Ele foi executivo em grandes corporações, mergulhou no mundo das startups e agora ajuda o agricultor a custear sua próxima safra

Marina Audi - 8 set 2022
Walter Dissinger: ex-BASF e Votorantim, ele agora empreende à frente da MasterBarter, cartão de crédito pré-pago para o agronegócio.
Marina Audi - 8 set 2022
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Ele é filho de alemães, nasceu na Califórnia, cresceu na Alemanha e, em 1993, escolheu o Brasil para ser sua casa e formar sua família.

Em 29 anos de tropicalização, Walter Dissinger, 59, esteve em cargos de liderança na multinacional BASF, na global Votorantim Cimentos e até à frente do Sindicato Nacional da Indústria do Cimento – fato que ele acha curioso, porque tradicionalmente esse posto era ocupado por uma pessoa brasileira que capitaneasse uma indústria nacional.

Com experiência acumulada como executivo de olhar global, em 2020, Walter colocou seu conhecimento do mercado agro em prática e se tornou startupeiro. Junto com Francisco Pereira e Marcelo Borba, ele fundou a MasterBarter, empresa que se posiciona como o primeiro cartão de crédito pré-pago agro do mundo.

Para entender essa inovação, é preciso, primeiro, conhecer uma operação comum no agronegócio – o contrato Barter. Ele garante aos produtores rurais a compra de insumos, sem que haja a necessidade de tirar dinheiro do bolso. Por exemplo, um agricultor paga por fertilizantes e sementes com a safra de milho que ainda irá colher. O pagamento é efetuado por meio de troca de produtos.

É uma negociação realizada entre produtores rurais e empresas de insumo. O acordo é realizado antes da colheita por meio da CPR (Cédula de Produto Rural) e já garante a compra do produto por antecedência. Desde 2001, a legislação foi adequada para possibilitar a liquidação financeira também, além da possibilidade de escambo de produtos.

O que a MasterBarter fez foi possibilitar três coisas. Primeiro, que esses contratos fossem feitos em uma plataforma com tecnologia blockchain – a Digibarter, que usa o back-end da americana GrainChain –, o que agiliza muito a emissão da CPR e garante segurança por conta de criptografia. 

Segundo: democratizou o acesso a esse tipo de operação, antes feita somente por grandes players por conta da complexidade operacional.

E terceiro, vincular o contrato Barter a uma conta digital com cartão de crédito da bandeira Mastercard – o BarterCard –, o que permite que o produtor rural adiante o recebimento de sua produção futura de forma fracionada ou integral, de acordo com sua necessidade, para uso em gastos pessoais.    

Faz apenas cinco meses que esse modelo de negócio está em operação, mas já conta com mais de 10 clientes – incluindo cooperativas, distribuidores verticalizados e indústrias de insumos como BASF, SinAgro, Cocatrel, Coplana, Aprovar e Câmera. Esses clientes por sua vez chegam a 200 agricultores.

Walter e os sócios já aportaram 5 milhões de reais na empresa, estão captando uma rodada seed de 20 milhões de reais e projetam cadastrar 80 mil agricultores e transacionar mais de 7 bilhões de reais em três anos.

Leia a seguir a história de Walter Dissinger, contada ao Draft em bom português e com descontração.

 

Você nasceu em Harbor City, nos EUA, é filho de alemães e mora no Brasil. Que lições mais preciosas guarda de cada uma dessas culturas?
Parte do meu currículo de sucesso e da parte que eu trago de inovação vêm justamente de eu ter nascido nos EUA, ter crescido na Alemanha e iniciado a minha carreira na Argentina e Brasil, porque são culturas e situações diferentes. 

Você começa a ser curioso, precisa aprender, se adaptar, conectar diferentes contextos. Acho que essa foi a minha maior aprendizagem, foi o que me formou – uma certa diversidade de culturas 

E depois, na BASF, veio a diversidade de conhecimento de diferentes indústrias, a variedade de conhecimento, por ter vivido diferentes situações.

Isso tudo aumenta a sua curiosidade e quando você é mais curioso você conecta coisas e você consegue ser também criativo. 

Ainda na Alemanha, como estudante, em 1992, você despertou para a consciência ambiental pragmática, durante o mestrado em Karlsruhe. Pode contar mais sobre como o meio acadêmico te levou a se aproximar do Brasil e a pensar iniciativas sustentáveis?
Engraçado, uns quatro meses atrás, peguei minha tese para ler…

Na época, meu professor disse: “Walter, tenta fazer o seguinte – use o modelo capitalista de precificação de ativos e aplique para valor de sociedade. Isso era a minha tese. 

Então, usei o Capital Asset Pricing Model – CAPM, uma forma de analisar e investigar as relações existentes entre o risco e o retorno esperado de um investimento e fiz um espelho para valor de sociedade. Usei como exemplo a floresta amazônica – que era chamada de “pulmão do mundo” – e criou-se números de quanto vale essa floresta. 

Com isso despertou em mim essa visão – na época nem se falava em sustentabilidade – de que a água e a floresta têm valores que não estavam sendo computados

Aí iniciou pra mim também uma jornada – que dura até hoje – de sempre conectar, com o que estou fazendo, uma possibilidade de ter harmonia entre modelos econômicos e modelos de sustentabilidade. 

Meu professor adorou e obtive a maior nota possível pra essa tese.

Seu estudo foi especificamente para o aspecto ambiental ou você já falava sobre o S (social) do ESG também?
Falava sobre o social, sim. Eu tinha outros exemplos além da Amazônia… se você cria uma fábrica com catalisadores que ajudam a reduzir as emissões de carbono, mostrava também o impacto social da geração de empregos.

O que não tinha era o G, que até hoje é o mais difícil de encaixar.

Você iniciou na BASF como aprendiz, mesmo antes de iniciar a faculdade?
Sim, eu tinha 22 anos. Depois de dois anos, falei: poxa, preciso de uma formação acadêmica. Aí, saí da BASF e fui estudar engenharia de produção e voltei para BASF no programa de trainees [em 1991].

E logo depois, você foi expatriado para a Argentina e, em 1993, chegou ao Brasil por um motivo pessoal. Pode contar mais sobre essa fase, de como vida pessoal e profissional se misturaram?
A BASF queria me contratar e eu falei que só ficaria se eles me mandassem pro exterior. Eles disseram que tudo bem, mas eu não sabia para onde iria. Eles não podiam prometer um lugar. Poderia ter sido Japão, qualquer outro lugar. Por mim tudo bem, eu queria sair e estar em outros mundos.

Minha mãe sempre falava para mim quando eu era criança: “O número de línguas que você fala é o número de vidas que você vive”. E eu carreguei isso a minha vida inteira

Então, depois de um ano, me mandaram para Argentina, onde conheci a minha esposa, que é brasileira, de Santos. E meu objetivo número um, dois e três era ser transferido para o Brasil, o que consegui (risos)!

Lá na Argentina eu fiz estudo de mercado, visitava clientes, isso me formou. Quando você está próximo ao cliente, sabe o que o cliente precisa – e sabendo disso, reduz tremendamente o risco de qualquer inovação. Fiquei um ano, obtive sucesso ao converter os estudos de mercado em vendas, e aí fui transferido pro Brasil. 

Aqui, peguei uma onda boa, cheguei em 1993, pouco antes do Plano Real – e isso também foi importante. Trabalhar muito é um pré-requisito, mas tem que ter um pouquinho de sorte

Com o Plano Real, o Brasil se abriu e eu trabalhava para uma empresa que importava. Devido a essa abertura, tive um sucesso enorme, de novo, muito próximo a clientes que até hoje são amigos – na minha festa de 60 anos vão estar os meus dois clientes mais importantes da época em que eu estava no Agro, na BASF!

Foram 21 anos dentro da BASF, de trainee a Presidente Global da Unidade de Nutrição e Saúde. O que foi preciso, em termos de desenvolvimento pessoal para você trilhar esse caminho em que não apenas galgou e chegou mais alto na hierarquia, mas foi de um segmento para outro?
Os produtos da BASF vão para muitas indústrias; com essas mudanças que fiz, de uma unidade para outra, contei 15 indústrias com as quais de alguma forma – direta ou indiretamente – tive contato ali dentro.

Essa é a terceira dimensão, depois de diversidade cultural e de conhecimento. Eu fui de uma indústria para outra e, sabe, os problemas sempre são parecidos! De repente você está em agro, mas antes estava em surfactantes, que fazem parte de detergentes e são soluções para aplicar em defensivos agrícolas. 

Quando eu estava em agro, pensávamos muito em produtividade, em como produzir mais por hectares. Quando fui pra Votorantim Cimentos, pensava em como fazer o trabalho do pedreiro mais produtivo com um cimento que seca mais rápido

 Se você traz um conceito de uma indústria e se leva para outra, automaticamente, você está inovando. Então, é preciso curiosidade. 

Na minha carreira, sempre que entrava numa nova posição me perguntava: “Como faço o meu melhor?” 

E meu movimento mais importante na carreira foi para trás, em 2003. Eu estava obtendo sucesso no Brasil e me mandaram pra Alemanha em 2001 – eu fui o vice-presidente mais jovem. Mas eu precisava voltar para o Brasil por causa da minha esposa. Ela era promotora de justiça, só tinha recebido três anos de licença e não tinha posição pra mim aqui no país… 

Então, eles me perguntaram se eu sairia de vice-presidente e voltaria a ser diretor? Respondi que, se fosse interessante, eu topava. Eles não acreditaram. Esse foi o passo mais importante porque eu amadureci, aprendi ainda muito mais

Depois de dois anos, eles me promoveram a vice-presidente de agro da América Latina, e eu estava pronto. Hoje, os jovens não pensam mais tanto em hierarquia, mas sim em experiências, em aprender.

Mas naquela época, você foi ousado…
Sim. E ganhei muito respeito de meus chefes. Tenho a impressão de que, na casa deles, as esposas devem ter falado: “Você viu – esse cara fez o que a mulher queria (risadas)!”

Mas foi duro… e quando você é uma pessoa carreirista, não consegue. Cada um tem seu ego, sua vaidade. Mas acho que foi o passo mais importante da minha carreira. 

Um período marcante de seu período na BASF foi quando trabalhou por cerca de cinco anos na área agro (entre 2005 e 2010 foi Group Vice President de Crop Protection and Animal Nutrition na América Latina e membro do time executivo de produtos agro e do comitê de P&D). O que te causou tanto impacto? E por quê?
O segmento agro, sobretudo quando você está em uma empresa química, é o berço de inovação, é onde você pode inovar muito. É uma combinação de inovação em um segmento muito conservador, com pessoas fantásticas. 

O agricultor pode ser milionário, multimilionário, ter 20 mil hectares, mas sempre é pé no chão, vive o dia a dia, acredita ser parte de um ecossistema. Então, gostei muito… pra quem gosta de inovação como eu, foi um brinquedo fantástico 

Vou te dar dois exemplos. Trabalhei muito com o Maurício Russomanno que, hoje, é CEO da Unipar e é tão inovador quanto eu. Ele sugeriu que colocássemos estações de clima [agrometeorologia] nas plantações para medir umidade. E fizemos. Lamentavelmente, na época não existia a nuvem, então, você não conseguia tirar valor dos dados. Hoje, tem startups que só fazem isso! Estávamos muito adiantados para aquele tempo.

Fizemos também um Digilab – uma câmara colocada em cima da folha doente para comparar com a biblioteca de fotos e encontrar a doença que atacava aquela planta. Eram coisas fantásticas! 

Agro foi a melhor parte da minha carreira em função do perfil do mercado, dos clientes e o potencial de inovação. E a equipe de agro na BASF era fantástica, e eu falei: “Um dia vou voltar”. Chegou o dia [com a MasterBarter], depois de eu me aposentar, vamos dizer assim…

Na BASF você teve oportunidade de iniciar contato com o ecossistema de inovação aberta?
Sim. Na época não se chamava inovação aberta. 

Além das estações de clima e do Digilab, um terceiro ponto foi criar uma plataforma de comunicação bem simples – acho que na época nem tinha Facebook – pela qual a gente conectava agricultores com agrônomos e cientistas, para que pudessem assessorar o campo. 

Nós chamávamos isso de Top Ciência. Depois de três anos, isso virou a plataforma de inovação aberta. 

Acha que sua atração e vontade de estar perto do agro tem alguma coisa a ver com a sua tese de mestrado lá de trás?
Sim. Eu tinha um projeto – mas não consegui convencer a BASF na época – para financiar miniplantas fabris de biodiesel em qualquer porto ou refinaria para produzir através do grão o seu próprio biodiesel e usar isso para o plantio, como combustível. Isso tem muito a ver com o que eu fiz lá no mestrado tentando criar valor. 

Se você pode usar seu próprio plantio pra [gerar] energia [por meio de biomassa], você cria empregos, reduz emissões e não precisa transportar o petróleo dos portos até o Mato Grosso, por exemplo. E isso tem um impacto grande

Sempre tive essa visão de como criar valor, reduzindo o impacto. Depois, na Votorantim Cimentos foi a mesma coisa quando falamos também de energia. Existia, sim, essa ligação – que talvez não seja óbvia – com o mestrado.

Em termos pessoais, a transição da BASF para um mercado bem diferente, o de cimento, foi difícil?
Depois de ter sido VP de Agro na Latam, fui promovido na Alemanha para ser presidente mundial de nutrição e saúde. 

Em termos de carreira, foi fantástico, porque era uma nova unidade. E eu podia criá-la onde quisesse, era eu quem definia onde seria ser a divisão – numa multinacional, isso é um sonho… Mas, em termos de família, foi uma catástrofe

A minha esposa adorava a Alemanha, mas os meus filhos eram adolescentes, não se adaptaram… E eu também me cansei um pouco da burocracia de uma multinacional. 

Essa combinação de fatores com a possibilidade que havia de a BASF me mandar pra Ásia e depois para os Estados Unidos – o que não faria bem pra minha família – me fez buscar algo no Brasil, onde eu poderia continuar a fazer o que eu gosto: trabalhar em nível mundial e ter a minha casa em São Paulo. 

E a Votorantim Cimentos me ofereceu exatamente isso. É uma empresa global, familiar, mas profissionalizada; que dava bastante espaço para empreender – e sediada em São Paulo. Na época, meus amigos falavam: “O quê… depois de tudo, você vai pra [área de] cimento?” (risos) Eu fui. 

Voltei numa fase péssima do país – pós-Dilma Rousseff, com a operação Lava-Jato e a indústria de construção indo para o chão… então, foi muito difícil. Mas encontrei uma oportunidade de inovar 

Trouxe meu colega Maurício Russomanno da BASF para Votorantim e pensamos em criar um ecossistema com um programa de fidelidade – para cada saco vendido na lojinha, o varejista recebe um ponto. Depois, isso seria ampliado para o pedreiro.

Além disso, pensamos em deixar o varejista fazer as compras online e criamos um app. Dentro de um ano, nós tínhamos vendas de 1 bilhão de reais. Isso foi o começo da Juntos Somos +

Achamos incrível que em uma indústria tão conservadora tenha havido uma repercussão tão grande. Quando nos demos conta disso, pensamos em fazer algo maior. 

Visitei a Tigre e a Gerdau e convidamos as duas para serem acionistas de uma empresa separada. Elas toparam e depois vieram Suvinil, Eternit, Vedacit etc. Virou o maior ecossistema de materiais de construção aqui no Brasil nos últimos três anos 

Isso foi algo que me fascinou. A combinação dessa experiência na Votorantim Cimentos com o meu conhecimento de agro levou ao desejo de fazer alguma startup na área de agro.

A própria Votorantim Cimentos afirma que sua gestão lá esteve focada em inovação e práticas sustentáveis. Quais outras iniciativas você destaca desse período de seis anos?
O cimento tem muito impacto sobre o meio ambiente em dois sentidos: primeiro, ele precisa de muita energia para ser produzido; e segundo, quando você esquenta calcário a 1200 graus, para fazer clínquer, a matéria-prima do cimento, a reação química emite CO2. Isso não pode ser mudado. 

Então, nós focamos muito no primeiro passo – energia. Ao invés de usar coque de petróleo [que impacta o ambiente de forma negativa], vamos queimar biomassa? E a coisa mais gostosa foi uma ideia fantástica de um colega: “Puxa, estamos lá no Pará com nossa fábrica e lá se produz muito açaí. Por que não queimamos o caroço de açaí, em vez de coque de petróleo?”

Conseguimos substituir uma grande parte do coque de petróleo ,que vinha de Houston até o Pará, por caroço de açaí, que era jogado fora. É mais um exemplo de como podemos criar uma sinergia no ecossistema local substituindo uma energia não sustentável – ou menos sustentável – por biomassa

Fizemos disso um tema; depois da minha saída, eles criaram lá uma própria empresa com soluções ambientais e processamento não de biomassa, mas também de resíduos.

Esse foi um grande destaque, além de trabalhar como presidente da Associação Brasileira de Cimento Portland (ABCP) para mudar os standards do cimento, para que tivéssemos uma pegada menor de CO2. Acho que essas foram as duas coisas que me marcaram nesse lado de sustentabilidade.

A partir de 2014, além da ABCP, você iniciou uma atuação em conselhos de associações nacionais e internacionais ligadas à indústria de cimento – Cement Sustainability Initiative, Sindicato Nacional da Indústria do Cimento – SNIC e Global Cement and Concrete Association – GCCA? Qual o balanço profissional você faz dessas experiências?
Eu aprendi como você também cria pontes. Porque de repente, você está sentado na mesa com vários concorrentes – com quem você briga o dia inteiro – e tem de trabalhar em prol da indústria, do interesse de todos. 

Foi um aprendizado muito grande, sobretudo para um estrangeiro! 

Imagine um alemão sendo presidente do Sindicato Nacional da Indústria de Cimento… eu entrei na sala e tinha as fotos de todos os antigos presidentes, que eram capitães de indústrias – o próprio Antônio Ermírio de Moraes um dia foi presidente do SNIC –, era algo bem nacional

Eu acho que a minha multiculturalidade ajudou para realmente juntar todo mundo de alguma forma. E até hoje eu estou em conselhos. 

Saí de associações para trabalhar em conselhos e repassar conhecimento, participar de empresas familiares, ajudar através da governança. É quando o G, do ESG, entra na minha carreira… e estou gostando muito.

Essa minha combinação atual de ser CEO de uma startup e, de outro lado, ser conselheiro de empresas centenárias.

De 2020 para cá você atua como diretor não-executivo independente em seis companhias – AECI; Ambar; Grupo Tigre; Tenda Atacado; Evora e Grupo Baumgart. Chama a atenção você dizer que está em conselhos de empresas que precisam de um olhar de governança. Temos muitas empresas com gestão não-profissional ainda no Brasil que precisam desse olhar…
Sim, o Brasil vive das suas empresas com raiz familiar. Acho que 80% do PIB gerado por empresas vem de empresas familiares.

Parece que todas são Gerdau, mas não são. A maioria são empresas de família com muito sucesso, que não estão só em São Paulo. Elas já estão na segunda ou terceira geração de donos.

Essas mudanças de gerações não são fáceis… e um executivo como eu pode ajudar muito, porque você passa sempre pela mesma situação. Quando você está num conselho, vê situações que viveu na pele anos atrás

Essa experiência ajuda, mas além disso, dá para ajudar muito positivamente na profissionalização da empresa, porque a segunda ou terceira geração da família costuma ser mais de acionistas do que de executivos. Então, como ajudá-los a dirigir a empresa onde o pai era o CEO, de uma forma diferente? 

E isso é muito legal. Gosto muito, porque é gratificante ver que está ajudando.

O ano de 2019 foi seu período sabático, após a saída da Votorantim e antes de fundar a MasterBarter? Você fez nada menos que três programas executivos – Transformação Digital pelo International Institute for Management Development – IMD; Making Corporate Boards more effective em Harvard; e Leveraging Neuroscience for Business Impact em The Wharton School. Foi um momento de estar perdido, de se preparar?
Eu não sabia o que ia fazer. Saí da Votorantim superbem com toda a família.

Eu queria fazer alguma coisa diferente, mas não sabia o quê. Recebi uma grande dica de um amigo: “Nos primeiros seis meses depois de sair, não decida nada. Qualquer decisão pode ser  errada, você precisa de um tempinho”

Aí, fiz na Suíça um seminário de digitalização que foi muito interessante. Nunca vou me esquecer de quando o professor perguntou: “Qual é a empresa do mundo que mais cresce em valorização? Vocês não vão nem saber o nome. É o TikTok” 

Na época, eu nem sabia o que era. “Agora, perguntem aos seus filhos se eles conhecem a TikTok”. Cada um mandou um WhatsApp e todos os filhos conheciam. “Vocês veem como são arcaicos?” 

E além disso, comecei a ativar as minhas redes, porque quando você é um executivo focado, perde um pouco isso. Graças a Deus, consegui ativar antes da Covid-19, e começaram a chegar ofertas de conselho que me interessavam… E propostas para ser CEO, que eu rechacei porque não sabia se queria entrar nisso de novo. 

No fim de 2019, tomei café com um amigo meu – Francisco Pereira – que me contratou para Trademaster, uma fintech de sucesso aqui no Brasil. 

O Chico trabalhou na Bunge e durante o café, eu disse: “Imagine se criássemos um cartão de crédito para o agricultor no qual ele pudesse colocar sua safra futura [como crédito] e gastar? E ele olhou pra mim e disse: “Isso poderia funcionar, viu!”

Dois meses depois, no início de 2020, ele me liga e propõe de criarmos uma empresa em conjunto. No papel, criamos a MasterBarter em agosto de 2020 e trouxemos mais um sócio muito importante, o Marcelo Borba.

A empresa surgiu de um cafezinho e de um papo de conectar, assim como fiz na Juntos Somos+. E aí para mim ficou claro que eu quero estar em conselhos e na MasterBarter. 

A MasterBarter tem uma plataforma de blockchain que faz os contratos inteligentes de Barter. E também tem o cartão de crédito e a conta digital. Como você encarou o uso da tecnologia a blockchain, que é pouco dominada até mesmo entre desenvolvedores? Isso lhe causou algum temor durante a modelagem do negócio?
É interessante, porque a ideia principal era o cartão de crédito e a conta digital. E para fazer isso você precisava fazer contratos de Barter para poder depositar o grão no cartão. 

Aí, aproveitei das minhas redes e fui ao Santander, que fazia parte da Juntos Somos+. O Mário Leão me conectou com o chefe de agro. Ele me falou que nós teríamos de criar uma plataforma mesmo: “Se você só faz isso por causa do seu cartão, faça uma plataforma capaz de fazer qualquer contrato de Barter”.

Ainda estávamos na fase de PowerPoint e a Mastercard, que gostou – e ainda gosta – muito do nosso produto, disse que tinha um parceiro nos EUA chamado GrainChain, que faz contratos inteligentes em blockchain. Aí, nos encontramos com essa empresa inacreditável, especialista em blockchain agro 

Decidimos já colocar tudo numa plataforma de blockchain, porque no futuro poderíamos conectar nossa plataforma com um ecossistema de sustentabilidade, criar rastreabilidade e transparência [dos produtos agrícolas transacionados].

Para fazer só um contrato para o cartão de crédito, você não precisa de blockchain, pode fazer fora. Mas já que estávamos criando uma plataforma de contratos, decidimos que seria uma que nos oferecesse ainda mais oportunidades pra frente. 

Então, foi uma combinação de visitar aqueles que conhecem, em vez de tentar inventar, e encontrar o parceiro certo. Isso foi um pouco de sorte também!

O que veio primeiro a plataforma ou a conta digital? Como foi esse timeline?
Começamos a desenvolver a plataforma em abril do ano passado; como a equipe era pequena, a fase de desenvolvimento demorou até o começo deste ano. Em paralelo, nós trabalhamos toda a parte da conta digital e do cartão, porque eles precisam ser conectados. 

Quando eu faço um contrato específico pro cartão, ele tem que comunicar com a conta digital. Foi um trabalho muito forte de desenvolvimento e de integração, que ficou pronto em março deste ano. Estamos há cinco meses apresentando os dois produtos. 

A plataforma é um produto B2B, porque quem usa é quem gera os contratos com os agricultores – por exemplo, os fabricantes de fertilizante ou de defensivos agrícolas, revendas, distribuidores ou cooperativas que trocam grãos por produtos. Você também pode fazer contratos de compra e venda normais, não precisa ser Barter.

É uma ferramenta de gestão de contratos que tem a parte do G – da governança – na nossa proposta de valor. Já o cartão e a possibilidade junto com a plataforma é muito mais a parte S – do social –, porque oferece uma nova forma de se financiar 

Não existe, no mercado global, a possibilidade de antecipar uma safra futura pra gastar no cartão de crédito com despesas pessoais. 

A Mastercard falou: “Somos os únicos a nível mundial, que tem um cartão e uma conta digital agro”

Todo cartão de crédito tem uma taxa de operação implícita. Quando você fala que o agricultor pode adiantar o recebimento da safra dele, existe alguma diferença da taxa cobrada, por ser o mercado agro, por ser safra futura?
É diferente de um cartão de crédito comum, porque é um cartão de crédito pré-pago. Por quê? Porque o agricultor faz um contrato com a Cooperativa – fornecer mil sacas de soja em seis meses. Aí a cooperativa fala: “OK, vamos fechar 150 reais a saca, então, são 150 mil reais. Eu tenho um parceiro, a MasterBarter que oferece, com financiadores, esse dinheiro antecipado no cartão de crédito. Você quer fazer um contrato BarterCard?” 

A taxa de juros é muito similar à do mercado. Só que o agricultor pode ir no aplicativo e vender, por exemplo, 100 sacas por semana, durante dez semanas, caso não tenha necessidade de tudo imediatamente. Ele pode adequar a venda ao fluxo de caixa de que ele precisa. E, com isso, a taxa que ele paga mesmo é bem menor 

Se o agricultor for antecipar a safra com o banco, recebe os 150 mil reais numa tacada só, no primeiro dia, e paga juros sobre o valor inteiro. No nosso caso, ele só paga os juros no momento em que libera as sacas de soja de que precisa, lá na conta digital.

A MasterBarter tem a missão de possibilitar acesso dos agricultores de todos os tamanhos a contratos de antecipação de safra. Reaproximar-se do mercado agro quando o ESG ganha tanta força te animou? Como mais a MasterBarter pode contribuir com os compromissos ESG?
O que nos motiva muito é que nós percebemos que a combinação da plataforma com uma conta digital permite um Barter de qualquer coisa. Então, um produto de leite… nós podemos fazer a triangulação com quem compra o leite e quem financia as despesas pessoais. Sempre estamos falando dessa área de despesa pessoal. 

Também acesso para agriculturas menores. Porque o Barter era mais pro mediano e grande e como o meio digital democratiza, nós estamos democratizando o Barter, não só em termos de diferentes culturas e segmentos de agronegócio, mas também em tamanho do produtor.

Essa é nossa grande contribuição no S. E nós temos uma ideia do E… 

Imagine um cafeicultor que fecha um contrato na nossa plataforma Digibarter de mil sacas com a Nestlé. Nós temos isso no blockchain. Agora, imagina que ele inputa os dados de sustentabilidade dele, nós auditamos e colocamos no mesmo bloco. Aí, conectei a saca de café com o nome do agricultor e com o nível de sustentabilidade dele, num meio muito seguro. E eu tenho a conta digital. 

Teoricamente, se o consumidor final ler o QR Code no saquinho ou na cápsula, pode saber de quem veio o café, o nível de sustentabilidade desse produtor e pode até dar um cashback na conta digital do agricultor!

Eu estou aqui “voando”, mas esta é a mágica do blockchain… 

Queremos captar também a parte E – ambiental – através do que chamamos internamente de Ecobarter, para ajudar CPRs verdes pelos quais os agricultores captam dinheiro e em contrapartida mostram seus objetivos de sustentabilidade e conectam isso junto com o seu contato para ter a rastreabilidade e transparência. 

Você é também investidor-anjo em outras empresas? Quantas e quais? Como começou?
Comecei a ver como poderia me inserir nesse ambiente e conheci a Bossa Nova Investimentos, por indicação de um amigo. Fui lá, há apresentações de startups, comecei a fazer parte e investi nos fundos deles.

Aprendi muito sobre startups, como funciona. Com isso, três meses antes da pandemia conheci uma startup e investi nela. Lamentavelmente, ela quebrou. 

Esse foi meu primeiro investimento. Faço parte do conselho da startup Ambar e conheci outras startups. Junto com amigos, investi em mais duas. E me conectei com um empreendedor incrível nos EUA que foca em redução de pegada de CO2. Também investi numa empresa dele e sou adviser dele.

Sou bem seletivo ao investir. Nos últimos 18 meses não mais, porque estou investindo na MasterBarter pra realmente assegurar nosso runway. Estou muito mais focado no próprio negócio. 

 

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