Verbete Draft: o que é Vaporware

Dani Rosolen - 22 mar 2023
O Dragonfly Futurefön, que prometia ser um híbrido de smartphone, tablet e notebook em um só aparelho, mas não passava de vaporware.
Dani Rosolen - 22 mar 2023
COMPARTILHE

Continuamos a série que explica as principais palavras do vocabulário dos empreendedores da nova economia. São termos e expressões que você precisa saber: seja para conhecer as novas ferramentas que vão impulsionar seus negócios ou para te ajudar a falar a mesma língua de mentores e investidores. O verbete deste mês é…

VAPORWARE

O que é: Vaporware é um termo usado para se referir a um produto – software ou hardware – que é anunciado sem data de lançamento, e que nunca entra de fato em processo de produção. Ou então chega sim ao mercado, mas apenas vários anos depois, e entregando uma disrupção muito aquém do que se alardeava lá atrás.

“Essa promessa frustrada gera uma grande instabilidade no mercado e irrita os futuros clientes. Por isso a expressão vapor, é apenas uma fumaça que não se materializa”

Quem diz isso é João Francisco Favoreto, professor das Faculdades de Tecnologia do Estado (Fatecs) Americana e Sumaré, administradas pelo Centro Paula Souza (CPS).

O vaporware pode também se referir a um produto vendido como algo inovador, mas que na verdade não entrega nada de fenomenal. No vídeo do Canaltech, ao 1 minuto e 30 segundos, mais ou menos, o exemplo usado para falar sobre isso é o Juicero, uma máquina de suco lançada em março de 2016 que custava 700 dólares. O equipamento tinha um leitor de QR Code para ler os pacotinhos “inteligentes” e oficias da marca com frutas e vegetais para na sequência prensá-los a frio. Só que se descobriu que não era necessário nada disso. Dava para fazer a mesma coisa, espremer o pacotinho e obter o suco, usando as mãos.

“As pessoas se sentiram tremendamente enganadas com isso. É um caso comentado a nível mundial”, conta o professor. A empresa anunciou o fechamento em setembro de 2017.

Por que o vaporware acontece: De acordo com Favoreto, em alguns casos, trata-se de otimismo da empresa desenvolvedora em anunciar o produto bem antes do que deveria, sem contar com atrasos no calendário de lançamento por uma estratégia de marketing mal organizada. Ou ainda má recepção por parte do público do protótipo e problemas no desenvolvimento, o que pode levar ao cancelamento do produto. 

Por incrível que pareça a empresa fundada por Steve Jobs é um exemplo de como a falta de tecnologia pode gerar vaporware:

“Em 2017, a Apple anunciou que iria lançar um carregador sem fio, o AirPower, que funcionava  por indução. Só que na época eles não tinham a tecnologia necessária para finalizar o projeto e ele foi descontinuado em 2019” 

Em outros casos o vaporware é criado por empresas na base da má-fé mesmo – leia-se golpe. No site MarketWatch, o consultor de tecnologia Jeffrey Lee Funk e o professor de economia Gary N. Smith lembram que o economista britânico John Maynard Keynes escreveu que os empreendedores são necessariamente otimistas em relação à possibilidade de fracassar, deixando essa ideia de lado “como o homem saudável repele a probabilidade de sua morte”. No entanto, eles afirmam que há uma grande diferença entre otimismo e trapaça. 

Nestes casos, geralmente o vaporware funciona como uma tática anticompetitiva. Favoreto explica:

“Muitas vezes, uma empresa percebe que a concorrente está lançando um produto X, e para ofuscá-lo promete apresentar o X²”

Isso serve para desestabilizar a concorrência, fazendo com que a empresa “ameaçada” reveja ou até mesmo cancele projetos e agendas de lançamento. Ele cita como exemplo um caso da empresa de Bill Gates, que na década de 1980 criou o sistema Xenix, que nunca foi lançado ao público, para competir com o Unix (leia mais no item “Origem”).  

O hype em cima do lançamento (do produto que não existe) e do suposto alto nível do departamento de P&D da empresa, por sua vez, podem fazer as ações da companhia subirem e aumentarem seus lucros sem ela ter feito o mínimo esforço. Tudo na base do vapor, ou melhor, da mentira. 

No artigo do MarketWatch, os autores também brincam com o termo “fake it till you make it” (finja até que pareça verdade), dizendo que muitas companhias trapaceiras usam essa “técnica” para conquistar investidores e clientes quando não têm sequer um produto para mostrar.  

Origem: Há divergências sobre quem teria cunhado o termo. O certo é que ele surgiu entre o final dos anos 1970 e meados dos anos 1980.

Segundo o TechSpot, o conceito foi cunhado por um engenheiro da Microsoft ao ser questionado sobre o estágio de desenvolvimento do sistema operacional Xenix. Criado para competir com o Unix, da Bell Labs e licenciado pela AT&T, o Microsoft Xenix nunca chegou aos consumidores finais, como era prometido, mas foi licenciado para empresas como IBM e Intel. A palavra se tornou conhecida ao ser divulgada por Esther Dyson na edição de novembro de 1983 do RELease 1.0, seu boletim mensal sobre a indústria da tecnologia.  

Já de acordo com o site This Day in Tech History, o termo foi mencionado pela primeira vez na mídia em uma publicação da revista Time, de 3 de fevereiro de 1986. O então editor especializado em informática Philip Elmer-DeWitt reclamava que a mesma empresa apresentou o Windows 1.0 em novembro de 1983, mas que o sistema operacional só saiu nos EUA dois anos depois, já em outros países levou três anos.

Um dos primeiros casos de vaporware de que se tem conhecimento teria acontecido no século 19. Em 1872, conta Patrick Boyle em seu canal no YouTube, John Ernst Worrell Keely, fundador da Keely Motor Company, começou uma série de trapaças, que durou 26 anos – as falcatruas só foram descobertas após sua morte. Na época, ele teria chamado cientistas e a imprensa para conhecer uma máquina que funcionava usando uma “nova e revolucionária” forma de energia de baixo investimento. Com seu motor, ele prometia ser capaz de fazer uma viagem de trem de Nova York a São Francisco, ida e volta, usando um quarto de galão de água como combustível. Também prometia, com sua energia “superpoderosa”, impulsionar uma viagem de navio dos EUA à Inglaterra, ida e volta, usando apenas um galão de água.

Com isso, atraiu investidores de todo país, que aportaram 5 milhões de dólares na sua companhia. Só que tudo era apenas vaporware. Nada foi criado neste meio tempo, mas sempre que havia uma cobrança por parte dos investidores, John Ernst  prometia uma invenção ainda melhor e acalmava os ânimos do mercado e da imprensa, que acreditava que ele estava sempre trabalhando em algo novo e era um verdadeiro gênio.   

Casos famosos: São vários. Um dos primeiros casos de vaporware da história recente foi o do Ovation, pacote office prometido pela Ovation Technologies, empresa fundada em 1983 e que faliu um ano depois após gastar os  7 milhões de dólares aportados pelos investidores, sem nunca criar o programa prometido. 

Um exemplo mais recente, de 2014, é o Dragonfly Futurefön. A promessa era ser um híbrido de smartphone, tablet e notebook em um só aparelho. O device, no projeto, era composto por duas telas touchscreen (uma delas destacável, tornando-se um smartphone) e um teclado móvel com touchpad. O gadget podia ser dobrado, funcionando como tablet – também vinha com uma caneta. Uma geringonça que angariou o equivalente a mais de 3 milhões de reais na plataforma de crowdfunding Indiegogo. Veja um vídeo do projeto.

E o caso provavelmente mais emblemático dos últimos tempos é o da Theranos, de Elizabeth Holmes. Fundada em 2003, a startup prometia realizar análise de mais de 200 tipos de exames médicos com pouquíssimas gotas de sangue por meio de um dispositivo portátil. O equipamento, chamado Edison, nunca foi mostrado para outros cientistas de fora da empresa nem estudos com validade apresentados. Os cientistas confiavam no negócio porque os investidores apostavam nele e vice-versa, criando um efeito bola de neve.

Assim, em 2014, Holmes já era alçada ao status de ícone do Vale do Silício, comparada a Bill Gates e Steve Jobs, e sua companhia já tinha levantado mais de 900 milhões de dólares em aportes (a Theranos era avaliada em 10 bilhões de dólares).

Os indícios de inconsistência começaram a aparecer após a divulgação de uma reportagem do Wall Street Jornal de 2015 e a partir daí tudo degringolou. Em novembro de 2022, ela foi condenada a 11 anos de prisão e pagamento de 121 milhões de dólares a dez investidores. Holmes terá que se entregar até 27 de abril deste ano.

O caso exerce tanto “fascínio” que já virou livro, documentário e, em 2022, uma série no streaming. Em março do ano passado, o Star+ lançou The Droupout, com a atriz Amanda Seyfried no papel da empreendedora. 

O mercado de games até hoje é muito conhecido por casos de vaporware, com imagens ou vídeos de conceitos dos títulos de novos jogos sendo divulgados bem antes de seu desenvolvimento. O exemplo mais recente é o jogo Cyberpunk 2077; o mais antigo e conhecido desta indústria é o Duke Nukem, jogo de tiro de PC lançado em 1996. Após o sucesso do Duke Nukem 3D,  foi anunciado para o ano seguinte o Duke Nukem Forever (ou For Never, como passaram a chamar ironicamente alguns gamers). Em 2011, finalmente a sequência foi lançada, mas não agradou ao público.

Potenciais vaporwaves: As feiras de inovações são um “celeiro” para o nascimento de potenciais vaporwares. Em artigo publicado em janeiro de 2023, a The Verge cita como exemplo os conceitos e protótipos de dispositivos do setor de saúde apresentados na Consumer Electronics Show (CES), nos EUA, que ocorre anualmente em janeiro. 

Como os produtos dessa área exigem regulação de órgãos de vigilância para chegar ao mercado — no caso do norte-americano, do Food And Drug Administration —, o processo de lançamento pode ser longo (e é bom que seja, para evitar uma nova Theranos). A demora, no entanto, acaba fazendo com que muitas startups desistam no meio do caminho e seus gadgets evaporem. 

O texto diz ainda que outras empresas optam por mudar o direcionamento de seus produtos e, em vez de focar em soluções médicas, pivotam para a área de bem-estar, para não precisarem passar pela regulação do órgão. Por exemplo, criam wearables de controle de passos ou de sono em vez de monitorar uma doença crônica.  

Cuidado, nem tudo é vaporware: Em 2001, a Wired fez uma lista dos principais casos de vaporware daquele ano. Dentre as criações mencionadas como “vapor” estavam o 3G, que se “materializou” em 2007 e já foi sucedido pelo 4G e 5G, e a inteligência artificial, que só mais recentemente ganhou funções, digamos, mais práticas com as IAs generativas.

Neste sentido, na edição de 16 de fevereiro de 2023, a newsletter The Brief aponta que o metaverso da Meta seria “um (quase) caso atual de vaporware” (outros sites dizem que o metaverso já seria um projeto colocado de molho por Zuckerberg), parecido com o 3G, pois pode se concretizar nos próximos anos, mas por enquanto está mais na base da promessa, apesar dos milhões investidos.

O professor Favoreto explica que é preciso saber diferenciar o vaporware do tempo de lentidão real que um produto inovador exige para chegar ao mercado:  

“ No caso do 3G e da IA, citados na revista, houve um Delta T de preparo, de testes, para não apresentar um produto que gerasse desconfiança no mercado, até pelo nome das empresas envolvidas. Por exemplo, uma Apple tem um nome a zelar, ela não pode escorregar por uma bobeira. Hoje já dá para pagar uma conta usando um Apple Watch, mas quando a empresa fez essa proposta, o mercado não estava preparado para receber esse processo — mas o produto não era um vaporware”

O professor ainda afirma que o vaporware existe e não pode ser desconsiderado, porém não se pode colocar no mesmo balaio empresas que aplicam golpes e aquelas que estão preocupadas em lançar o produto quando ele realmente está pronto.

Outro ponto levantado por Favoreto são as especulações feitas pela própria empresa sobre produtos que ainda não foram lançados. Mais uma vez, ele usa como exemplo a Apple:   

“A estratégia de marketing é sempre fazer com que o mercado se prepare para o que vem, tanto é que já há comentários sobre o iPhone 15, alguns deles liberados pela própria Apple para gerar expectativas. Esse processo de divulgação antecipado, trazendo nuances de um novo produto, no meu ponto de vista não é errado”

O erro, segundo ele, está no “ato de divulgar e descontinuar o processo produtivo. Aí sim, a empresa desenvolveu vaporware”.

Como não cair em vaporware: Suspeitar e investigar se realmente o produto ou serviço é aquilo tudo que promete é essencial. Um conceito ou um vídeo sobre como algo irá funcionar é apenas uma promessa. Para os consumidores, o professor indica:  

“Estude o perfil e a estratégia da empresa, entenda se o negócio é consolidado e se tem condições de oferecer aquele produto da maneira que está divulgando”

Já para os investidores, ele diz que as coisas são um pouco mais simples: “Eles têm muito mais clareza nesse processo porque a própria CVM cria algumas ações que viabilizam a inteireza de uma nova empresa que esteja surgindo no mercado”.

No mais, vale o velho ditado: se algo parece bom demais, desconfie! Pode ser apenas vapor. 

Para saber mais:
1) Acesse na Wikipedia a definição, em inglês e em português, de vaporware e um apanhado de casos.
2) Assista ao vídeo do Canaltech sobre o tema.
3) Confira uma lista do site bultin feita em 2023 com 14 vaporwares marcantes da história.
4) Leia mais sobre o caso Theranos e a situação judicial de Elizabeth Holmes aqui.

COMPARTILHE

Confira Também: