Raquel queria mudar de carreira. Juliano tinha uma impressora 3D. Conheça a Black Purpurin, que imprime bolsas fashionistas

Marília Marasciulo - 29 jan 2020
O casal catarinense Juliano Mazute e Raquel Souza criou a Black Purpurin, marca de acessórios feitos com impressão 3D.
Marília Marasciulo - 29 jan 2020
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Juliano Mazute, 34, é um engenheiro mecânico metódico que andava de botinas com a barra da calça dobrada e fez carreira projetando implementos hidráulicos e máquinas agrícolas. Raquel Souza, 31, é uma designer de moda falante e criativa, gostava de desenhar suas próprias roupas até porque não encontrava nada que tivesse a sua cara.

Parecia que um não poderia ser mais diferente do outro. Mas os dois não só se apaixonaram como empreenderam juntos: Raquel e Juliano são os fundadores da Black Purpurin, empresa catarinense que cria bolsas e acessórios produzidos com impressoras 3D.

Fabricados com materiais recicláveis e sem origem animal, os produtos foram expostos na São Paulo Fashion Week em 2019, apenas poucos meses depois do lançamento da marca (no fim de 2018), e na feira de design e inovação Inspiramais, a única da América Latina.

O crescimento rápido pegou os sócios de surpresa. Juliano conta que eles precisaram dar uma freada para posicionar melhor a marca:

“Chegamos a ter faturamento de 20 mil mensais reais, mas pouca lucratividade. Então demos um passo para trás para agregar valor e não correr o risco de nos tornarmos uma indústria buscando centavo a centavo”

Hoje, com mais de 500 bolsas vendidas e faturamento médio de 11 mil reais por mês, a Black Purpurin preza por peças exclusivas e se posiciona como uma marca de luxo.

Sua origem, porém, vem de acessórios criados com materiais nada luxuosos: caixinhas de leite. E foi também a faísca inicial do relacionamento de Juliano e Raquel.

UM ACIDENTE DE CARRO FEZ RAQUEL REPENSAR O RUMO DE SUA CARREIRA

Em 2016, Raquel já vivia há quatro anos em Florianópolis, onde concluiu o curso em design de moda pela Universidade do Sul de Santa Catarina (ela começou estudando no Centro Universitário Belas Artes, de São Paulo, e mais tarde transferiu a graduação).

Formada, trabalhando como lojista, vitrinista e consultora de estilo, sentia-se insatisfeita com os rumos de sua carreira. Achava que estava se afastando dos “sonhos grandes”, cultivados na adolescência, de criar suas próprias coleções de moda.

Até que um acidente de carro a fez refletir de verdade sobre como estava levando sua vida. Na época, ela cursava um mestrado em jornalismo e sociedade. Mesmo assim, não pensou duas vezes:

“Eu disse ‘chega, quero montar meu próprio negócio’. Parei tudo o que estava fazendo, peguei uns livros e me tranquei em casa”

Quer dizer, o isolamento não foi tão literal assim. Um amigo em comum apresentou Raquel a Juliano, que na época fazia bicos como coach, além de gerir a Pensys (empresa que hoje atende por Dayback Energia).

ELA TEVE UM SONHO PREMONITÓRIO ANTES DA PRIMEIRA SESSÃO DE COACHING

O relacionamento, portanto, começou de forma profissional. E antes da primeira sessão de coaching, Raquel teve um sonho marcante.

“Sonhei com umas bolsas bem diferentes, e que eu estava entregando para pessoas aleatórias…. Isso foi estranho, porque era uma dificuldade que eu mesmo tinha: não curtia as minhas bolsas e as usava por necessidade.”

Incentivada por Juliano, ela juntou alguns retalhos — “se era para fazer, teria que ser com material reciclado” — e produziu sua primeira bolsa. Ou algo parecido. “Mas o Juliano me deu a maior força e estabeleceu algumas metas para que eu produzisse as bolsas.”

Fabricadas com impressão 3D, as bolsas da Black Purpurin custam em média 300 reais.

Raquel então trocou os retalhos por caixinhas de leite e, com essa matéria-prima, obteve algum sucesso. “Eu andava na rua e as pessoas perguntavam de onde era minha bolsa”, lembra.

Começou, então, a vender o acessório na loja de uma amiga, no centro de Florianópolis, por um valor entre 160 e 180 reais. “Mas era tudo bem artesanal… Eu fazia na mesa da cozinha do meu apartamento.”

Artesanal ou não, Raquel vendia cerca de 30 unidades por mês. Mesmo assim, faltava algo para que ela sentisse que estava de fato criando um negócio.

A IMPRESSORA 3D ESTAVA JUNTANDO POEIRA. AÍ, RAQUEL DECIDIU FAZER UMA BOLSA

A essa altura, início de 2017, as dez sessões de coaching tinham virado namoro, e os dois até já moravam juntos. Até que, num fim de semana em que Juliano precisava trabalhar, Raquel o acompanhou ao escritório. E foi aí que deparou com um objeto desconhecido.

Juliano explica: “Em 2013, quando começaram a surgir as primeiras impressoras 3D, resolvi montar uma, mas nunca cheguei a usar com objetivos comerciais”. A impressora tinha ficado encostada num canto, juntando poeira. Raquel relembra o diálogo insólito:

“Perguntei: ‘O que é isso aqui?’. Ele: ‘Uma impressora 3D’. Disse isso para uma pessoa que mal sabia mexer no celular… Perguntei: ‘E o que ela faz?’. E ele: ‘O que você quiser’. E aí eu disse: ‘Então vou fazer bolsa’”

Decidida, ela levou a impressora para o apartamento de dois quartos que dividiam e aí, sim, trancou-se em casa.

Primeiro, aprendeu com Juliano a usar o software de modelagem. Depois, encarou de frente a máquina, com a qual teve muitas “brigas”, lidando com limitações como o tipo de material (na época, só existia bioplástico rígido) e o tamanho de 20 x 20cm da mesa de impressão.

ATÉ IMPRIMIR A PRIMEIRA BOLSA, FORAM SEIS MESES DE TENTATIVA E ERRO

Durante todo o processo, Juliano se manteve firme no apoio à empreitada. “Sempre achei fantástico, sei que a impressão 3D é o presente e o futuro, e que faz acessórios de grande valor agregado, então dava um baita negócio”, diz.

Foram seis meses e alguns quilos de matéria-prima (cada peça consumia umas 150 gramas de bioplástico, vendido então a 350 reais o quilo) até conseguir imprimir algo que parecia uma bolsa.

Leia também: A partir de tecidos que seriam descartados, a Agama faz bolsas e mostra que a moda pode ser mais inclusiva

“Falei para mim mesma: se eu não conseguir finalizar essa bolsa hoje, não me chamo Raquel”, diz, rindo.

Em meados de 2018, ela e Juliano tinham uma “mini coleção” de nove peças (cada uma levava três dias para ser feita), que levaram à loja de amiga de Raquel para serem vendidas a 300 reais. O estoque se esgotou em poucos dias. E o casal decidiu então “se jogar” no negócio.

COM INVESTIMENTO, O TEMPO DE PRODUÇÃO CAIU E O NÚMERO DE MODELOS CRESCEU

O passo seguinte foi encontrar maneiras de agilizar a produção. Compraram novas máquinas e viajaram em busca de matérias-primas melhores: a usada nos testes não era maleável e tinha poucas opções de cores.

Investiram 110 mil reais do próprio bolso para contratar um designer e dois ajudantes, e transformaram o apartamento num ateliê. “Doamos todos os móveis e passamos a morar só em um dos quartos”, diz Raquel.

Assim, o tempo de produção por bolsa caiu para seis horas. E a variedade de materiais permitiu a criação de 30 modelos.

Paralelamente, pensavam em nomes para a marca. Raquel explica a escolha por Black Purpurin:

“Na Antiguidade, as mulheres colocavam purpurina preta nos cabelos ou no rosto como o realce final na produção. Penso que nossas peças são como esse retoque final, que realça o que ela quer mostrar no look”

O símbolo de diamante foi ideia de Juliano. “Antes da lapidação e de ser precioso, o diamante é um carvão. É assim com nossas bolsas: o bioplástico é algo sem valor, mas que depois do nosso processo se torna quase uma joia.”

Em 13 de dezembro de 2018, com a coleção pronta e o nome escolhido, lançaram a marca em Florianópolis e começaram a vender em um e-commerce próprio, além da loja da amiga de Raquel (na qual mantiveram um estoque até meados de 2019).

A IDA À SÃO PAULO FASHION WEEK DEU CONFIANÇA DE QUE O NEGÓCIO PODIA DECOLAR

A escalada da marca pegou os sócios de surpresa. Em fevereiro de 2019, foram selecionados para receber um investimento de 150 mil reais do Grupo SEB.

No mês seguinte, passaram na aceleração da Pluris, em Ribeirão Preto, que os ajudou a se estruturarem como empresa. Foi neste período que Juliano deixou o posto de CEO da Pensys, cargo que ocupava há cinco anos, para se dedicar totalmente à Black Purpurin.

Mas foi a ida à São Paulo Fashion Week que os fez acreditar que o negócio poderia decolar. E aconteceu meio por acaso. Um dia, ao fazer reposição de peças na loja, Raquel ouviu de uma empresária que deveria levar as bolsas para a SPFW. Ela lembra:

“Até então, eu ainda não tinha pensado nisso… Mas ela falou com tanta autoridade, que voltei para casa e disse ao Juliano: ‘Temos que levar para a São Paulo Fashion Week’”

Buscaram então o Sebrae, que os colocou em contato com a organização da SPFW. Deu certo. Não só foram convidados a expor seus produtos (o que ajudou a conhecer melhor os players do mercado), como Raquel foi chamada para palestrar sobre inovação na moda.

A visibilidade rendeu um novo convite, este para a Inspiramais, em junho de 2019. Sem os cerca de 15 mil reais para pagar por um estande, o casal acabou sendo patrocinado pela própria feira para expor suas criações.

UMA HORA PRECISARAM DECIDIR: CONTINUAR CRESCENDO OU SE REPOSICIONAR

Sem dar conta de acompanhar o próprio crescimento, os sócios precisaram decidir entre aumentar a produção para uma escala maior ou se posicionar como um produto de luxo (reduzindo a quantidade e apostando mais em qualidade e inovação). Juliano diz:

“Aceleramos muito cedo, no dia a dia você fica no corre-corre e nem nota… Toda nossa visão de faturamento estava voltada para o custo do produto, só conseguiríamos faturar mais se vendêssemos mais com custos menores, e essa não era nossa pegada”

Assim, mudaram novamente a produção em busca de valorizar das peças. Trocaram os complementos feitos com materiais como tecidos por outros como pedrarias, e desenvolveram técnicas novas, como uma impressão que simulava um bordado.

Também apostaram em comunicação direta com jornalistas de moda para explicar as inovações e criar desejo em torno dos objetos. E passaram a fazer parcerias com marcas, como Marisol, para desenvolver produtos com a identidade delas usando a tecnologia da Black Purpurin.

EM 2020, O CASAL QUER ABRIR SUA PRIMEIRA LOJA (E ESSA NEM É A MAIOR NOVIDADE)

A Black Purpurin fechou 2019 prospectando butiques interessadas em revender as bolsas e expandindo a linha de acessórios, com colares, brincos e presilhas para o cabelo. Segundo Juliano, a decisão de reposicionar a marca se mostrou um acerto:

“Quando mudamos o discurso, os clientes passaram a fazer perguntas diferentes e os parceiros começaram a dar um valor muito alto para o produto, mais até do que nós imaginávamos”

Para 2020, o plano é abrir a primeira loja própria — na badaladíssima praia de Jurerê, uma das mais bombadas de Florianópolis — e ampliar a parceria com as outras marcas.

Mais importante, e para não dizer que só falam de trabalho (hoje, eles combinam horários para não conversar sobre a empresa): em 2020, Raquel e Juliano planejam se casar. Ele, agora estiloso, sem usar botinas. Ela, com acessórios da Black Purpurin e uma sandália de design próprio — e que deverá ser impressa em breve.

 

DRAFT CARD

Draft Card Logo
  • Projeto: Black Purpurin
  • O que faz: Bolsas e acessórios com impressoras 3D
  • Sócio(s): Juliano Mazute e Raquel Souza
  • Funcionários: 5 (freelancers convocados sob demanda)
  • Sede: Florianópolis
  • Início das atividades: 2018
  • Investimento inicial: R$ 110 mil (aprox.)
  • Faturamento: R$ 11 mil/mês (2019)
  • Contato: [email protected]
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