Imagine o que é trabalhar em uma organização que tem como missão redefinir o conceito de sucesso nos negócios. Imagine que esta redefinição mexe com conceitos pétreos, tirando a máxima do “lucro acima de tudo” e colocando em seu lugar o “lucro com benefícios socioambientais”. Imagine o trabalho para sensibilizar e identificar as empresas que utilizem seu poder no mercado para encontrar soluções para questões sociais e ambientais brasileiras. Imaginou? Pois esta é a rotina de Greta Salvi, Paula Bonazzi e Julia Maggion, as três únicas funcionárias da organização Sistema B no Brasil.
Mais do que uma ONG, o Sistema B é um movimento global que busca criar um ecossistema de Empresas B, ou seja, aquelas que passaram pelas transformações acima. Surgiu nos Estados Unidos em 2006 e chegou há doisa anos à América Latina. Está a apenas um ano no Brasil e o primeiro ano de funcionamento por aqui foi de muitas batalhas e conquistas. A recompensa disso tudo vem aos poucos. Este mês, por exemplo, a organização comemorou a certificação da maior Empresa B de todo o sistema: a Natura acaba de ganhar o título de Empresa B por combinar lucro com responsabilidade social. Com faturamento de 2,8 bilhões de dólares em 2013, a Natura é, hoje, a maior certificada no Brasil – e também no mundo. A notícia levou o Guardian a questionar se isso abrirá um precedente para que grandes corporações passem a integrar o sistema, caso do Kickstarter, outro gigante que é “B Corp” também.
Luiz Seabra, Guilherme Leal e Pedro Passos, fundadores da Natura, recebem o certificado de Empresa B, no último dia 9.
Para a Natura, a certificação é parte de uma preocupação maior com a sustentabilidade, não apenas do negócio, mas do ambiente em que ela atua. João Paulo Ferreira, vice-presidente Comercial e de Sustentabilidade da Natura participou de um evento na última semana anunciar a visão de sustentabilidade da Natura para os próximos anos afirma: “A sociedade atribuirá maior valor àquelas companhias que exercerem um papel de agente de transformação socioambiental. Queremos ampliar o potencial de nossa empresa na ação geradora de negócios aliados a mudança cultural e educacional”.
O movimento B é recente no Brasil, mas em termos mundiais, já coleciona altos e baixos. O Sistema B, no qual o ‘B’ se refere aos benefícios sociais que as empresas podem oferecer, surgiu em 2006 nos Estados Unidos. Por lá, as empresas certificadas são chamadas de B Corporation, onde o “B” se refere a “benefit corporation”. O movimento foi idealizado pelos americanos Jay Cohen Gilbert e Bart Houlahan, sócio-fundadores da AND 1 – empresa especializada em acessórios de basquete, além do empresário Andrew Kassoy.
COMO SURGIU O SISTEMA
O propósito dos fundadores da AND 1 era ter uma empresa diferente para o mundo. Para que isso fosse possível, eles tinham uma série de práticas para os funcionários, como aulas de yoga, por exemplo. A AND 1 era uma empresa cativante e com uma campanha jovem bastante forte até que, alguns anos depois, a operação foi vendida. Jay e Bart então se deram conta que o novo proprietário havia dado fim às boas práticas, mandando muita gente embora e otimizando o lucro a todo custo, como é comum em qualquer mercado tradicional. É onde o jogo virou.
“Só aí o Jay e o Bart perceberam a importância de se criar um movimento em que empresas privadas se comprometessem a também gerar bens públicos. As empresas não poderiam mais pensar em fazer negócios a qualquer custo, sem pensar nos impactos gerados”, comenta Greta, coordenadora de Business Development da organização no Brasil.
O objetivo do Sistema B é impulsionar as empresas a fazerem parte de um movimento de mudança. De construir junto. “Assim como os três, nós acreditamos que as empresas B são o motor da organização. Acreditamos na teoria da mudança. Queremos que cada vez mais empresas tenham o objetivo de transformar o mundo. Queremos que elas estejam dispostas a gerar o bem para o mundo, não só para os acionistas”, diz Greta.
O movimento está distribuído por vários países do mundo. Na América do Sul, o Chile foi o primeiro a abraçar o Sistema B, há dois anos, seguido por Argentina e Colômbia. No Brasil, a ONG chegou em 2013 e, nos nove meses seguintes, foi coordenada apenas por Julia e Greta. Paula chegou em julho deste ano. Hoje, no mundo inteiro, já existem 1 200 empressas certificadas, 600 delas só nos Estados Unidos – e por enquanto 30 no Brasil.
O primeiro semestre da organização no Brasil consistiu, basicamente, em entender qual caminho tomaria. “A gente estabeleceu como primeira meta fazer um mapeamento e criar um cenário brasileiro. Certificar mais empresas. A gente sabia que não adiantava falar de políticas públicas ou de investimentos enquanto tivéssemos poucas empresas certificadas. Os esforços foram concentrados nisso”, diz Paula, coordenadora de comunidades e serviços no Sistema B.
E o foco em trazer empresas para o SistemaB no Brasil deu certo. Apesar do longo caminho até a certificação — que inclui questionários, entrevistas e visitas à empresa — as 30 empresas hoje cadastradas no país são uma vitória, e um indicam como este trabalho poderá escalar. A maioria das Empresas B brasileiras tem sede em São Paulo, onde as garotas conseguem fazer reuniões presenciais para explicar melhor qual é o propósito de se filiar ao movimento. Entre elas estão a TC Urbes e a Cause, já perfiladas aqui no Draft.
COMO SER UMA EMPRESA B
Qualquer empresa pode ser uma Empresa B, contanto que tenha práticas para isso. Uma Empresa B deve se comprometer a ter altos padrões de gestão e transparência, gerar benefícios sociais e ambientais, assim como fazer uma alteração no estatuto social, em que se comprometa a ser uma empresa PARA o mundo e não DO mundo.
No Brasil, as empresas têm de fazer uma modificação no estatuto social. Basicamente, inserir duas cláusulas que dizem que ela se compromete a gerar benefícios para a comunidade e não apenas para seus acionistas. “Esse tem sido o maior desafio para gente. Muitas empresas ainda não entraram para o movimento porque essa mudança no estatuto é mais complicada de se fazer e muita gente não quer se comprometer”, afirma Greta.
Além disso, cada empresa passa por uma avaliação rigorosa em que é preciso alcançar uma pontuação mínima entre as 160 perguntas disponibilizadas. E não basta o esforço inicial: para manter o selo, a cada dois anos a empresa precisa provar que suas práticas e políticas de sustentabilidade estão avançando.
Paula e Greta explicam que o Sistema B não é apenas uma certificação. “A gente não se enxerga como uma certificação. Somos um movimento de empresas. A maneira que criamos para identificar quem são essas empresas que colaboram com o mundo é essa metodologia, que serve para avaliar os impactos que as empresas geram”, diz Paula.
As duas explicam que a certificação não é o “fim” de um processo – que dura de 2 meses a 1 ano – mas sim o início de uma interação sistemática entre iguais, como Paula vislumbra:
“O principal benefício de uma Empresa B é o engajamento. A gente espera que elas se empoderem e liderem este movimento. Queremos que se comuniquem, façam negócios entre si e, assim, gerem benefícios tanto para elas como para a sociedade”
Ao certificar grandes empresas como a Natura, o Sistema B quer provocar mais interesse e disseminar a ideologia social e ambiental para outras corporações. Se por um lado este objetivo está sendo cumprido, por outro ele também convive com uma realidade difícil e comum a muitas ONGs. Como a organização é muito nova no Brasil, Paula e Greta sabem que ainda não conseguiram traçar uma estratégia de comunicação à altura de suas ambições. “Temos consciência de que muitas empresas ainda não optaram por serem certificadas porque não sabem do que se trata. A gente tem dificuldade de expressar o que o Sistema B realmente é. O que nos falta é uma identidade”, afima Greta.
Para atacar este problema, Greta desenvolveu um método de guerrilha virtual. Para apresentar o Sistema B às pessoas interessadas, ela reúne de 10 a 15 pessoas e faz apresentações online. “Preciso que a pessoa me dedique uma hora do dia dela para que realmente entenda do que se trata. Nós não temos nenhum material escrito, nem na nossa página, que deixe exatamente clara a nossa missão e esse contato é vital para fazer o empreendedor dizer ‘agora sim, quero participar’”, conta ela.
A meta para 2015 é conseguir mais apoiadores, bem como planejar uma maneira de ser sustentável financeiramente. A ONG existe graças às taxas de certificação das empresas e de pequenos incentivos. É como Greta diz:
“O desafio de estabelecer uma organização nova no Brasil é desgastante mas, ao mesmo tempo, esta é uma página em branco que estamos escrevendo. É uma motivação saber que estamos participando da construção de um movimento. Queremos dominar o mundo. Então acreditamos que a mudança é possível”
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