Verbete Draft: o que é Tecnopolítica

Isabela Mena - 8 maio 2019
Exemplos práticos de Tecnopolítica são apps que permitem ao usuário enviar ou assinar projetos de lei e robôs que fiscalizam gastos públicos.
Isabela Mena - 8 maio 2019
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Continuamos a série que explica as principais palavras do vocabulário dos empreendedores da nova economia. São termos e expressões que você precisa saber: seja para conhecer as novas ferramentas que vão impulsionar seus negócios ou para te ajudar a falar a mesma língua de mentores e investidores. O verbete de hoje é…

TECNOPOLÍTICA

O que acham que é: Política feita por bots.

O que realmente é: Tecnopolítica (Technopolitics, em inglês) significa ação, comunicação e gestão políticas feitas por meio de ferramentas tecnológicas.

Nesse sentido, pode-se dizer que a Tecnopolítica diz respeito ainda à forma como processos políticos são transformados por tecnologias, conceituação que João Carlos Magalhães, pesquisador de doutorado no departamento de mídia e comunicação da London School of Economics (LSE), aponta como mais usual por ser praticamente autoexplicativa. “Esta é a concepção que autores de diferentes eras e motivados por interesses variados têm usado nos últimos 40 anos.”

Não é preciso ir muito longe para entender o que isso significa na prática: em setembro do ano passado, o Draft publicou a reportagem “Como a tecnologia pode nos ajudar a votar melhor”, mostrando iniciativas feitas pela sociedade civil como um aplicativo que permite a usuários enviar ou assinar projetos de lei e um robô que fiscaliza gastos públicos (ambas para a participação popular) e uma plataforma de crowdfunding para campanhas políticas.

Coordenador de mídias do Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS Rio), Victor Vicente diz que acadêmicos encontram no termo um campo de pensamento importante para teorizar sobre a autonomia cidadã frente às tecnologias de controle que marcam nosso presente. “Pode-se dizer que organizações ativistas e think tanks operacionalizam a Tecnopolítica ao imaginar apropriações para as tecnologias da informação e comunicação que visam o interesse público.”

Embora o conceito seja mais comumente ligado a valores e iniciativas democráticas e populares, ao pé da letra é possível também colocar sob seu chapéu práticas que aliam tecnologia e política de forma antidemocrática como a disseminação de fake news, via redes sociais e aplicativos de conversa, o uso ideológico e partidário de click farms (“fazendas de cliques”, onde pessoas são pagas para dar likes) e a criação de perfis falsos, que na verdade são bots.

Segundo Magalhães, na academia a Tecnopolítica tem sido usada para explicar a forma como as tecnologias digitais podem criar profundas instabilidades nas democracias modernas. “Um exemplo atual é o uso das redes sociais por estados, políticos, partidos e ativistas. Jair Bolsonaro ou movimentos sociais com pouca organização no mundo off-line teriam usado as ferramentas desse conceito para contornarem barreiras que antes pareciam intransponíveis.”

Nos próximos itens abordaremos apenas a acepção mais usual do conceito de Tecnopolítica, que envolve o uso de ferramentas tecnológicas para fins políticos democráticos.

Para que serve: Para estimular e instrumentalizar a população civil a participar da política governamental de todas as esferas de um país; permitir uma governança mais aberta e distribuída.

Isso pode ser feito pela criação de aplicativos, plataformas, bots, uso de inteligência artificial e blockchain, dependendo do projeto popular a ser elaborado, ou em meios tecnológicos já existentes e pertencentes a grandes empresas, como Facebook, Instagram, Twitter e WhatsApp.

Vicente conta que as plataformas de mídias sociais, que hoje operacionalizam modos de vigilância, podem ser utilizadas por usuários ativistas para organizar protestos. “Isso significa que a Tecnopolítica também reconfigura as relações de poder e abre possibilidades para novas práticas e abordagens a curto prazo e a longo prazo para novas organizações e instituições.”

Quem usa: Acadêmicos, pesquisadores, ativistas, hackers e outros profissionais, seja para estudo do tema ou para sua materialização. A Tecnopolítica pode ser encontrada em universidades, institutos, ONGs e think tanks. Algumas delas são o ITS Rio, o CTS (Centro de Tecnologia e Sociedade), da FGV Rio e o Instituto Tecnologia e Equidade (IT&E), entre outras.

“A Tecnopolítica é um campo de pensamento importante para teorizar sobre a autonomia cidadã frente às tecnologias de controle que marcam nosso presente. Sua operacionalização imagina apropriações para as tecnologias da informação e comunicação que visam o interesse público”, afirma Vicente, do ITS Rio.

Dentre algumas iniciativas brasileiras de Tecnopolítica estão o Mudamos, app que coleta a assinatura de projetos de lei de iniciativa popular; a Rosie, robô do projeto Operação Serenata de Amor, que usa inteligência artificial para analisar e identificar suspeitas em gastos de deputados federais, publicando seus achados no Twitter; o Mandato Aberto, um assistente digital (chatbot) que auxilia a comunicação do político com seus seguidores, antes e depois das eleições; o Voto Legal, plataforma de crowdfunding para campanhas políticas que, para garantir transparência ao processo, usa a tecnologia blockchain; e a Liquecracia, plataforma online de Democracia Líquida, modelo que permite a participação direta do povo em  tomadas de decisões.

Efeitos colaterais: Utilização com fins antidemocráticos e até ilegais. Segundo Magalhães, o problema tem a ver com assimetrias de poder, já que mesmo formas de Tecnopolíticas que seriam em princípio positivas para a sociedade podem gerar consequências negativas inesperadas. “Um exemplo é a própria criação do Facebook, anunciado como forma de diminuir a hierarquização do mundo e das injustiças. E isso pareceu verdadeiro até que atores com diferentes ideias do significado de política passaram a usar seu potencial pra quebrar regras justas e estabelecer outras assimetrias de poder, o que levou a mais injustiça”, diz.

Quem é contra: Pessoas ou “lados” que sejam contra as consequências de suas aplicações e governos contrários ao ensino de áreas que envolvam ciências do pensamento (como Filosofia, por exemplo). Para Magalhães, a discordância da Tecnopolítica pode, em muitos casos, depender da conveniência das partes. “Quando tecnologias estavam ajudando a derrubar ditadores, o establishment liberal aplaudia. Já quando passaram a ser usadas para desestabilizar esse próprio establishment, elas foram demonizadas”, afirma Magalhães.

Para saber mais:
1) Leia, no Open Democracy, Technopolitics and the new territories for political action.
2) Assine a newsletter e ouça o podcast do site espanhol Tecpol, “um projeto para analisar, investigar e criar ferramentas para a sociedade digital”.
3) Ouça o Podcast Tecnopolítica, com Sergio Amadeu da Silveira, sociólogo professor da UFABC.

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