Associates, durante quatro anos, até 1998. “Eu era a única ocidental da empresa. No começo, as pessoas me achavam muito estranha”, conta, e menciona as dificuldades enfrentadas: “Cometi muitas gafes, falei coisas que não devia, entreguei cartão de visita ao contrário. Foi a adaptação mais difícil da minha vida, pois precisei entender novos códigos culturais.”

Registro de uma palestra na Laje, que busca colocar sempre um aspecto de transformação social nos cursos que disponibiliza.

Registro de uma palestra na Laje, que busca colocar sempre um aspecto de transformação social nos cursos que disponibiliza.

A designer retornou à França, onde ficaria mais três anos antes de retornar, definitivamente, ao Brasil. Com um bebê pequeno, Clarissa achou que era hora de regressar ao país depois de nove anos morando fora. No Rio de Janeiro, foi freelancer durante muito tempo. Entre outros projetos, desenvolveu o reposicionamento da marca Phebo, em 2004, quando foi comprada pela Granado. Trabalhou também para o famoso escritório de arquitetura, urbanismo e design Índio da Costa até que bateu a “crise criativa” dos 40 anos, citada no início deste texto. Quando resolveu se dedicar ao mundo acadêmico, ela se apaixonou pelo conceito de Design Thinking. Hoje, além da Laje, onde é diretora de inovação, Clarissa dá aulas em instituições de ensino como PUC, IBMEC e Universidade Federal do Rio de Janeiro.

SÓCIAS COM TRAJETÓRIAS SEMELHANTES

Até a proposta para trabalharem juntas na casa da Gávea, Clarissa e Ana só se conheciam socialmente. O nome de Ana Couto é uma referência em Branding no Brasil. Ela tem uma história parecida com a da nova companheira da Laje. Quando jovem, gostava de transitar no universo das artes plásticas e estudou Design. Mas, já naquela época, meados dos anos 1980, tinha um olhar atento ao social. “Minha tese foi sobre como as crianças pensam a geometria nas favelas”, conta Ana.

Ainda na faculdade, fez vários projetos em parceria com o designer lusobrasileiro Giovanni Bianco. Buscando uma formação acadêmica mais profunda, foi atrás de instituições bem conceituadas de Nova York, em 1989, e lá fez um mestrado em Visual Communication no Pratt Institute e uma especialização em Branding na Kellogg on Branding.

Além de estudar, Ana trabalhou nos cinco anos em que morou nos Estados Unidos. “Lá, vi um mercado muito mais estruturado, com escritórios globalizados e uma indústria 20 anos à frente da nossa”, conta. Empreendedora por natureza (aos 15 anos ela já vendia camisetas), entrou no ritmo americano do “no pain, no gain”, ou seja, sem esforço, não há ganho. “Com aprendizado e vontade, seu talento é reconhecido nos Estados Unidos.” Ela conseguiu se adaptar bem à cultura local — por exemplo, os cinco minutinhos de atraso só são normais por aqui — e diz que, quando seu trabalho de designer começou a ser valorizado, recusou o rótulo de profissional latina:

“Eu não queria me limitar àquela caixinha. Eu era uma designer, não uma designer latina. Era uma questão de posicionamento, não queria ficar restrita àquela causa”

Em 1993, Ana voltou ao Brasil e fundou a Ana Couto Branding. Trouxe de Nova York clientes americanos que já atendia lá e que queriam continuar tendo seu serviço profissional. Ao longo dos últimos 20 anos, seu escritório se tornou conhecido e premiado, principalmente por ser um dos pioneiros no Brasil a usar o conceito de Branding: a construção de imagem e valor de uma marca a longo prazo. Entre seus clientes há gigantes como Itaú Unibanco, Coca-Cola, Odebrecht Ambiental, Eletrobras e Alpargatas. Este ano, a designer foi convidada para ser jurada do Festival de Cannes.

Ana e Clarissa investiram 300 mil reais na abertura da Laje. Juntas, além de colocarem no balcão sua bagagem cultural e profissional, outro diferencial da escola-consultoria são as empresas parceiras, que irão falar sobre seus negócios em cursos e workshops por lá. Nos próximos meses, também estão previstas palestras internacionais como, por exemplo, uma com docentes da Berlin Creative School of Leadership. As duas empreendedoras também têm planos de expansão: querem abrir uma sede da Laje em São Paulo e oferecer cursos online. “A Laje é a cara do Rio para o mundo. Queremos colocá-la num ambiente globalizado”, conta Ana. Clarissa complementa a ideia, aproveitando para explicar a escolha do nome: “Queríamos algo que fosse brasileiro e inusitado. Que remetesse a algo diferente e fizesse parte deste novo mundo. A laje, no Rio de Janeiro, é um lugar muito simbólico de encontros, trocas, celebração e que tem uma vista linda lá de cima”.

DRAFT CARD

Draft Card Logo
  • Projeto: Laje
  • O que faz: Palestras, cursos e workshops baseados em branding, Design Thinking e Inovação em negócios
  • Sócio(s): Ana Couto e Clarissa Biolchini
  • Funcionários: 5 (incluindo as sócias)
  • Sede: Rio de Janeiro
  • Início das atividades: maio de 2015
  • Investimento inicial: R$ 300.000
  • Faturamento: NI
  • Contato: [email protected]
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