Nos últimos 50 anos, gigantes de tecnologia como HP, Microsoft, Motorola, Xerox e Ericsson, entre outras, seguiram a tendência mundial de se desfazer de suas fábricas e centros de serviço de reparo, garantia e gestão de vida de produto. A multinacional norte-americana Flex foi a principal responsável pela aquisição dessas operações. Com clientes no limite do conhecimento da tecnologia e na vanguarda da inovação social e ambiental, aprendeu a lidar com demandas, padrões e controles de alto nível e, em 2012, criou o Sinctronics, seu braço de inovação para desenvolvimento de tecnologia que viabilize a economia circular.
Por meio de soluções de logística reversa, o Sinctronics coleta produtos eletroeletrônicos que não têm mais uso e os leva para seu centro de inovação em tecnologia sustentável, localizado em Sorocaba (SP). Um dispositivo monitora os 400 postos de coleta em várias regiões do país e mostra se já atingiram sua capacidade máxima, para aumentar a eficiência do transporte.
Tudo pode ser totalmente rastreado, dando ao cliente uma visão completa do histórico do produto: quando deixou de ser usado, quando foi retornado para o centro e, o mais importante, onde a matéria-prima gerada a partir dele foi alocada.
O grande diferencial do Sinctronics é justamente gerar valor a partir dos resíduos descartados pela indústria, reinserindo esses materiais na cadeia produtiva e reduzindo a dependência dos recursos naturais.
“Começamos com iniciativas simples e passamos a buscar soluções mais complexas para que todo tipo de resíduo industrial, seja das nossas fábricas ou do pós-consumo, fosse transformado em matéria-prima”, conta Leandro Santos, vice-presidente de operação no Brasil.
“Em 2018, fomos a primeira empresa do grupo no mundo a conseguir transformar a operação em zero waste para eletrônicos.”
A Flex tem 120 fábricas em 30 países e atende clientes como HP, Cisco e Lexmark, para quem, além de fazer manufatura, colabora na cadeia de sustentabilidade.
TECNOLOGIA PARA REINSERIR RESÍDUO COMO MATÉRIA-PRIMA
Para manter o alto nível tecnológico, foi preciso evoluir muito. O que se vê na maioria das vezes é o downgrade: por exemplo, fazer saco plástico com o plástico usado numa batedeira. Já a tecnologia para reinserir um material em outro produto como matéria-prima é mais complexa.
O Sinctronics desenvolveu toda a infraestrutura e tecnologia para processar esses materiais e chegar a tal resultado. Os eletroeletrônicos são desmontados e separados por propriedades, triturados, derretidos e reutilizados em novas peças.
“Já conseguimos reciclar, por exemplo, o plástico ABS, que é a base de quase todos os materiais plásticos que utilizamos, e colocá-lo em outro produto que demande todos os mesmo critérios de qualidade, como a não-flamabilidade, entre outros”, afirma Santos. “O plástico que sai do Sinctronics é de altíssima qualidade e pode ser usado em um produto de alto conteúdo tecnológico.”
Outros resíduos também voltam para a cadeia. O papelão é reinserido como papelão reciclado, e a madeira, na produção de fornecedores e parceiros.
“Fazemos a logística reversa e rastreamos todo o ciclo do produto. Para cada um dos nossos resíduos, encontramos uma solução que retorna mais de 95% como matéria-prima. Conseguimos isso no Brasil porque temos boas instituições de pesquisa, fábricas variadas, mercado consumidor amplo e um ciclo rápido de aprendizado da renovação e da criação de soluções pelas dificuldades.”
Em outros países, o processo é muito maior, de acordo com Santos. A maioria das empresas e a maior parte do consumo estão localizados nos países da Europa e da América do Norte. Mas suas fábricas estão na China, o que torna a logística reversa mais longa e cara.
O Sinctronics reinsere na cadeia de fornecimento 650 toneladas de resíduo eletrônico por mês por meio de sua operação. São 300 toneladas da operação industrial própria e 350 toneladas da logística reversa. A expectativa é atingir mil toneladas até junho deste ano aumentando principalmente a logística reversa.
FILIAL BRASILEIRA DÁ O TOM EM ZERO WASTE
A mudança climática acentuada e rápida, impactada pela atuação humana, está cada vez mais evidente, e a Flex, como a maior parte das grandes organizações, assumiu o desafio e o compromisso de tornar sua cadeia de desenvolvimento mais sustentável, sem prejudicar o meio ambiente e compensando suas emissões.
No ano passado, a matriz anunciou que até 55% das operações mundiais serão zero waste –ou lixo zero. Especialmente por meio do Sinctronics, a filial brasileira vem liderando a transferência de conhecimento em termos de desenvolvimento sustentável e, segundo Santos, é aberta para dividir esse conhecimento também com outros mercados.
PROJETO PREVÊ QUE RECICLAGEM GERE CRÉDITOS DE CARBONO
Um dos projetos da empresa em estágio avançado, por exemplo, prevê que a operação de reciclagem no Brasil gere créditos de carbono entre a diferença da matéria-prima extraída do meio ambiente e sua reciclagem pela logística reversa ou pela coleta do resíduo industrial. Afinal, o Sinctronics já tem o conhecimento e a base de dados para transformar, medir e calcular essas informações.
“Olhamos muito para o Brasil com complexo de inferioridade e achamos que não temos condição de influenciar o mundo. Mas, na questão da sustentabilidade, eu percebo o Brasil como um país capaz de muitas iniciativas. O Sinctronics mostra nossa habilidade e competência em transformar necessidades em soluções.”
Para Santos, no entanto, não basta ter o conhecimento; o mercado como um todo precisa evoluir. Para começar, é fundamental criar uma certa padronização nos diferentes níveis de maturidade entre os diversos mercados. Por exemplo, a economia informal, por meio das cooperativas, tem papel relevante na inserção de produtos sem uso na cadeia de produção, porém cada região segue leis municipais e estaduais bastante distintas.
O governo precisa ainda regular de maneira mais inteligente os produtos que causam pior impacto ambiental e contribuir para a construção de modelos que permitam ao consumidor calcular economicamente a diferença entre um produto que tem a mesma qualidade mas preço diferente por ser mais sustentável, acredita o executivo.
“Não é evidente para o consumidor que, se ele for a uma loja e comprar um tênis de 40 reais de uma empresa que cumpriu a lei, mas poluiu o meio ambiente porque jogou todo o resíduo num aterro sanitário, ele vai causar causar maior impacto ambiental do que se adquirir outro modelo de 50 reais que seja 100% biodegradável e compense sua pegada de carbono.”
Ele propõe, então, um novo olhar sobre o pós-consumo. “A minha visão é que o resíduo tem que ser olhado como matéria-prima para tudo. A forma como a gente quantifica, manipula e emite os documentos fiscais legais e os benefícios associados a esse processo precisam ser todos repensados”, sugere.
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