Ele fundou uma das agências de marketing mais inovadoras do país. Em pouco tempo, ganhou o respeito das principais marcas do planeta. E também algumas dores de cabeça que culminaram no fim da empresa. Agora, aos 46 anos, o empresário Paulo Al-Assal, fundador da Voltage, abre o jogo e revela o que aprendeu — e o que ainda quer conquistar — como empreendedor.
Além da maturidade profissional adquirida em quase 30 anos de carreira, Paulo é um daqueles estudiosos que carregam no currículo vários diplomas com reconhecimento internacional e de dar inveja (no bom sentido) em qualquer um. “Sempre me preocupei muito com o lado acadêmico. Até porque, creio que metodologias são extremamente importantes nas áreas onde atuamos hoje”, conta.
No total, o fundador da Voltage (e de outras três agências que falarei em breve) possui duas graduações pela Colorado State University, em Administração de Empresas e Economia, e mais quatro pós-graduações: em Marketing, também pela Colorado State University, em Branding & Marketing pela New York University, em Inovação pelo INSPER e em Design Thinking & Inovação pela Stanford University. Isso até segunda ordem, pois ele diz que ainda pretende estudar muito mais.
O apreço pelos livros é uma virtude herdada do pai que, há mais de 40 anos, foi morar nos Estados Unidos para realizar um sonho. “Meu velho conseguiu juntar dinheiro para cursar um MBA em uma das melhores faculdades do mundo, no estado de Ohio. Entre meus cinco e sete anos de idade nós moramos lá, mas depois voltamos para o Brasil. Foi uma experiência ótima, pois tive a oportunidade de ser alfabetizado em inglês e português”, explica.
Quando se formou no colégio, aos 17 anos, Paulo resolveu retornar aos Estados Unidos para fazer faculdade. Como ele mesmo diz, “não foi nada fácil para um autêntico filho único de família árabe se desprender das mordomias de casa”. Porém, a exaustiva rotina, dividida entre duas graduações simultâneas e alguns “bicos” para garantir os trocados do mês, foi o menor dos problemas enfrentados. O empresário lembra que chegou a sofrer preconceito nesse período. “Estamos falando de 1987. Eu era apenas um garoto. E, na época, as pessoas no Colorado mal sabiam onde ficava o Brasil. Tive que ralar muito para ganhar o respeito dos americanos”.
Depois de quatro anos longe de casa, a saudade da família e também da namorada – com quem se casou e está junto até hoje – bateu mais forte. De volta à São Paulo, sua cidade natal, o recém-formado administrador de empresas e economista foi parar no mercado financeiro. “Eu sabia que não ficaria muito tempo trabalhando com isso. Mas costumo dizer que essa área é uma excelente escola, na qual meninos viram homens. Foi importante nesse sentido”, conta. Ele sentiu isso na pele:
“Aos 23 anos, comprei o meu primeiro apartamento. E então descobri que dinheiro não era tudo”
A carreira no mercado financeiro não duraria muito. Depois de trabalhar em três bancos de investimento, sempre com ótimos bônus salariais, Paulo sentiu que era a hora de buscar algo que fosse realmente apaixonante. Em 1998, abandonou o terno e a gravata para, mais uma vez, passar uma temporada no Colorado para se especializar em marketing. Quando voltou, começou a empreender.
“Consegui juntar, em um único projeto, duas paixões: empreendedorismo e esportes”, diz. Nascia, naquele ano, a Impact Sports, a primeira agência fundada por ele. Com foco em marketing esportivo, a empresa se dividia entre o gerenciamento da carreira de alguns atletas, consultoria para marcas que queriam investir nesse mercado e também produção de eventos. A empresa teve ótimos resultados e funcionou até 2004. Paulo encerrou o negócio porque sentiu que poderia ir ainda mais longe.
No ano seguinte, o empreendedor começou a estudar sobre o comportamento humano. “A minha ideia era criar uma novo negócio que tivesse uma entrega em cima de tendências e insights. Ou seja, que vendesse pesquisas realmente aplicáveis num negócio”, conta. Depois de algumas fuçadas no que já havia de parecido no mundo, acabou conhecendo um sociólogo holandês chamado Dr. Carl Rohde, dono de uma metodologia bem interessante para analisar os hábitos das pessoas. “Na cara de pau mesmo, liguei um dia para o Dr. Carl e expliquei que gostaria de usar o trabalho dele como processo de uma agência aqui no Brasil. Ele não entendeu nada e praticamente me ignorou. Só que depois, pesquisando mais sobre o mercado brasileiro, viu que a minha ideia fazia sentido”, conta. “Até que um dia ele me pediu para ir encontrá-lo na Holanda. Peguei praticamente o primeiro voo que encontrei e fui sem pensar duas vezes.”
UMA ABORDAGEM INOVADORA DO COMPORTAMENTO HUMANO — E UM ÓTIMO NEGÓCIO
Da conversa, surgiu a Voltage que, ao lado da Box 1824, se tornou uma das pioneiras em pesquisa e mapeamento do comportamento humano no país. “Brinco que concorremos em mais de 500 projetos com a Box 1824. Alguns eles ganharam, outros nós. Mas foi sempre uma concorrência com muito respeito”, conta.
A metodologia Voltage partia da observação do ser humano no dia a dia, em seu mais puro estado. Depois, uma equipe multidisciplinar – formada por cientistas sociais, psicólogos, antropólogos, filósofos, economistas, artistas ou qualquer outro profissional capacitado – interpretava as informações e ações coletadas. Havia também uma rede fixa de 300 jovens influenciadores, a Voltage Ville, incubida, basicamente, de uma única tarefa: compartilhar entre si tudo o que aparecesse de mais inusitado e atraente em seu redor. “Hoje isso soa normal, mas há 10 anos era algo totalmente disruptivo”, lembra Paulo.
A partir dessa inteligência, a agência oferecia uma compreensão mais próxima dos anseios e aspirações do consumidor. Um verdadeiro diagnóstico para as marcas traduzirem as tendências de comportamento e, assim, ativar propostas eficientes. O empreendedor, entretanto, afirma que o grande diferencial era o compromisso com a qualidade das entregas prometidas: “Nunca fomos uma agência que trabalhava com muitos projetos ao mesmo tempo. Mas todos eram feitos com muito capricho, preciosismo. Não existiam trabalhos meia-boca”.
A novidade foi tão bem aceita que, em pouquíssimo tempo, os 60 mil reais investidos inicialmente já tinham sido recuperados. A carteira de clientes, que não parava de crescer, contemplava empresas como Unilever, Kraft Foods (hoje Mondelez), Pepsico, Nivea, Philips, Carrefour, Pão de Açúcar, Itaú, GM, Walmart, Coca-Cola, Grendene, Leroy Merlin, O Boticário e por aí vai.
O sucesso também se refletia no mercado de trabalho. “Eu recebia mais de 40 currículos por dia. Todo mundo que conhecia a Voltage queria trabalhar lá”, diz.
TUDO IA BEM. ATÉ QUE COMEÇOU A IR MAL
Aqueles anos não podiam ser melhores para a Voltage, mas puderam ser piores. Depois de vendida, aos poucos, a marca começou a morrer. Quase que inesperadamente, em 2012, a agência fechou as portas. Na época, muitos chegaram a pensar que ela tinha falido. Mas não é a verdade. “Em 2008, acabei vendendo a Voltage para um grupo de empresas de pesquisa, onde ainda permaneci por quatro anos. Depois que cumpri meu contrato, acabei saindo, pois não tínhamos os mesmos valores e os mesmos objetivos com o futuro da empresa. Foi uma pena”, conta Paulo, sem esconder um lamento.
Para piorar a situação, também nesse período, a mãe de Paulo faleceu de câncer. Apenas esse episódio vale uma história inteira (que ele conta neste artigo publicado aqui no Draft). “Prometi para a minha mãe, quando ela estava prestes a morrer, que iria ajudar outras famílias em situações parecidas. Hoje sou um embaixador da luta contra o câncer e diretor de marketing voluntário do Instituto Oncoguia, uma ONG que dá apoio total aos pacientes da doença”, conta ele. Com o lado emocional combalido, e sem a empresa dos seus sonhos, o que faria da vida?
“Tive que recomeçar do zero. Sou teimoso mesmo para empreender nesse país. E não me arrependo”
Os trabalhos sociais abriram horizontes. Paulo percebeu que havia uma oportunidade para atuar no reposicionamento de marcas que buscam um propósito ou, como ele diz, “uma alma verdadeira”. A visão deu origem a BR Culture e a UVXZ, as duas agências que ele tem hoje, e que trabalham em conjunto. “Juntas, elas têm o papel de mostrar para as empresas que pensar socialmente e fazer algo pela sociedade traz benefícios intangíveis e tangíveis no futuro”, conta ele. Enquanto a primeira desenvolve as estratégias e metodologias para se chegar aos resultados, a segunda foca no criativo, na identidade visual das entregas.
Hoje, o executivo se considera um profissional muito mais maduro se comparado com aquele que, há 10 anos, fundou a Voltage. “Aprendi a controlar mais a minha ansiedade. Ainda estou trabalhando para os novos negócios terem o mesmo prestígio que a Voltage teve no passado. Mas sei que tudo acontece ao seu tempo”, diz.
Uma coisa é certa: os aprendizados já estão influenciando positivamente na gestão dos negócios. “Em ambas as agências, nós temos o propósito de ser feliz de fato. Isso se traduz em várias coisas, como, por exemplo, não trabalhar com cliente chato, oferecer flexibilidade total de horário para os colaboradores e a construção do ambiente mais bacana possível. Sempre rolam umas ‘jam sessions’ no final da tarde para todo mundo relaxar um pouco”, conta.
Fora do escritório, a preocupação do Paulo é uma só: “quero ser o melhor pai do mundo para as minhas duas filhas e o melhor marido para a minha esposa. Se fosse possível, eu compraria a paz para elas extraírem só o melhor desse mundo. Será que é possível comprar a paz?”.
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