“Superar a morte de um grande amor me ensinou que a vida é para ser partilhada com o que nos faz bem”

Luciana Pego - 30 out 2015
Luciana Pego fala sobre a transformação depois da dor de perder um grande amor.
Luciana Pego - 30 out 2015
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por Luciana Pego

Eu estava deitada no sofá da sala do apartamento onde morava em São Paulo, em janeiro de 2011, quando tomei a decisão que mudaria a minha vida. Três meses antes, eu havia sido demitida da empresa que provocou a minha mudança para a terra da garoa no começo do ano anterior, por questionar demais a forma como as coisas eram feitas dentro daquele ambiente.

Em 2009, morei na Cidade do México para trabalhar em um projeto na consultoria de sustentabilidade New Ventures e voltei ao Brasil. No final daquele mesmo ano, decidida a sair de Beagá, comecei a minha busca por oportunidades em Sampa. Embora eu tenha nascido em Belo Horizonte, já havia morado em Brasilia e em Florianópolis, o que deixava registrado na minha alma geminiana um reforço importante para a minha paixão pela vida nômade.

Depois de formada, fui trabalhar na AIESEC, a maior organização estudantil do mundo e, ali, convivendo com pessoas do mundo todo, todas as minhas fronteiras imaginárias foram por terra de vez. Qualquer país do mundo passou a ser só um lugar que eu ainda não conheci e, depois de morar fora do Brasil, esse desapego territorial ganhou uma nova dimensão.

Sempre fui muito sonhadora, criativa, inventiva e inquieta, sempre gostei muito de ler e de criar as minhas próprias histórias, desde criança, seja no papel em livros escritos à mão, em roteiros diversos para animar os natais em família ou criando mil aventuras para a minha própria vida na minha imaginação. Já na adolescência, tudo o que mais me fascinava eram as aulas ao ar livre, as peças da escola, as apresentações musicais no palco e, nesse universo, toda a concepção da vida que eu queria para mim foi sendo moldada.

Naquele dia, deitava no sofá, pensando nos rumos que a minha vida estava tomando, toda essas memórias vieram à tona, sobre um outro possível caminho de vida que eu poderia estar vivendo.

Até os meus 14 anos eu havia sido uma garota muito doente. Com 45 dias de vida, fui internada com pneumonia dupla, em estado gravíssimo. Com 1 ano e meio, precisei de uma cirurgia corretiva para um refluxo renal. Dos três anos até o início da adolescência eu praticamente não saía dos hospitais porque sofri de uma asma aguda, experimentei uma série de paradas respiratórias, geralmente seguidas de internações, e desconhecia uma vida sem remédios, injeções e inalações praticamente diárias.

Quando parei para refletir sobre toda a minha vida naquele dia, avaliando o estilo de vida que precisava ter para me manter naquele perfil de atividade profissional que eu havia acabado de deixar, e observando a qualidade de vida das pessoas à minha volta, a questão da saúde falou muito forte. Em poucos meses naquele ritmo eu já tinha voltado a frequentar mais consultórios médicos do que gostaria. Estava claro pra mim que essa não era a vida que eu queria.

Três anos antes daquele dia, antes da minha mudança para o México, em abril de 2008, vivi o meu pior pesadelo. No carnaval daquele ano eu havia sido pedida em casamento pela segunda vez pelo mesmo homem e, ao contrário da primeira vez que me pareceu impulsiva demais, dessa vez eu estava segura de que aquela era a decisão e o momento certos para darmos o passo definitivo na nossa relação.

Em meio aos planos de um futuro comum, vítima de negligência médica no CTI depois de uma cirurgia de emergência que precisou fazer, ele sofreu uma morte cerebral.

Nada impacta mais a vida de uma pessoa que o luto, isso é fato. A estúpida e brusca morte do Ricardo deixou em mim algumas certezas sobre a minha própria vida.

São elas:

1) Eu viveria para realizar meus sonhos e a minha missão de vida — porque no final das contas é isso o que importa;

2) Por ter ganhado um imenso senso de urgência, decidi que não esperaria uma aposentadoria para me dedicar às coisas que me fazem feliz porque simplesmente eu poderia não viver até lá;

3) Entendi que nada, NADA, era mais importante que a minha saúde — física, mental e espiritual;

4) Cabe a nós escolhermos o tipo de sentimentos e hábitos que iremos alimentar, e isso vai definir os padrões para todas as esferas da nossa vida;

5) Sem poder mudar o passado e certa de que o futuro não passa de uma ilusão, eu viveria um presente que me desse a sensação de que cada dia valeu a pena.

Mudar para São Paulo foi a realização de um projeto pessoal importante, mas o desenrolar das coisas, nem tanto.

E em meio àquela explosão de sensações, lembranças, sentimentos, dúvidas e medos, o que falou alto dentro de mim foi a certeza de que aquela não era a vida com a qual sonhei um dia. Definitivamente. Não pela cidade, que eu adoro, muito menos pela maioria das pessoas que conheci ali, alguns grandes amigos até hoje, mas eu precisava de algo mais desafiador, onde eu sentisse que estava de fato sendo a diferença somado a um estilo de vida muito mais alinhado a essas novas escolhas.

Ali, do sofá, decidi voltar à Beagá e mergulhar num profundo processo de autoconhecimento e reinvenção até dar outro grande passo: decidi fundar o site Escolha Zen para compartilhar, com o maior número de pessoas possível, os conhecimentos que fosse adquirindo no universo da saúde integral.

Cerca de duas semanas depois da decisão, decidi me tornar vegetariana, e um novo capítulo da minha vida começou. Para quem já vinha de uma carreira em sustentabilidade, esse não foi um passo tão radical, pelo contrário, foi a primeira mudança coerente que fiz, alinhada a tudo o que eu conhecia, estudava e desejava para a minha vida.

Esse simples passo provocou uma série de mudanças, dentro e fora de mim, que me guiaram até aqui. Me tornei uma empreendedora digital, porque queria ter liberdade geográfica para trabalhar de qualquer lugar, e hoje me dedico a estudar sobre qualidade de vida numa perspectiva muito ampla, para provocar reflexões, autoconhecimento, inspirar e motivar mudanças positivas, para que cada vez mais pessoas alcancem também esse nível de consciência sobre o que de fato importa nas suas vidas, mesmo sem precisar viver uma tragédia pessoal.

Hoje sei que cada coisa que acontece na nossa vida vai impactar de alguma forma o nosso futuro mas, acima de tudo, sei que somos nós os responsáveis pelas escolhas que definem a pessoa que nos tornamos

De todos os desafios que vivi, superar a morte de um grande amor foi, de longe, a tarefa mais árdua, mais dolorida e mais amarga da minha vida mas, ao mesmo tempo, foi o que me ensinou que a vida é uma experiência muito especial para ser partilhada com as pessoas e com as escolhas que nos fazem bem e que nos levam para um lugar melhor. Qualquer coisa diferente disso é um desperdício, de tempo, saúde, energia e oportunidades, as coisas mais valiosas que temos nas mãos.

 

Luciana Pego, 37, foi executiva corporativa durante 10 anos, com experiência em gestão de projetos de comunicação, marketing, sustentabilidade e responsabilidade social. É fundadora do site Escolha Zen e seu podcast está no soundcloud.com/escolhazen.

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