Uma Amazon para gestores públicos: conheça o marketplace que conecta todo dia milhares de municípios do Brasil e seus fornecedores

Marília Marasciulo - 2 jan 2023
Leonardo Ladeira, CEO do Portal de Compras Públicas (crédito: divulgação).
Marília Marasciulo - 2 jan 2023
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Em uma administração pública, nada é grátis. Governo Federal, estados, municípios e autarquias compram “do alfinete ao foguete”. 

A expressão é do analista de sistemas e administrador brasiliense Leonardo Ladeira, 52, fundador do Portal de Compras Públicas

Atrás apenas do portal do Governo Federal e da plataforma de licitações do Banco do Brasil, a govtech fundada em 2016 é, segundo Leonardo, a maior plataforma privada de compras públicas do Brasil. 

“O Portal surgiu para aproximar a iniciativa privada das necessidades de compras dos entes públicos, resolvidas através dos processos licitatórios. No Brasil, esses processos são notoriamente lentos, burocráticos, com baixa competitividade e caros”

Com uma base de 2650 municípios compradores e 325 mil fornecedores cadastrados, a plataforma movimenta cerca de 330 mil reais em negócios por dia, com um ticket médio de 60 mil reais por transação. 

A govtech encerrou 2022 com um faturamento de 25 milhões de reais, e planos para alcançar mais municípios e oferecer novas soluções para seus fornecedores.

Atingir esse patamar de sucesso exigiu uma mistura de persistência e coragem em dar mergulhos ousados como empreendedor. 

Com uma carreira que começou aos 17 anos, Leonardo fracassou em dois negócios até descobrir que poderia atender uma demanda tecnológica de milhares de pequenas cidades do Brasil. 

A guinada nessa trajetória se deu a partir de 2002, com a publicação da Lei do Pregão Eletrônico (Lei 10.520), que regulamentou a possibilidade de todos os entes da administração pública realizarem licitações na modalidade de pregão por meio digital. 

“Quando a lei saiu, estava absolutamente claro que os municípios não iam dar conta de fazer isso. Os grandes, sim, mas os pequenos não tinham recursos humanos ou noção de tecnologia. Precisariam de alguém prestando serviço para eles”

No modelo de negócios criado por Leonardo, o acesso à plataforma é gratuito para os entes públicos. Já para os fornecedores, há um modelo de assinatura freemium. 

Na versão gratuita, os fornecedores podem encontrar oportunidades e participar de processos de compras na modalidade de dispensa de licitação (que costumam ter um valor máximo de 54 mil reais por venda). Já os assinantes têm acesso a outras modalidades que ultrapassam esse valor. Não há cobrança de corretagem ou taxa de sucesso.

Segundo o empreendedor, o portal concentra as milhares de negociações diárias em uma interface intuitiva, acessível e transparente. 

“Se você entrar hoje no portal, consegue consultar de tudo. A nossa política de transparência é quase ‘sincericida’. Não existem segredos fora dos previstos em lei.”

PARA TER O PRIMEIRO CNPJ AOS 17 ANOS, ELE DECIDIU SE EMANCIPAR

Leonardo começou cedo na área de tecnologia. No final da década de 1980, aos 17 anos, terminou o curso de tecnólogo em processamento de dados.

A escolha do curso já mostrava uma mentalidade inovadora; na época, mal havia bacharelado em ciência da computação. 

“Tenho um certo apego a resultados. Eu tenho um carinho muito grande em conseguir demonstrar que algo foi efetivo. A ‘tecnologia pela tecnologia’ nunca fez sentido para mim”

Antes mesmo de chegar à maioridade, decidiu empreender. Para ter o primeiro CNPJ, precisou se emancipar. 

“Foi algo bem controverso”, conta. O pai, arquiteto, apoiou. A mãe, dona de casa, preferia que ele prestasse um concurso público. 

“Eu pensava “putz, tudo o que não quero é entrar no trabalho às 8 e sair às 18h e fingir que nada aconteceu”

Sua primeira empresa era uma software house especializada em criar aplicações comerciais, como soluções de gestão e controle de estoque, por exemplo. 

A iniciativa foi bem até o Plano Collor, em 1990. A crise econômica que se sucedeu o obrigou a fechar as portas e ir em busca de um emprego. Acabou indo trabalhar para uma seguradora vinculada à Caixa Econômica Federal. 

“Foi uma vivência de tecnologia interessante, meu primeiro contato com um mundo mais público”

Mas o espírito empreendedor voltou a falar mais alto. O ano era 1996, começo da internet comercial no Brasil. Percebendo uma oportunidade, Leonardo pediu as contas, juntou as economias e montou um portal de conteúdo adolescente. 

Batizado de Siteen, o site era baseado em uma ferramenta de gestão de conteúdo própria, que possibilitava diferentes autores publicarem textos e páginas reunidas no portal. Mas não vingou. 

“Foi a minha segunda grande dor nessa arte de empreender. Não adianta ser só uma ideia bacana, tem que ter market fit. Não tem jeito.”

COMO PIVOTAR UM SITE DE CONTEÚDO PARA ADOLESCENTES EM UM PUBLICADOR PARA ADMINISTRAÇÕES MUNICIPAIS

Em 1998, um conhecido apresentou Leonardo ao Conselho Nacional de Municípios, que buscava uma forma de facilitar a presença das cidades na internet. 

Leonardo mostrou ao CNM o publicador desenvolvido para o Siteen, que poderia ser adaptado para englobar os diferentes setores de uma administração municipal. Acabou convidado para desenvolver soluções para os municípios – basicamente, portais de conteúdo e serviços, portais de transparência. 

“Aí, eu tive a oportunidade de conhecer mais um país enorme que é o Brasil. Já pernoitei em mais de mil municípios, já rodei muito”

Para atender a demanda, montou uma nova empresa, a e-Customize, e convidou o irmão mais novo, Bruno, para ser sócio, uma parceria que se mantém até hoje. 

“Ele é o cara de administração e marketing. Cuida da parte de vendas, e eu da parte técnico-administrativa”, diz Leonardo. 

Com o trabalho, os dois irmãos passaram a ter uma visão mais detalhada das necessidades do setor público, dos desafios de gestão e das dificuldades e disparidades no país em tecnologia.

A empresa ia bem, até que veio a Lei do Pregão Eletrônico, em 2002, e a oportunidade de desenvolver um sistema de compras públicas: bastava acrescentar a parte transacional ao administrador de conteúdo. 

Leonardo e Bruno desenvolveram então um novo software, oferecido aos municípios por meio de licitações. Cada cidade podia contar, enfim, com seu próprio sistema de compras públicas.

MESMO COM O NEGÓCIO PROSPERANDO, A OPÇÃO PARA CRESCER COM INOVAÇÃO FOI MATAR A FONTE DE RECEITA IMEDIATA

A e-Customize, com o sistema W-Compras, prosperou. Com 150 clientes no setor público, pagava as contas e vivia no azul. 

Mas algo ainda incomodava o lado inovador de Leonardo empreendedor. 

“Alguém que quisesse vender para o governo precisava acessar 150 sites diferentes, 150 logins, 150 senhas. Precisava ter toda uma estrutura para acompanhar. Funcionava, mas não performava. Não era razoável” 

A solução encontrada, após um 2015 “sabático” durante a recuperação de um problema de saúde, demandaria uma aposta ousada: criar uma única plataforma de compras públicas, oferecê-la gratuitamente aos municípios e cobrar assinatura dos fornecedores privados. 

Em outros termos, matar a fonte de receita imediata de um modelo de negócios que rodava e tinha lucratividade.

“A reação dos clientes foi: ‘esse cara está maluco’”, confessa, rindo. 

Mas conseguiram convencer grande parte dos municípios, desfazer os contratos licitados e licitar tudo de novo, dessa vez com o sistema gratuito. 

“Teve um esforço muito grande no processo de resolver a burocracia do que é prestar esse tipo de serviço de forma transparente, auditável e idônea. Governança virou uma preocupação gigante. Já era, mas virou topo de pilha”

O principal desafio para o novo portal crescer foi convencer novos clientes a adotarem o processo eletrônico. 

Até então, e mesmo com a lei de 2002, a maioria das licitações era feita de forma presencial. Um procedimento burocrático e demorado, mas que as pessoas estavam acostumadas a fazer. 

“A lei falava que as compras públicas tinham que ser preferencialmente eletrônicas. Não obrigatoriamente. Resultado: pessoas arrumavam desculpa para não fazer de forma eletrônica.”

A MUDANÇA NA LEGISLAÇÃO E A PANDEMIA FORMARAM TEMPESTADE PERFEITA PARA NOVO MODELO VINGAR

Até que a sorte mais uma vez virou para o lado da empresa. Em setembro de 2019, uma mudança na legislação substituiu o “preferencialmente” por “obrigatoriamente”. 

O novo texto passou a valer em julho do ano seguinte. “O mesmo cara que não queria porque não estava disposto a mudar, tinha que fazer por força de lei”, diz Leonardo. E o Portal de Compras Públicas já estava pronto. 

“Foi uma tempestade perfeita às avessas, porque eu tinha o conjunto de soluções completas, a estrutura certa e o desenho adequado, que foram finalmente somados ao marco regulatório necessário”

Nesse momento, a pandemia da Covid-19 já tinha chegado com tudo ao Brasil, forçando o fechamento de muitos negócios. 

O cenário poderia ter inviabilizado o modelo de negócio da plataforma, que dependia da assinatura dos fornecedores que agora lutavam para se manterem abertos. O efeito, porém, acabou sendo o contrário. 

A questão é que o setor público continuou precisando comprar coisas – do dia a dia e, agora, relacionadas à própria pandemia.

“Vacina, por exemplo, não existe ‘sozinha’: precisa de agulha, seringa, algodão, álcool, a cadeira que o enfermeiro sentou, a mesa que a pessoa te atendeu, o computador que ela registrou, a caneta e o bloco de papel. O uniforme. O pessoal limpeza, o serviço de limpeza. Até o cara fantasiado de Zé Gotinha é licitado”

Para Leonardo, foi o contexto ideal para ajustar o discurso da empresa: o portal oferece as ferramentas adequadas para o comprador – e uma oportunidade de negócios efetiva e necessária para aqueles que estavam querendo continuar operando mesmo com a loja fechada.

INSPIRADO PELAS FINTECHS, ELE SE PREPARA ALAVANCAR DE VEZ O CRESCIMENTO DA PLATAFORMA 

A receita anual milionária, o volume de negociações realizados na plataforma e a rica base de compradores e fornecedores mostram que o acerto da aposta em criar um marketplace de compras públicas. 

Leonardo avalia que a empresa foi bem sucedida em superar essa primeira etapa. Agora, porém, busca aumentar o crescimento. 

“A gente espera continuar crescendo, imaginamos chegar entre 60% e 65% dos municípios, mas dificilmente vamos passar disso”

A saída é se aprofundar. Oferecer, no mesmo marketplace, um conjunto de serviços agregados para a base de fornecedores, de forma optativa. O plano para 2023 é começar adicionando uma camada fintech ao Portal de Compras Públicas. 

“A ideia é operar o conceito de banco do licitante. Prestação de serviço bancário e creditício para esse universo de licitantes que está dentro da plataforma.”

Com essa estratégia, Leonardo acredita que, se a empresa não chegar perto de se tornar já um unicórnio, dará um passo decisivo nessa direção.

DRAFT CARD

Draft Card Logo
  • Projeto: Portal de Compras Públicas
  • O que faz: Govtech que desburocratiza processos de compras públicas entre entes públicos e iniciativa privada por meio de plataforma web
  • Sócio(s): Leonardo Ladeira, Bruno Ladeira, Pedro Oliveira, Felipe Aragão e Cedro Capital
  • Funcionários: 120
  • Sede: Brasília
  • Início das atividades: 2016
  • Investimento inicial: R$ 5 milhões
  • Faturamento: R$ 25 milhões (em 2022)
  • Contato: [email protected]
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