Certa tarde pelo final de 2014, tempo de presentear, fui conhecer uma determinada loja da moda. De cara, fiquei decepcionada. A vitrine não era lá das mais convidativas, e ainda tinha poucas opções de produtos. Aí resolvi dar uma chance e um passo adentro. Tocava Alt-J, o som do meu verão londrino, em volume alto e dançante. Perambulei ali por uma boa meia hora batendo pezinho. Saí com duas canecas, um pôster, uma almofada…
Nem sempre a gente percebe, mas a música (por mais que você não seja um fissurado como eu capaz de gastar tempo batendo pezinho a esmo) tem um poder impressionante sobre a nossa permanência nos lugares. Alta demais, baixa demais, chata demais. Detalhes nem tão pequenos assim e que podem enxotar qualquer um.
Rafael Pucci, Eduardo Lemos e Felipe Ludovice, três amigos da cidade de Franca, desenvolveram uma empresa de ouvidos bem abertos à importância da trilha sonora em lojas, feiras, shoppings, ambientes corporativos e virtuais (e-commerce, sites): a SoulPlay.
Criada em setembro de 2012, a ideia é elaborar conceitos musicais personalizados para empresas e negócios. É como se você fosse ao alfaiate, só que, no lugar do terno, leva para casa uma listinha de músicas pensada especialmente para o seu business. A agulha e a linha é um mapeamento minucioso, que busca investigar questões como horários de pico, posicionamento de marca e perfil do público-alvo.
A partir desse estudo – que não é uma série de perguntas enviadas por email, vale destacar, e segue a linha artesanal mesmo, de observação, entrevista e muita, mas muita conversa –, a SoulPlay constrói uma sequência em que existe um porquê para cada faixa.
Por exemplo, se estamos falando de uma loja que abre de segunda a sábado das 10h às 19h, a SoulPlay prepara uma playlist para esse período, de seis dias e 54 horas, com um detalhe importante: sem música repetida ao longo da semana. No mês, uma faixa toca apenas quatro vezes. O serviço vendido é um catálogo personalizado de canções que demora de 20 a 25 dias para ser moldado.
Um ponto importante é que, mensalmente, a SoulPlay renova de 10 a 20% do repertório entregue. O objetivo é refrescar a sequência, sem perder a identidade esculpida faixa a faixa. A entrega acontece por meio de um software simples, em que só é preciso apertar o play e pagar um plano mensal. O valor muda um pouco, mas em média é de 350 reais. Além das trilhas mensais, também é possível solicitar uma avulsa, só para ocasiões específicas – uma feira, um evento, uma ação de marketing etc.
Daqui a poucos dias, em março, o sistema da SoulPlay ganhará um upgrade: o cliente poderá usar um botãozinho de like (gostei) e outro dislike (não gostei). Isso gerará uma mensagem direta para o programador da playlist com a missão de substituir as músicas rejeitadas, acelerando os ajustes. Literalmente, ajustando a sintonia.
COMO TRANSFORMAR MÚSICA EM FATURAMENTO
Tudo isso é muito bonito, mas o som que agrada o freguês é o da caixa registradora. Convencer um cliente de que a boa música pode se transformar em dinheiro não é fácil. Mas a SoulPlay mostra, em números, a influência de uma trilha sonora bem feita. A empresa destaca os resultados de uma experiência com as Havaianas, em uma loja na cidade de Huntington Beach, na Califórnia.
Foi lá que em 2011 Rafael Pucci, 31 anos, então DJ profissional e estudante de um curso de extensão em Marketing na Universidade da Califórnia, Irvine, bolou um projeto para melhorar o clima musical da loja durante um estágio. A SoulPlay ainda não existia oficialmente, e o projeto foi uma espécie de prévia do que seria o carro chefe da empresa.
Rafael passou um mês examinando o movimento diário da loja e anotando dados como o tempo de permanência, a taxa de conversão (quando o cliente efetivamente compra algo) e o ticket médio (quanto tinham gasto) em uma planilha de Excel. Percebeu que coisas como propagandas no meio da trilha, repetições de música e mudança de volume a cada faixa afetavam negativamente as vendas.
Ele montou uma seleção musical baseada nessas análises, gravou tudo em um iPod e levou à loja no dia seguinte. Depois ainda testou um outro formato, com DJ ao vivo. O resultado é que, em dois meses de trabalho, houve aumento de 22% do faturamento da loja, de mais de 34% na taxa de conversão e de 10% do período de permanência do cliente dentro da loja. E mais: ele percebeu que a playlist funcionava melhor do que a live session com o DJ. Showtime!
O jeito customizado de trabalhar conteúdo musical é constitutivo, e hoje a SoulPlay vai muito além da concepção de playlists. A empresa também projeta toda a infra-estrutura de som do cliente, o que inclui estudo do espaço, idealização, equipamentos, instalação e manutenção. “É um pacotão completo musical, este é o nosso maior diferencial”, afirma Eduardo Lemos.
A fase é definitivamente de Good Vibrations, ensolarada e com boas perspectivas para este ano. A empresa fechou 2014 com faturamento de 450 mil reais. A cartela de 15 clientes se mantém sólida, com demandas e sem desistência.
Além das novidades do sistema para este ano, a SoulPlay pretende enveredar por uma nova trilha: vai abrir um escritório fora da casa dos sócios-fundadores, que moram juntos (sim, uma república de empreendedores criativos), e expandir sua atuação e equipe. Está aí o grande desafio para uma empresa que nasceu entre um relax no sofá e outro.
Felipe, fotógrafo, é o elo entre Eduardo e Rafael, que estão mais à frente na condução das picapes da SoulPlay. Em 2011, quando Rafael saiu do Brasil para respirar ares californianos, Eduardo entrava em seu quarto para morar com o velho companheiro de banda (Felipe) em um apartamento em Higienópolis e outros amigos.
Rafa estava em São Paulo desde 2000, quando deixara Franca em busca do sonho do sucesso como DJ de house e outras vertentes eletrônicas. Trabalhou como DJ das academias da Bio Ritmo, do bar Le Caipirinha, e na divulgação de promos da gravadora Building Record. Em 2011, pendurou os headphones e embarcou para nove meses na Califórnia – seis para estudar inglês e três para se especializar em Marketing (ele cursou Rádio e TV pela Universidade Anhembi Morumbi).
Músico desde os 9 anos de idade, Eduardo Lemos integrou a banda-sensação das festinhas na adolescência em Franca: o grupo de rock Circulação Alterada. Aos 18, veio para São Paulo estudar jornalismo na Universidade do Mackenzie. Assim como Rafael, adotaria o esquema dividir casa/apartamento com amigos da cidade na capital paulista.
O primeiro emprego de Eduardo foi para a banda Os Paralamas do Sucesso. Ele atraiu a atenção dos seus ídolos com um blog e acabou convidado para ajudar na reformulação do site da banda. De 2007 para cá, abriu uma empresa exclusivamente para cuidar do conteúdo digital do trio chamada Navegar Comunicação e Cultura, e que é tocada por outro sócio.
Eduardo também foi repórter de música dos sites Vírgula e Terra, e experimentou ser assessor de imprensa do Museu do Futebol e da Geo Eventos (a empresa responsável pelas edições brasileiras do festival Lollapalooza). Aí, deu tilt:
“Descobri que como assessor de imprensa eu era um vendedor. Se trabalhasse nas Casas Bahia ou na Geo, seria a mesma coisa. Tinha uma pauta, eu tinha que vender. Aquilo me frustrou muito. Sempre fui muito romântico”
Nessa época, Rafael acabara de voltar da Califórnia com o projeto embrionário da SoulPlay (concebido junto com um amigo, Maurício Veiga, que deixaria a sociedade no final de 2014) e ocupou um outro quarto na mesma casa onde Felipe, Edu e mais três amigos moravam, no bairro paulistano do Pacaembu.
Eduardo, meio ali, sem fazer nada, gastando a rescisão, engatou conversas com Rafael. Eles não eram super amigos. “A gente morava em uma cidade de interior, você sabe quem é todo mundo mesmo que não converse”, conta Edu. Emendado por Rafael: “É, e tem aquelas coisas engraçadas: a avó e o avô dele moravam no mesmo prédio que a minha avó e e meu avô. Então, a vida inteira a gente cruzou no elevador, só que não se lembra disso”.
UMA EMPRESA DA CAPITAL, COM A RAIZ NO INTERIOR
Assim, despretensiosamente, e de mansinho, Felipe, Rafael, Eduardo, mais outros dois sócios (Maurício e um programador), apertaram o play do novo negócio em setembro de 2012. Dias depois, porém, tiveram que pressionar o pause. No feriado de 7 de setembro, quando todos os moradores estavam viajando, a casa foi assaltada. Não sobrou quase nada. Resultado: rescisão do contrato no Pacaembu e seis rapazotes de volta à ralação formal porque o dinheiro para investir na nova empresa já era. Rafael virou corretor de imóveis, Eduardo descolou um emprego em uma agência de comunicação corporativa. Duraram três meses trabalhando em horário comercial nos seus respectivos jobs, e varando as noites pela SoulPlay.
Em janeiro de 2013, recomeçaram full time na SoulPlay, cujo investimento inicial foi de módicos 10 mil reais – o custo do desenvolvimento do software. O Colaki foi o primeiro cliente, e serviu mais como um teste do modelo (depois a empresa fechou). Os jovens empreendedores descobriram, então, uma boa portinhola de entrada para o mercado: as feiras setoriais e os shopping centers. A chave? Aquele jeitinho de interior, de fulano em fulano. Quer ver?
Como são de Franca, cidade que é um pólo nacional de produção de calçados, miraram na Feira Francal. Na hora de apresentar um projeto de sonorização, os responsáveis pelo evento não estavam lá muito receptivos, até que alguém perguntou: “Mas você não é filho da Gisele?”. Daí foi um tal de “e você, é filho de quem?”, “eu sou de fulano”, “eu conheço!”. Saíram de lá com um sim à mão.
Foram conquistando a clientela atirando nos alvos mais próximos – amigos e conhecidos de empresas, e marcando reuniões com os times de marketing depois de coletarem cartões nas feiras. Os eventos renderam sonorização de estandes, de outras feiras e eventos inclusive fora de São Paulo para marcas como Schutz, Arezzo e Ana Capri. Aos poucos, perceberam que poderiam ampliar o filão, e passaram a oferecer o planejamento e a estrutura de som para os clientes, o tal “pacotão”.
Talvez a melhor definição seja: a SoulPlay está pronta para atender qualquer desejo do cliente que tenha a ver com música em suas mais diferentes plataformas e formatos. O player próprio da empresa é uma opção mas, se o freguês preferir, eles podem desenvolver uma trilha que rode, por exemplo, num canal do Spotify. Para o Restaurante Dati, no Guarujá, além da trilha sonora, eles fizeram um projeto para instalar 26 caixas de som em dois ambientes.
E numa empresa criativa como essa, quase hipster, pode sertanejo, pagode, estilos populares? Pode, mas a Soulplay vai fazer todo um trabalho de análise para tentar equilibrar o gosto musical do proprietário, a coerência com a área de atuação da empresa e, principalmente, o objetivo final: aumentar o faturamento. “Às vezes temos o papel de ‘brigar’ com o cliente para que ele entenda que o gosto pessoal dele talvez não seja o melhor para as vendas. Mas, se for, eu sou o primeiro a falar: tira a bossa nova e bota o pagode”, brinca Eduardo.
E como manter o mesmo BPM (Batidas Por Minuto) em uma relação que inclui dividir casa, comida, roupa lavada e dia a dia na labuta com os sócios? “É uma relação de três vias: amizade, sociedade e moradia. É preciso atenção para que elas não se confundam. Nosso maior desafio é aprender a virar a chave, de uma para outra, cada vez mais rápido”, diz Eduardo.
Rafael arremata: “Soubemos separar. Conseguimos terminar o trampo, tomar uma cerveja e falar 5% de trabalho. Antigamente, falávamos de trabalho 98% do tempo”. A sintonia parece estar redonda, pois os dois ainda têm um outro projeto conjunto, chamado DiMangaba, no qual tocam (como DJs) na balada vários estilos como soul, funk e música brasileira. Só para se divertir. E segue o som.
Este texto foi escrito ao som do novo álbum de Björk, Vulnicura, e da estreia de FKA Twigs, LP1. Ao finalzinho, os dois do Alt-J, só para os retoques.
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