Natural de Zurique, formado em Economia pela Universidade St. Gallen, Immo Oliver Paul, 50, vive na América Latina há 25 anos, os últimos dez no Brasil. Fala tão bem o português que, ao discorrer sobre a Lei de Proteção de Dados (LGPD), chega a ensinar à repórter como se conjuga o verbo anonimizar — tornar anônimo. E, de quebra, descreve o futuro palpável das novas tecnologias médicas:
“A telemedicina – a grande moda do momento, mas sobre a qual se fala apenas das imagens e do diálogo do médico com o paciente – terá de incluir os dados vitais do paciente, senão o médico não poderá fazer o seu trabalho”
Immo é o fundador e CEO da Carenet, healthtech que fornece acesso a dados de monitoramento gerados por pacientes, dentro e fora do ambiente clínico-hospitalar, usando smartphones, wearables (tecnologia vestível) e dispositivos médicos.
A plataforma de IoMT (Internet das Coisas Médicas) desenvolvida pela startup é usada em projetos customizados para clientes como Roche, Hapvida e AxisMed — e, mesmo sendo referência de mercado, não é mais o carro-chefe da empresa.
O PLANO INICIAL ERA FUNDIR TECNOLOGIA E ALIMENTOS FUNCIONAIS
Em 2009, Immo era executivo da fabricante de cimento Holcim. Alocado na Colômbia, recebeu proposta de transferência para a Rússia, mas recusou e decidiu ser sócio de um amigo na Smart Life, uma empresa de alimentos funcionais, aqui no Brasil. “Quando cheguei, não havia fundos de VC, aceleradoras de startups… Era ainda a forma antiga de se usar o próprio dinheiro, construir um produto e começar a vender”.
Sua paixão era a tecnologia. Em 2012, Immo visitou a CES – Consumer Electronics Show em Las Vegas, e voltou cheio de ideias — e com 20 wearables para testar. O plano era usá-los para mapear o estilo de vida das pessoas e recomendar produtos da Smart Life sob medida. Misturar os dois mundos, porém, se mostrou complexo:
“No fim, foquei na parte de tecnologia, peguei R$ 80 mil do bolso e fundei a Carenet. Queria vender produtos de automonitoramento para aumentar a expectativa de vida das pessoas”
Ele montou um e-commerce de pulseiras de monitoramento importadas da China e integradas a um aplicativo, o Longevity, desenvolvido aqui.
“Nosso app permitia documentar a alimentação, monitorar a atividade física, calorias queimadas, degraus subidos, sono leve e profundo… Começamos grandes demais, e surgimos cedo demais. E isso foi parte do problema.”
PRIMEIRO PROJETO: CRIAR UMA PLATAFORMA DE IOT PARA A NETSHOES
Em alusão ao gráfico Gartner Hype Cycle, o CEO posiciona a Carenet de 2014 no começo da fase “Technology Trigger” [gatilho tecnológico], quando as expectativas são altas. “Todo mundo nos adorava e nos convidava a falar sobre IoT. Mas é muito difícil ganhar dinheiro nessa fase. Não conseguíamos investidores e nem clientes”.
Após vender 500 pulseiras por R$ 200, cada (o app vinha integrado de graça), a Carenet atraiu a atenção da Netshoes. Em agosto de 2014, a startup foi contratada para criar uma plataforma de IoT para uso em seis aparelhos que havia importado da China – balança de bioimpedância, pulseira, fita, sensor para sapato etc.
“Aceitamos esse grande projeto e aumentamos o time de três para 20 pessoas. E quase quebramos — porque a Netshoes nos pagava, mas não tanto quanto a gente precisava”
Para entregar o projeto, foi preciso receber dois investimentos-anjo, de R$ 300 mil. Entre 2015 e 2017, a Carenet atendeu a Netshoes na captação e atendimento de 40 mil usuários. A barreira econômica de entrada dos wearables no mercado brasileiro, porém, ainda era grande demais.
MIGRAR PARA A ÁREA DE SAÚDE PERMITIU INCORPORAR MAIS CLIENTES
Nesse meio tempo, em 2015, a Carenet foi selecionada para uma aceleração da Wayra. Para Immo, foi como um segundo MBA, com foco em startups. A empresa seguia com a estratégia de integrar a plataforma de IoT a qualquer wearable que chegasse ao mercado brasileiro — e seguia prospectando a todo vapor, para escapar da armadilha de depender de um cliente só (Netshoes).
Aos poucos, migraram para a área de saúde, que já tinha equipamentos modernos instalados e despertava então para o uso dos wearables. A Carenet começou a tocar projetos de monitoramento remoto para planos de saúde e hospitais.
“Ganhávamos dinheiro, mas foi desgastante e não-sustentável. A cada mês eu tinha de vender um projeto novo. Tínhamos funcionários muito fiéis e foi pesado para eles, porque nunca sabiam onde trabalhariam no mês seguinte”
Desgaste à parte, a fase foi crucial para acumular conhecimento (a entrada de um diretor médico, Moacyr Campos, amparou a atuação na área de saúde) e consolidar uma reputação.
COM UM APORTE DA INSEED, A STARTUP PIVOTOU
Em 2018, a INSEED contatou a Carenet por meio do Inovabra habitat, onde a startup tem duas posições. “Eles gostaram da nossa capacidade de monitorar pessoas dentro e fora do ambiente clínico hospitalar.” A conversa avançou e, em fevereiro de 2019, a Carenet recebeu metade do aporte de R$ 4 milhões do fundo Criatec 3 (a outra metade virá em 2020).
Daí a startup pivotou: até então voltado à venda de projetos, o modelo agora é criar produtos de prateleira. Os cinco meses de abril a agosto deste ano foram dedicados ao desenvolvimento (por conta disso, o faturamento em 2019 deve ficar em metade do total de 2018, que foi de R$ 1 milhão).
As mudanças ocorreram em paralelo à formação (em outubro de 2018) de uma joint venture entre a Carenet e a consultoria Everis para comercializar a solução Morpheus, elaborada em conjunto entre 2017 e 2018 para uma grande empresa de bebidas.
“Criamos uma solução de monitoramento de sonolência de motoristas de caminhão. Colocamos dentro de um boné um eletroencefalograma que monitora ondas cerebrais e transmite os dados para o celular do gestor”
Segundo Immo, foi um caso de projeto customizado que virou produto. A Carenet cuida da tecnologia e a Everis se encarrega do comercial (por ora, o Morpheus é vendido na Espanha).
COMO AUTOMATIZAR A TRANSMISSÃO DE DADOS PARA O PRONTUÁRIO
Em maio, após desenhar a estratégia com a INSEED, a Carenet lançou o seu grande produto: o Orchestra, um software que integra sistemas de gestão de prontuários eletrônicos e equipamentos médicos como o monitor multiparamétrico (que colhe dados como atividade respiratória, batimentos cardíacos, saturação de oxigênio, pressão arterial e temperatura) e o ventilador pulmonar.
Simplificando: o Orchestra automatiza a transmissão dos dados monitorados para o prontuário — e permite a visualização em tempo real, com acesso mobile.
Antes, no Brasil, os dados vitais de pacientes colhidos em Unidade de Terapia Intensiva só chegavam ao prontuário depois que a enfermagem anotava e inseria — manualmente — no sistema. Além do risco de erros, esse processo consumia 33% do turno de uma enfermeira.
Esse cenário motivou o desenvolvimento do Orchestra junto com o Hospital Santa Catarina, em São Paulo, que Immo chama carinhosamente de “nosso laboratório” — muitas das funcionalidades do produto foram criadas por demanda dele, durante um piloto para monitorar 20 leitos de UTI, entre maio e julho deste ano.
Após o piloto, a Associação Congregação de Santa Catarina expandiu o uso para 250 leitos de UTI que mantém em São Paulo, Rio e mais três cidades fluminenses (Petrópolis, Teresópolis e Três Rios). Além disso, encomendou a integração nos centros cirúrgicos, emergência, enfermaria (quartos) e ambulâncias.
A SOLUÇÃO GERA DASHBOARDS E DISPARA ALERTAS SOBRE SINAIS VITAIS
Os equipamentos médicos no país, quase todos importados, fornecem uma enxurrada de informações, minuto a minuto. Por outro lado, os sistemas de prontuário (desenvolvidos por players nacionais) suportam apenas uma quantidade limitada de dados, segundo Immo. Sem a intermediação do Orchestra, diz, a transmissão provocaria uma pane no sistema.
“Um monitor multiparamétrico gera 10 GB por minuto de dados vitais de um único paciente. Do outro lado, o sistema do hospital está preparado para receber dados resumidos, a cada 30 ou 60 minutos, a depender do protocolo da instituição”
A solução da Carenet puxa os dados dos equipamentos (já foram integrados modelos de 20 fabricantes); filtra informações para facilitar a visualização por meio de dashboards (projetados em telas na sala de enfermagem ou acessados por tablets e smartphones); dispara alertas sobre os sinais vitais do paciente; e permite determinar quais dados devem ser enviados ao prontuário, e com que frequência.
A solução é pioneira na América Latina. Immo cita indicadores norte-americanos de redução de 30% de mortalidade e 20% do tempo de estadia na UTI em situações análogas, com uso de ferramentas que poupam o tempo das enfermeiras e permitem que médicos acompanhem pacientes a distância.
A PLATAFORMA SERÁ USADA NUMA SIMULAÇÃO DE GUERRA DO EXÉRCITO
O Orchestra é comercializado como um SaaS modular com cobrança de set up (R$ 5 mil por cada integração de software, mais R$ 5 mil por integração de hardware) e fee mensal de R$ 20 por leito monitorado/dia. “Dizemos que nosso software custa tanto quanto uma bolsa de soro adicional para o paciente!”
Em agosto, a Carenet foi bater na porta dos gigantes do setor. A estratégia foi terceirizar o comercial, oferecendo aos vendedores um finder’s fee fixo (para definir, mais adiante, percentagens sobre os valores recorrentes, em caso de venda). Por ora, a empresa está em negociação com a Rede D’Or.
“Acredito muito em TeleUTI. É uma tendência ainda tímida, mas grandes redes de hospitais tenderão a manter uma central, com seis ou sete médicos e 50 algoritmos rodando para monitorar todas as UTIs, em hospitais distintos, sem a necessidade de ter especialistas locais”
Immo crê que essa onda irá acelerar o crescimento da Carenet. A expectativa é faturar R$ 2 milhões em 2020 só com o Orchestra. O software, aliás, será usado — a partir de amanhã e até o dia 29 — na Operação Agulhas Negras, uma simulação de guerra anual do Exército brasileiro que engajará 4 mil soldados.
“Iremos realizar a primeira operação de TeleUTI do Exército utilizando a plataforma Orchestra”, diz Fernando Paiva, VP de Customer Success & Digital Sales Transformation. “Integramos os monitores multiparamétricos que estarão no hospital de campana para que os médicos do HMASP de São Paulo possam avaliar os pacientes a distância com a acurácia dos sinais vitais monitorados pela plataforma.”
Deixar de tomar os remédios prescritos pelo médico prejudica a saúde dos pacientes e as vendas da indústria farmacêutica. A Healward quer solucionar essas dores com um app que oferece cashback incentivando a adesão ao tratamento.
Alimentar-se bem desde cedo ajuda no desenvolvimento e previne doenças crônicas no futuro. Luciana Vicente e Paula Cunha empreendem a Jornada Mima, que produz e vende refeições congeladas com ingredientes naturais para bebês e crianças.
No ano passado, só a cidade de São Paulo registrou quase 450 mil casos de roubos e furtos. A startup Gabriel desenvolve câmeras e sistemas de monitoramento para identificar veículos irregulares e fornecer inteligência ao poder público.