Os corredores da COP26 (Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas) nunca viram tanta diversidade. Os chefes de Estado e suas delegações dividem espaço, em Glasgow (Escócia), com ativistas do movimento negro, lideranças de povos indígenas, celebridades, ativistas e empresários de diferentes backgrounds. “Esta COP está tendo um engajamento realmente muito grande de agentes da sociedade civil e de políticos”, confirma Guilherme Syrkis, diretor-executivo do Centro Brasil no Clima (CBC), que conversou por telefone com o NetZero diretamente dos corredores do centro de conferências.
O cenário é estimulante, mas o pano de fundo é de preocupação. A questão climática é tratada pelas Nações Unidas como uma emergência global, uma catástrofe em curso – e apenas compromissos de longo prazo poderão minimizá-la. Atento a isso há pelo menos uma década, o CBC se tornou um dos mais importantes think tanks brasileiros para elaboração de ações estratégicas e mobilização da sociedade para combater os efeitos do clima.
Uma de suas iniciativas mais importantes hoje é a articulação dos Governadores pelo Clima (GPC), que congrega 25 governadores brasileiros comprometidos com o ambiente. Durante a COP, o GPC lançou oficialmente o Consórcio Brasil Verde. Na prática, esse consórcio vai tentar ocupar, ainda que parcialmente, o vácuo deixado pelo governo federal na gestão do meio ambiente brasileiro e buscar recursos internacionais para ajudar a financiar políticas de redução de gases-estufa e também de adaptação e mitigação dos efeitos já observáveis da mudança climática.
O lançamento foi anunciado na COP26 pelo governador Renato Casagrande, do Espírito Santo, presidente do consórcio. Paralelamente, o grupo já se articula para abrir um canal de diálogo com os Estados Unidos e a União Europeia.
PARA AMBIENTALISTA, METAS PODEM SER MAIS AMBICIOSAS
O ambientalista, mestre em Política Energética e Ambiental pela Universidade de Chicago com uma bolsa da Obama Foundation, afirma não haver mais tempo para simplesmente sentar e esperar uma mudança na política ambiental. Mas também vê aspectos positivos na participação do Brasil no evento.
“O Brasil chegou aqui com muito pouca credibilidade e sob forte desconfiança, então foi positiva a entrada do país no acordo das florestas [a Declaração dos Líderes de Glasgow sobre Florestas e Uso do Solo] e para a redução do metano, que é 28 vezes mais poluente do que o gás carbônico. Conversei com altos negociadores dos Estados Unidos e da União Europeia e me parece que ficaram satisfeitos com isso.”
O Brasil, aliás, tem condições de ser muito mais ambicioso nessas metas, diz Syrkis. Em discurso na conferência, Joaquim Leite, ministro do Meio Ambiente, declarou que o país se compromete a reduzir 50% das emissões de gases de efeito estufa até 2030 e a atingir a neutralidade de carbono até 2050.
Na avaliação de Syrkis, essa “não é uma meta complicada”. “A gente tem estudos que mostram que o Brasil poderia chegar no mínimo a 64% em redução de emissões. Com o início do mercado de carbono, isso poderia chegar a 80%. Bastaria fazer um melhor manejo da agropecuária e avançar com políticas de saneamento [para reduzir as emissões de lixões, por exemplo]”, diz.
Uma das grandes preocupações do CBC neste momento é com o setor de energia, com o aumento do uso de gás natural na geração, e “os vários jabutis que passaram junto com o projeto de lei que viabiliza a privatização da Eletrobrás”. Uma das medidas previstas no projeto, por exemplo, é a exigência de contratação de usinas termelétricas a gás para fornecimento de 8 megawatts (MW) por 15 anos.
BRASIL PODE LARGAR NA FRENTE SE REGULAR MERCADO DE CARBONO
Prestes a iniciar a segunda semana de COP26, Syrkis diz que ficou claro para ele que é preciso investir na ofensiva dos Governadores Pelo Clima. “Eles precisam realmente se comprometer a fazer planos de ação, de adaptação e de mitigação e deixar isso pronto para as próximas administrações. Temos de deixar claro que essas ações são políticas de Estado, e não de governo”, afirma.
Outra frente que ele considera crucial é em relação ao projeto de lei 528/21, que institui o Mercado Brasileiro de Redução de Emissões (MBRE), que regula a compra e venda de créditos de carbono no país. “É extremamente importante que os governadores pressionem suas bancadas em relação a esse PL, que foi desidratado e precisa ser aprimorado”, conta. Segundo ele, o PL, na sua versão atual, atrela o desenvolvimento do mercado de carbono no Brasil ao fim das negociações, em nível internacional, sobre o tema, que são muito mais complexas e podem demorar tempo demais para serem concluídas.
Ainda no campo das parcerias com o poder público, Syrkis conta que o CBC está fazendo um estudo grande para avaliar o impacto da substituição da frota de ônibus de Porto Alegre (RS) por veículos elétricos. “Queremos avaliar o custo disso, mas também o impacto no PIB em relação à saúde, já que estudos mostram que um quinto das mortes no mundo está associado a problemas de saúde causados pela poluição”, revela.
EMPRESAS PRIVADAS DEVEM SE ENGAJAR MAIS
Além dos atores públicos, Syrkis chama a atenção para a necessidade de engajamento de empresas privadas no combate à mudança climática. E cobra, dos empresários, um posicionamento mais firme em relação ao tema.
“As empresas de modo geral têm um posicionamento tímido em relação à política ambiental do governo federal, principalmente as federações de indústrias. É muito tímido e aquém do que é necessário para um país que tanto demanda segurança jurídica e confiabilidade.”
Para ele, as grandes empresas do país já sabem que a preocupação ambiental agora “faz parte da regra do jogo”, e que aqueles que lavarem as mãos vão sofrer boicotes e perder mercados.
“Há diversos movimentos de empresas grandes comprometidas e querendo avançar com a pauta. Há empresas e empresas.”
No agronegócio, cita como exemplo positivo a JBS, e ressalta: “A preocupação maior é com empresas menores, muitas na ilegalidade, que fazem grilagem e desmatamento ilegal, e não são o retrato do nosso grande agro”.
A JBS, maior empresa de proteína animal do mundo, e a BRF, que detém marcas como Sadia e Perdigão, foram apresentadas como cases de sucesso pelo governo brasileiro na COP26. O presidente da JBS, Gilberto Tomazoni, declarou, em Glasgow, que a companhia pretende mapear as diretrizes de ESG de todos os seus fornecedores até 2025.
Além do rastreamento, a JBS já investe em pesquisa para reduzir as chamadas emissões entéricas de metano, causadas pelo processo de digestão do gado, e afirma que já conseguiu reduzir essas emissões em mais de 30% com alterações na dieta dos animais.
Pelo lado positivo, Syrkis diz que o Brasil pode recuperar sua credibilidade internacional rapidamente se voltar aos trilhos do diálogo e do compromisso efetivo com o ambiente. “O Brasil é muito querido pelas pessoas, e o mundo entende que nós somos parte da solução para a crise climática”, conclui.
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