Verbete Draft: O que é Futures Literacy

Dani Rosolen - 24 mar 2021
"Le Sortie de l'opéra en l'an 2000", do ilustrador francês Albert Robida (1848-1926).
Dani Rosolen - 24 mar 2021
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Continuamos a série que explica as principais palavras do vocabulário dos empreendedores da nova economia. São termos e expressões que você precisa saber: seja para conhecer as novas ferramentas que vão impulsionar seus negócios ou para te ajudar a falar a mesma língua de mentores e investidores. O verbete de hoje é…

FUTURES LITERACY

O que é: Futures Literacy, ou, em tradução livre, “alfabetização para futuros”, é a habilidade — que pode ser ensinada e aprimorada — de se imaginar e antecipar cenários possíveis.

A ideia é que, ao aplicar a imaginação dentro de um sistema metodológico, comunidades, empresas, governos e indivíduos podem se preparar para crises em potencial, superar desafios e aprender a lidar com as incertezas (que seguirão existindo).

Além disso, o futures literacy nos ajuda a entender que não é apenas o presente que constrói o futuro — a imaginação sobre o futuro também impacta o presente e nos permite agir de maneira mais consciente. É o que explica Kim Trieweiler, Head de Pesquisa da Aerolito:

“Essa retomada da agência [capacidade de agir] humana faz com que a gente construa o futuro em vez de achar que ele vai nos pegar desprevenidos, como um trem que vem nos atropelar… Ao imaginar o futuro, consigo reimaginar o presente e analisar crenças que talvez estejam impedindo que o amanhã seja diferente”

(Disclaimer: com inscrições abertas, o curso FUTUROS, promovido pela Aerolito, vai reunir dez empresas, inclusive o Draft, para compartilhar formas de imaginar futuros.)

Em 2020, o futures literacy foi apontado como a principal habilidade para lidar com o mundo pós-pandêmico em um artigo publicado no site do Fórum Econômico Mundial e escrito por Stefano Olivieri, diretor de transformação digital da Schneider Electric.

Em um artigo conjunto (veja o link no item “Para saber mais”), Jeanette Kæseler Mortensen, Nicklas Larsen e Riel Miller, pesquisadores ligados ao Copenhagen Institute for Futures Studies e à UNESCO, afirmam que: 

“Quanto melhores os seres humanos puderem se tornar na compreensão das diferentes explicações e métodos para imaginar o futuro, menos razão haverá para temer o futuro e melhor eles serão capazes de aproveitar as oportunidades futuras e dar sentido às mudanças e novidades.”

Como funciona: Riel Miller propõe seis lentes para imaginarmos futuros, divididas em três pares conforme o propósito dos usos do futuro, o sistema ao qual se aplicam e o método empregado.

Antecipação para o Futuro x Antecipação para a Emersão

A primeira leva em conta o planejamento e a preparação, com a perspectiva de que podemos controlar a realidade para atingir os nossos objetivos. 

A Antecipação para a Emersão, por sua vez, sugere uma visão não determinística. “A partir do momento que enxergo o futuro dessa forma, será que as lógicas do presente fazem sentido ou ficaram apenas como vestígio?”, questiona Kim.

Sistema Fechado x Sistema semi-fechado/semi-aberto

No primeiro caso, as variáveis são finitas e nós as conhecemos, bem como seus efeitos. O sistema semi-fechado/semi-aberto, ao contrário, seria influenciável por variáveis externas que não controlamos.

Kim cita a indústria da moda, que segundo ele se enxerga como um sistema fechado e intui variáveis dentro do seu setor para saber o que será tendência.

“Caso se visse como um sistema aberto, a moda entenderia que não é só seu próprio mercado que influencia esse segmento, mas as novas formas de transporte, de comunicação e até a indústria dos games”

General-scalable (geral-escalável) x Specific-unique (específico e único) 

Nos métodos empregados, daria para pensar o futuro por um olhar mais geral-escalável”, relacionado a estatísticas, denominadores comuns, universalidades e repetições. Ou por um viés específico e único”, relacionado à diferença, efemeridade, espontaneidade, improvisação e inovação. 

Quer um exemplo? “Tem aquela frase do Ford que diz que se ele perguntasse às pessoas o que queriam, elas diriam: cavalos mais rápidos”, diz Kim, da Aerolito. 

Ao quebrar essa expectativa e produzir, em vez disso, automóveis, Henry Ford teria olhado o futuro pela lente specific-unique

“Nesse caso, não estou olhando para o que as pessoas sempre quiseram, que seria o general-scalable, mas sim para algo que mude totalmente a lógica do amanhã.”

Suposições Antecipatórias: A partir da combinação dessas seis lentes, Miller chega a seis Antecipatory Assumptions (AAs), suposições antecipatórias.

Na AA1, a forma como se enxerga o futuro é de previsão. Um modelo que pressupõe que o passado tende a se repetir. 

“É a apólice do seguro do amanhã, pensando em como posso minimizar os riscos e diminuir as incertezas para ter segurança na hora de tomar decisões”, diz Kim.

Na AA2, a visão é mais fatalista

“Um exemplo é a teoria da singularidade, a ideia de que a Inteligência Artificial vai superar os humanos. Isso nunca aconteceu, mas poderíamos olhar para isso e entender que é uma suposição AA2”, afirma.

A AA3 enxerga o futuro com um viés de reforma criativa

“[Quando] a gente começa a enxergar possibilidades de um sistema mais aberto e como ele influencia o amanhã, começamos a vislumbrar futuros mais plurais” 

Segundo Kim, boa parte dos processos de inovação das empresas têm início nessa suposição.

A AA4 tem como premissa o autoaperfeiçoamento. “Também segue um sistema aberto, só que em vez de usar a lente do geral-escalável, seu foco é específico-único, Então, vai navegando por essas questões mais efêmeras, menores — mas que podem mudar o futuro de forma muito grande.”

Já a AA5 se refere a um pensamento mais estratégico, enquanto a AA6 “combina o fazer e o não fazer relacionado ao processo imaginativo dos métodos específicos-únicos”. 

“As duas últimas AAs mudam a lente do uso do futuro, que era focada em usar o futuro para chegar no amanhã, para uma lente de uso do futuro para entender o presente.”

Riscos e equívocos: Um erro é querer “colonizar” o futuro com ideias do presente e estreitar as nossas suposições. 

Em seu artigo, Mortensen, Larsen e Miller afirmam que: “Futuros imaginários que não surgem de esforços para abordar o que atualmente é considerado provável ou desejável não têm lugar no pensamento dominante. Como resultado, […] a maioria dos fenômenos novos permanece invisível, sem sentido, porque são excluídos de nossas imagens do futuro.”

Kim, da Aerolito, reforça a importância de se entender que os futuros são plurais. Não há “um futuro”, no singular. 

“Se eu entendo que o futuro é um só, óbvio que a frustração vai vir. Se o futuro fosse determinista, eu teria que prever o que vai acontecer — em vez de enxergar possibilidades

Ele também chama atenção para a responsabilidade dos especialistas que abordam o tema. Afirmar, por exemplo, que uma determinada tecnologia ainda incipiente deverá mudar o mundo pode incentivar empresas a adotarem esse recurso, gerando uma cadeia de acontecimentos com consequências imprevisíveis:

“A sociedade precisa entender quem está contando a história do amanhã, qual seu interesse e de que forma as pessoas estão aceitando essas narrativas e moldando suas vidas a partir disso.”

Tomando por analogia a ideia (problemática) de que “a História é escrita pelos vencedores”, Kim faz um alerta:

“Durante muito tempo deixamos outras pessoas escreverem as histórias do amanhã, e isso é preocupante. Não tinha que ser todo mundo junto?”

Futures Literacy no Brasil e no mundo: A UNESCO usa a metodologia futures literacy desde 2012 — e considera a alfabetização para futuros uma das competências essenciais para o século 21. 

A organização está construindo a alfabetização de futuros com atores locais em mais de 20 países, que promovem Laboratórios do Futuro em escolas e comunidades, para democratizar a metodologia.

Em seu artigo, Mortensen, Larsen e Miller citam casos como o de Pupul Bisht, fundadora da Decolonizing Futures Initiative. A futurista indiana usa a narração de histórias para ampliar vozes marginalizadas em áreas remotas do Sudeste Asiático.

Em dezembro de 2019, a UNESCO realizou, em Paris, o primeiro Global Futures Literacy Design Forum com 28 laboratórios diferentes e pessoas de todo o mundo. 

Em 2020, outro evento global organizado pela agência, o Futures Literacy Summit 2020, reuniu representantes de mais de 100 empresas, governos, instituições de ensino e ONGs para dialogar sobre o tema.

No Brasil, o movimento Liberte o Futuro, lançado no ano passado, está promovendo a alfabetização sobre futuros, “com uma reflexão crítica e dinâmica sobre o momento pós-pandemia e sobre outros mundos possíveis”, segundo o site.

Para Kim, da Aerolito, a Covid-19 intensificou a busca por entender o que vai acontecer no futuro.

“As incertezas trazidas pela pandemia fizeram com que a gente precisasse repensar como imaginávamos o futuro. Onde vou estar morando? Será que faz sentido viver numa cidade grande sendo que eu não me desloco mais? Faz sentido trabalhar nesse mercado que atuo agora?”

Essa habilidade de imaginar o futuro , diz, vem ganhando espaço nas corporações. O especialista, porém, ainda vê essa adoção com ressalvas:

“Tem várias empresas começando a olhar para isso hoje, mas a minha percepção é que, pelo próprio mecanismo capitalista de geração de lucro, elas ainda querem certezas, saber como vai ser o amanhã. É preciso entender que o futuro é menos sobre certezas e mais sobre clareza.”

Para saber mais:

1) Leia no site da UNESCO a explicação sobre o conceito de Futures Literacy;
2) Assista ao vídeo Transforming the Future: Anticipation in the 21st Century, também da UNESCO;
3) Leia o livro (open source) de Riel Miller, Transforming the future: anticipation in the 21st century;
4) Confira no site do Fórum Econômico Mundial o artigo These 4 skills can make the world better after COVID-19;
5) Leia, no Medium, o artigo de Jeanette Kæseler Mortensen, Nicklas Larsen e Riel Miller, O que é ‘Futures Literacy’ e por que é importante?, traduzido por Yasmim Seadi, da Envisioning Technology;
6) Confira o artigo Lendo o futuro — Ou por que essa é hora ideal de repensarmos nossos amanhãs imaginários, de Kim Trieweiler, da Aerolito.

 

 

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