Por Andréa Dietrich
Gratidão é uma palavra que expressa bem o meu sentimento ao encerrar esse desafiador ano de 2016. Que ano! Por razões semelhantes às que levam um bocado de gente a reclamar, eu agradeço por 2016 ter acontecido em minha vida.
Sabe quando a gente chacoalha tudo, sente aquele superfrio na barriga, mas no fundo percebe que tem algo ainda mais forte, uma sensação de pura felicidade? Esse mix de sentimentos define o que vivi no ano passado.
Experimentei sair da zona de conforto. No começo do ano, pós voltar da minha segunda licença maternidade, saí da empresa em que atuava como executiva de marketing. Comecei a estudar caminhos e possibilidades e, neste momento, investi num processo de autoconhecimento. Com apoio de uma coaching, comecei a desenhar meu propósito, meus valores, meu mantra… Foi interessante, pois sempre fiz isso com as marcas que gerenciei, mas nunca tinha feito para mim mesma.
Investi tempo em me reconectar com pessoas que me faziam bem e com quem eu ainda não conhecia. Passei a frequentar mais os coworkings, participar de cursos e eventos de assuntos diversos, ampliando meu repertório. Nessas conexões, novas ideias e novos projetos foram surgindo.
Ousei empreender. Abri uma consultoria, comecei a pensar meu próprio formato de desenvolver projetos. Descobri um modelo mais moderno e eficiente de trabalho. Mais livre, sem hierarquia, com mais parceria e mais agilidade. Experimentei co-desenvolver uma startup do zero e apoiar o nascimento de outras. Tenho certeza que nenhum MBA me ensinaria tanto quanto vivenciar essas experiências.
Optei por me dar esse tempo e aprender sobre outra ótica, evoluindo na minha visão de mundo, como profissional e como pessoa. Para fechar o ano com chave de ouro, uma viagem.
Fui para a Índia.
Essa é uma daquelas experiências que marcam a sua vida para sempre. A beleza do país é de perder o fôlego. Mas a Índia também te inspira a ser uma pessoa melhor. E representou um encaixe perfeito para a minha jornada no ano que passou.
A cultura, as pessoas, os templos, as cores, os tecidos, a comida, a meditação e a fé. Impossível voltar para nossa realidade da mesma forma depois que saí daqui
A Índia é um lugar mágico, que já estava no topo da minha lista de sonhos. Daqueles que você coloca na prateleira e no fundo acha que não vai conseguir realizar, pelo menos não tão cedo. Porque mais do que visitar esse lugar, o que eu mais queria era vivenciar a sua cultura e mergulhar na alma do país, naquilo que ele tem de mais forte – a meditação e a espiritualidade. Então sabia que não seria uma viagem rápida, simples de fazer. E sabia que não conseguiria levar minhas filhas, Maria Fernanda (5 anos) e Maria Clara (1).
Pontuo aqui a primeira reflexão dessa jornada. A capacidade que todos temos dentro de nós, de ir e vir quando quisermos, quando sentirmos que é a hora. E a capacidade de realizar, de fazer acontecer. Somos os agentes do nosso próprio caminho. Com tantas barreiras à frente, com tantos motivos para dizer “não” ou para postergar o plano, encontrei uma amiga na mesma sintonia e começamos a viabilizar a viagem. Montei minha “equipe de apoio”, à qual serei eternamente grata, e tirei o sonho da prateleira. Lá fomos nós para o outro lado do mundo.
Ir pra Índia é uma daquelas experiências que marcam a sua vida para sempre. Primeiro, você perde o fôlego com tanta beleza. Chegar no Taj Mahal ou no Amber Fort foi um daqueles momentos em que respiramos fundo e ficamos alguns minutos em silêncio, agradecendo por estar ali. Depois, a Índia te inspira a ser uma pessoa melhor. O berço da meditação e da yoga, a terra de Gandhi, toca a alma de uma forma única. Como sair a mesma pessoa?
Nos primeiros contatos com o país, em Delhi, entendemos porque tanta gente dizia para estarmos preparadas. As cidades são muito pobres, sujas, com muita gente indo e vindo de todos os jeitos e para todos os lados. Carros, motos (com até quatro pessoas!), tuctucs (carrinhos motorizados, apinhados de gente), vacas e búfalos (sim, eles estão no meio de todas as ruas e estradas), cavalos e bicicletas e o que mais quiser dar as caras – jegue, camelo, macaco, vimos de tudo.
Elementos de cores fortes, com cheiros intensos, que vêm e vão em todos os sentidos, na contramão, no meio da faixa de rolagem dos automóveis (aliás, nem sei porque fazem distinção entre estrada e acostamento, entre rua e calçada, porque, de fato, não há). Sem falar na buzina – os indianos buzinam até nos carrinhos que carregam mala dentro do aeroporto!
Eis o que se abria à nossa frente: uma grande sincronia, desorganizada, mas eficiente – todos aqueles elementos em movimento aparentemente caótico seguiam seus caminhos e suas vidas pacificamente. Não vimos acidentes, nem pessoas irritadas, xingamentos ou brigas. Às vezes o que a gente julga totalmente despido de harmonia pode ser só um outro tipo de harmonia…
Bom, então vamos falar das pessoas. Era frequente eles nos pararem nas ruas para pedir para tirar foto conosco. O que seria obviamente o contrário , afinal nós somos os turistas. Olhares doces, de administração e humildade, encantados com nosso estilo de roupa, de falar… Percebi que mesmo diante de tanta pobreza eles estão sempre bem, estão felizes, seguem com sua fé e sua vaidade. As mulheres sempre coloridas e enfeitadas com seus saris, pulseiras e pinturas de hena na pele. Os homens adoram fazer pose e tirar selfies dos seus penteados inspirados nos atores de Bollywood – a pujante indústria de filmes indiana.
São pessoas de índole pacífica. Não reclamam da vida mesmo quando lhes faltam sapatos, não xingam e nem perdem a paciência quando uma vaca decide deitar no meio da rua, dividem a comida com os animais mesmo quando lhes falta o que comer. Talvez isso venha da crença dos hindus de que o que você recebe nessa vida vem como resposta de vidas passadas e da sua grande inspiração, o líder Mahatma Gandhi, que lutava pacificamente pela independência do país.
E, sim, as vacas são sagradas, entendidas pelo hinduísmo como o último estágio da reencarnação humana. Muitas famílias, principalmente no interior, que possuem suas próprias vacas e búfalos no quintal de casa, abandonam os animais nas ruas quando eles já não produzem leite. No entanto, os bichos são bem tratados por todos e alimentados coletivamente – as pessoas deixam restos de refeições para eles em frente às suas casas.
Há outros sagrados por lá, como os macacos, os pavões, os elefantes (símbolo de boa sorte), os ratos e as serpentes. Mesmo assim, vimos maus-tratos feitos. Pobres elefantes de Amber Fort…
No trato com as pessoas, porém, nem tudo são flores. Impossível não falar do poder de negociação dos indianos. Como mestres de xadrez, sabem te conduzir em uma venda como ninguém e isso às vezes cansa. Assim como nos impressionou o sistema de castas, não tão explícito, mas perceptível, em que algumas pessoas são tratadas, e se entendem assim, como superiores em relação a outras. Há casamentos arranjados – outra tradição que atravessa gerações. E a posição das mulheres em geral, na sociedade indiana, ainda é bastante secundária.
Depois de Delhi passamos por Agra, por três cidades do Rajastão (Jaipur, Pushkar e Udaipur) e terminamos em Rishikesh. Em toda a viagem, só numa cidade mulheres dirigiam motos. Era raro estarem a frente dos comércios e até mesmo nas estações de trem e nas ruas sozinhas.
Um dos momentos marcantes da viagem foi a parada no Sheroes Cafe, uma iniciativa feita para honrar as sobreviventes de ataques de ácido e acabar com a violência contra a mulher na Índia, uma crueldade ainda comum nos dias de hoje.
Encontramos esses paradoxos o tempo todo. O velho e o novo, um jeito cosmopolita em meio a tradições que não mudam. Uma Índia em transição, que mantém rituais da sociedade tradicional ao mesmo tempo em que começa a conviver com uma geração com mais acesso a educação e trabalho e que está querendo mudar.
Escolhemos estar lá de corpo e alma para enxergar além da pobreza, do machismo e da sujeira, para vermos a beleza e grandeza. A grandeza de espírito
A Índia parece ser um lugar onde hindus, mulçumanos e outras tantas religiões que existem porque lá conseguem convivem juntas, respeitando seus espaços. A cultura hindu incorpora uma série de costumes e tradições védicas, cristãs, islâmicas e do budismo. A espiritualidade é forte na Índia, uma energia que pareceu nos acompanhar por todos os lugares onde estivemos.
A fé dos indianos contagia e inspira. Era isso que eu buscava. Terminamos nossa jornada de 19 dias na Índia em um Ashram, como são chamados os locais de retiro espiritual. Lá, aprendi um pouco mais sobre o corpo e a mente por meio de práticas de yoga e meditação. Meditar foi, e continua sendo, um grande desafio para mim. A vida me ensinou a pensar e agir de modo multitarefas e processar muitas coisas ao mesmo tempo. Pessoas que ficam 60 minutos na mesma posição sem pensar nas preocupações do dia a dia têm a minha admiração. Um dia chego lá.
O que aprendi no Ashram é a importância de manter esse equilíbrio entre corpo e mente, para estar mais pleno para as atividades e situações do dia. Tudo começa em nós mesmos. Se estivermos em harmonia com nosso corpo e nossa mente, estaremos em harmonia com nossos pares, familiares e amigos. Segundo o guru do nosso Ashram, Swami Rama, você será a pessoa mais feliz do mundo quando souber quem você é, da onde você veio, seu propósito como ser humano e para onde você vai quando deixar esse mundo.
Os indianos não precisam de muito para ser felizes. Nós também não
Precisei estar lá, vivenciando isso tudo, para absorver conceitos simples, e no entanto, fundamentais, como esse. Para descobrir o quanto respirar bem é importante. Para entender a arte de estar bem comigo mesma, sem esperar a aceitação ou a admiração externas como gatilhos únicos para me sentir feliz.
Evoluímos muito na ciência e na tecnologia mas como seres humanos, ainda estamos estagnados no tempo. Será que nos acostumamos com uma vida sem “propósito”, na rotina que nos mantém ativos? É assim que queremos terminar nossa jornada? Com uma boa conta no banco e enfim aos 60 ou 70 anos, começar a aproveitar a vida?
São essas as reflexões que trouxe de lá e agora levo para a minha vida dessa experiência tão rica de beleza, de simplicidade, de fé. A gratidão de ter conhecido essas pessoas, de ter vivenciado tudo isso e de ter criado esse “tempo” na minha vida. Esses são os meus votos para o ano que começa. Que criemos o nosso tempo, que façamos o que amamos, que busquemos ser ainda melhores do que somos hoje e que achemos o propósito da nossa vida.
Andréa Dietrich, 34, é profissional de marketing. Atuou no Grupo Pão de Açúcar, foi head de marketing na Netshoes e executiva de marketing na BRF. Hoje é empreendedora, consultora de marketing digital e co-fundadora de uma startup de educação para varejo (prestes a ser lançada).
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