Verbete Draft: o que é The Great Resignation (A Grande Renúncia)

Dani Rosolen - 23 mar 2022
Imagem: Pexels.
Dani Rosolen - 23 mar 2022
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Continuamos a série que explica as principais palavras do vocabulário dos empreendedores da nova economia. São termos e expressões que você precisa saber: seja para conhecer as novas ferramentas que vão impulsionar seus negócios ou para te ajudar a falar a mesma língua de mentores e investidores. O verbete de hoje é…

THE GREAT RESIGNATION (A GRANDE RENÚNCIA)

O que é: The Great Resignation ou A Grande Renúncia é um movimento voluntário de demissão que teve início nos Estados Unidos e começou a chamar atenção a partir de abril de 2021 por conta das reflexões despertadas pela pandemia sobre o papel do trabalho na vida das pessoas. Após o primeiro ano da crise — mais crítico e de grandes incertezas na esfera econômica –, quem continuou empregado começou a repensar suas prioridades.

Professor e pesquisador de temas como modelos flexíveis de gestão, redução de estruturas hierárquicas e futuro do trabalho, Alexandre Pellaes resume o dilema:

“A pandemia trouxe um senso de urgência para o nosso sentimento de insatisfação com o trabalho que estava engavetado. E aí, quem já vinha pensando nisso ao longo da vida foi entendendo que existiam outras formas de trabalhar”

Só entre abril e setembro de 2021, 25 milhões de pessoas (cerca de 4 milhões por mês) disseram adeus aos seus empregos nos EUA, muitas vezes sem ter ainda uma nova possibilidade em vista. E o que era um movimento local se espalhou para outros lugares, inclusive o Brasil.

Uma pesquisa do Índice de Tendências do Trabalho, realizada pela Microsoft, com o título “The Next Great Disruption is Hybrid Work – Are We Ready?”, ouviu 30 mil pessoas em 31 países e constatou que mais de 40% da força de trabalho global estava considerando deixar o emprego em 2021. O índice salta para 54% quando os entrevistados fazem parte da Geração Z.

A segunda edição deste estudo, publicada em março de 2022 com o título “Great Expectations: Making Hybrid Work Work”, apontou que o índice geral de pessoas pensando em “abandonar o barco” aumentou para 43%.

(Atualização: o tema anda tão em evidência que, em junho de 2022, depois da publicação deste Verbete Draft, a cantora Beyoncé lançou o single “Break My Soul”, que vem sendo chamado de “0 hino da Grande Renúncia”.)

Quem inventou o termo (e quando): O termo, que já consta na Wikipedia, foi cunhado por Anthony Klotz, psicólogo organizacional e professor da Mays Business School da Texas A&M University, em entrevista concedida à Bloomberg Businessweek, em maio de 2021, para falar sobre a leva de 4 milhões de norte-americanos que haviam deixado seus trabalhadores em diferentes áreas e cargos, um mês antes.

Outros termos similares também passaram a ser utilizados para se referir a esse movimento: “The Great Realization”, “The Great Reimagination”, “The Great Reset”, “The Great Repriorization”, “The Great Reshuffle” e “The Renegotiation”.

“A palavra resignação tem um significado duplo, que é o de você se sujeitar a outra pessoa, mas tem sim também, mesmo em português, essa ideia de desistir”, diz Alexandre, que por isso prefere traduzir o conceito como “A Grande Desistência”. Ele complementa:

“É preciso deixar claro que é uma grande desistência do contrato, desse formato, da relação que a gente desenhou do trabalho com base no poder e na submissão”

Em entrevista à CNBC, Klotz declarou o seguinte sobre a Great Resignation: “Não se trata apenas de conseguir outro emprego ou deixar o trabalho. É sobre assumir o controle da sua carreira e de sua vida pessoal, e tomar uma grande decisão – renunciar – para conseguir isso”.

Quais os motivos da renúncia: Alexandre cita um estudo do MIT Sloan Review que apontou alguns motivadores de demissão voluntária no contexto norte-americano (por aqui ainda não há muitos estudos). O principal deles é a cultura organizacional tóxica, com baixa autonomia, imposição de poder e do formato de tarefas engessadas, carga de trabalho excessiva, assédio etc.

Além disso, a pesquisa indica outros quatro motivos: a insegurança ou a reestruturação organizacional, a falta de reconhecimento e performance, a baixa qualidade no enfrentamento à pandemia e o excesso de inovação. Sobre este último ponto, Alexandre afirma:

“Organizações com excessiva cultura inovadora colocam sobre as pessoas um nível de pressão muito grande. Para exemplificar, a possibilidade de uma pessoa pedir demissão da Tesla, que é uma empresa muito inovadora, é mais de cinco vezes maior do que uma pessoa pedir demissão da Ford”

De forma geral, a lista de motivos é extensa e depende do perfil do trabalhador, podendo incluir também o desequilíbrio entre a vida pessoal e as demandas do trabalho — o que ficou mais evidente na pandemia, com profissionais em home office precisando se desdobrar (ainda mais) para dar conta de várias questões simultaneamente.

Outro fator importante para a renúncia é a retomada “forçada” ao trabalho presencial, após o avanço da vacinação contra a Covid-19. Segundo uma pesquisa da Morning Consult para a Bloomberg News com mil norte-americanos, 39% dos entrevistados disseram que preferiam se demitir caso seus empregadores não fossem flexíveis sobre o trabalho remoto. E de acordo com uma pesquisa global do International Workplace Group, 83% dos ouvidos recusariam um emprego que não oferecesse flexibilidade.

Quem diz “chega”: Um estudo divulgado na Harvard Business Review, com 9 milhões de funcionários de diferentes setores, funções e níveis hierárquicos em mais de 4 mil empresas, mostrou o perfil deste público que está pedindo as contas. Entre 2020 e 2021 as taxas de demissão tiveram aumento maior (20%) entre funcionários no meio da carreira (na faixa etária de 30 a 45 anos).

Outras pesquisas, como a realizada pela CNBC com a Catalyst, divulgada neste artigo de outubro de 2021, reforça ainda que a renúncia ao emprego foi um fenômeno maior entre trabalhadores que têm filhos. O texto aponta que 54% dos pais empregados estavam considerando deixar o emprego porque a empresa ignorou suas preocupações durante a pandemia; e 51% queriam se demitir porque seus gerentes foram negligentes em relação a suas necessidades. Quando se trata de pessoas sem filhos, esses mesmos índices caem para 29% e 25%, respectivamente.

A renúncia, diz Alexandre, também foi maior em cargos de menor hierarquia — mas ele prevê uma segunda onda para o nível gerencial.

“Por motivos diferentes está acontecendo também a renúncia entre pessoas de níveis hierárquicos mais altos. Elas saem muito mais pela busca de significado e propósito individual. São pessoas que durante a pandemia entraram em contato com um conceito mais filosófico de propósito e autorrealização”

Ele também afirma que houve um movimento maior de mulheres renunciando durante o trabalho remoto na pandemia.

“O homem, no home office, continuou trabalhando profissionalmente. Já a mulher foi para casa e a ela foram entregues todas as atividades do lar, que [antes da pandemia] talvez já estivessem organizadas de outra maneira [mais equilibrada]. Essa sobrecarga fez com que muitas delas desistissem de voltar ao mercado ou reavaliassem suas carreiras.”

No Brasil: Segundo o especialista, o Brasil demorou um pouco mais para observar esse movimento — e ainda assim em volume muito menor.

 “Os Estados Unidos têm uma média de desemprego de 3%, nós temos de 13%. Então, [o Brasil] não é um mercado onde a gente possa se dar ao luxo de fazer essa movimentação, como acontece lá…”

Mesmo assim, esse fenômeno vem ganhando adeptos por aqui. De acordo com um levantamento feito em novembro de 2021 (pela empresa de recrutamento Robert Half) com profissionais qualificados de mais de 25 anos, 49% dos empregados pretendiam ir atrás de novas oportunidades em 2022 pelo desejo de aprender algo novo, buscar realização pessoal ou melhorar sua qualidade de vida.

Outro estudo, encomendado pela Você S/A à Lagom Data, mostrou que quase 500 mil brasileiros se demitiram voluntariamente por mês ao longo de 2021, o dobro do registrado em anos anteriores à pandemia. Para chegar a essa informação, o estúdio de inteligência de dados analisou as movimentações trabalhistas do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED), entre 2016 e novembro de 2021.

Realinhando expectativas e ressignificando o trabalho: Com as reflexões trazidas pela pandemia, as pessoas passaram a reavaliar o conceito de sucesso e a entender aquela velha máxima: “Trabalhar para viver e não viver para trabalhar”.

Como escreveu Tonia Casarin, consultora no desenvolvimento de lideranças, em outubro de 2021 em um artigo no LinkedIn intitulado “A Grande Renúncia é sobre autoconhecimento e não burnout”:

“Há algo mais profundo na essência da Grande Renúncia: a redefinição coletiva de sucesso, em consequência do isolamento da pandemia. Quando olhar para dentro tornou-se inevitável, os conceitos universais de sucesso também foram questionados. O sucesso agora é definido por um novo conceito do ‘eu’, que assume sua totalidade, acolhendo todas as áreas da nossa vida e não mais um dividido entre pessoal e profissional.”

Antiwork ou antitrabalho: Essas reflexões também reacenderam as chamas do movimento antiwork (ou antitrabalho), que, segundo o artigo da BBC, “baseia-se nas críticas econômicas anarquistas e socialistas e argumenta que a maior parte dos empregos de hoje em dia não são necessários; ao contrário, eles impõem a escravidão do salário e impedem os trabalhadores de receberem o total valor da sua produção”.

Os adeptos do antiwork defendem que as pessoas se organizem para trabalhar apenas o necessário. Alexandre, porém, se mostra avesso a essa proposta. E faz questão de separar os dois conceitos:

“A principal diferença entre a Grande Desistência e o antiwork é que o primeiro movimento reconhece o papel do trabalho como algo relevante. Já o antiwork confunde ‘trabalho’ com ‘emprego’, rotulando toda atividade humana como algo negativo”

O especialista vê o antiwork como um movimento “um pouco infantil”, baseado numa ilusão de que não precisamos fazer nada com o qual a gente não concorde. “E isso é muito perigoso enquanto sociedade, porque [também] é nosso trabalho pegar uma latinha na rua, [ou] secar a pia quando a gente vai num restaurante e ela está molhada… Ou seja, contribuir com a vida melhor de outras pessoas ao nosso redor.”

Vale o alerta — não romantize a demissão: Nem todos podem abandonar um emprego sem antes ter uma nova proposta na mesa. Essa é uma decisão que precisa ser bem planejada.

“É muito diferente quando esse movimento parte de um profissional que consegue sobreviver e que tem uma determinada estrutura [financeira] — e quando, ao contrário, uma pessoa simplesmente pensa ‘não sou obrigada’ e sai do trabalho de forma intempestiva”, diz Alexandre. “Existe o risco de começarmos a confundir garantias com conquistas, exigindo um trabalho melhor como [se fosse um] direito — e não como uma construção conjunta.”

Desafios para as empresas: Não é simplesmente uma demissão, são várias. E o custo do turnover costuma ser alto para as empresas.

É preciso se atentar ainda para o que especialistas chamam de “contágio da rotatividade”. O fenômeno acontece, por exemplo, quando um chefe decide deixar seu cargo e alguém com uma visão completamente diferente assume, levando o time todo a querer renunciar.

Outra situação é quando um funcionário-chave ou um colega de trabalho querido e competente começa a buscar novas oportunidades e quem fica na empresa passa a se sentir ansioso, achando que está perdendo algo “lá fora”. E o efeito dominó pode ser ainda maior em momentos de incerteza, como numa pandemia.

Os departamentos de RH devem estar alerta para o risco de a empresa perder talentos valiosos que deixaram de enxergar um lugar para si dentro dessas organizações. “As empresas já entenderam que precisam mudar, estão tentando criar novas práticas, mas ainda não conseguem implementar isso com excelência”, afirma Alexandre.

O especialista dá dicas para quem busca implantar uma nova cultura que retenha os colaboradores. A primeira medida deve ser iniciar uma discussão ampla sobre propósito. Na sequência, dar voz às pessoas, compreendendo que elas podem até aceitar que suas opiniões não sejam acatadas — mas fazem questão de serem ouvidas e levadas em conta nos processos decisórios.

“O que a empresa pode fazer agora é humanizar a relação com os profissionais e se colocar num lugar de vulnerabilidade, mostrando que não sabe todas as respostas e que precisa da ajuda deles para criarem juntos um futuro para a organização”

Outras medidas para ajudar na retenção: A Talentful aponta outras formas de manter as pessoas satisfeitas em suas posições. Uma delas é oferecer flexibilidade no modelo de trabalho, fator que se tornou mais importante desde o início da pandemia. A Regus realizou uma pesquisa mostrando que 93% dos trabalhadores no mundo querem decidir onde e quando farão seu trabalho.

Além disso, o texto aborda a necessidade de ser justo e transparente em relação às compensações financeiras e benefícios; investir na experiência do funcionário (employee experience) e na marca empregadora (employer branding); e, por fim, manter a diversidade e a inclusão como fatores importantes na hora das contratações.

Por que esse movimento é importante (e o que esperar em 2022): É importante porque as pessoas estão ampliando o debate sobre o trabalho e buscando um equilíbrio maior entre vida pessoal e profissional. Segundo Klotz, em entrevista à CNBC: “O lado bom dessa pandemia horrível é que o mundo do trabalho dará um grande passo positivo para os trabalhadores”.

Esse movimento representa uma disrupção, pois as pessoas estão reajustando suas carreiras. Ainda de acordo com Klotz: “Agora há uma capacidade maior para as pessoas encaixarem o trabalho em suas vidas, em vez de ter vidas que se encaixam em seu trabalho”. Ou seja, elas estão criando, como diz o especialista, “carreiras sob medida”.

Alexandre corrobora essa visão. Segundo ele, o movimento da Grande Desistência (ou Renúncia) é “um recado dos trabalhadores e das trabalhadoras”:

“O modelo de trabalho mais conhecido hoje é o emprego, que tem algumas características muito específicas de concentração de poder, de horário, de localidade…, questões que mudaram na pandemia — mas o sistema não foi totalmente ajustado. E as pessoas agora não querem mais voltar para trás”

Para o responsável pela criação do termo Grande Renúncia, ainda vai demorar um tempo para o mercado se reorganizar — mas já é possível ver as empresas correndo atrás. Alexandre, por sua vez, acredita que o movimento ainda tende a crescer, embora num ritmo de aceleração menor do que hoje.

“Vale destacar que esse é um momento de a gente discutir qual é o significado do trabalho, qual o papel da liderança, de uma gestão compartilhada e humanizada… Tudo isso está relacionado com o aumento do nível de consciência social das pessoas e das organizações em relação ao trabalho. Vejo como um movimento muito positivo.”

Para saber mais:
1) Veja no MoneyTimes o artigo: “A grande renúncia”: Brasileiros acompanham onda de demissões voluntárias dos EUA;
2) Confira no Uol: Por que trabalhadores no EUA estão pedindo demissão em ritmo recorde;
3) Acesse na Fortune o texto: Why employees are leaving — and the culture that makes them stay;
4) Leia na Fast Company Brasil: Cinco oportunidades para mudar o rumo da Grande Renúncia;
5) Na BBC, acesse: The Great Resignation: how employers drove workers to quit;
6) Na CNBC, conheça as previsões de Anthony Klotz: Professor who predicted ‘The Great Resignation’ shares the 3 trends that will dominate work in 2022;
7) Na Wired, leia a análise: Great Resignation misses the point.

 

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