A Curió organiza e media visitas de crianças e jovens a museus para promover desde cedo o contato com a arte

Marina Audi - 26 jun 2019
As sócias da Curió: Daniela Kohl Schlochauer (à esquerda) e Georgia Lobacheff.
Marina Audi - 26 jun 2019
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A pedagoga Daniela Kohl Schlochauer é mãe de três crianças, uma “escadinha” que vai dos 7 aos 10 anos. A jornalista Georgia Lobacheff tem um menino de 11. As duas sempre levaram os filhos a museus, desde que eles eram bebês. Essa experiência de anos de passeios culturais em família agora está a serviço de um novo projeto. Georgia e Daniela são as idealizadoras da Curió Arte & Criança, que organiza visitas mediadas a museus e exposições para o público infanto-juvenil.

A Curió alçou voo em agosto de 2018. Em menos de um ano, as sócias já levaram cerca de 550 crianças e adolescentes, dos 4 aos 16 anos, para conhecer e descobrir as nuances artísticas da Bienal de São Paulo, da badalada exposição de Ai Weiwei na Oca, no Parque do Ibirapuera, e da coleção da Pinacoteca do Estado, na região central da cidade, onde os jovens puderam visitar também a mostra “Sopro”, de Ernesto Neto.

A cada passeio, as crianças são reunidas em pequenos grupos, durante duas horas (e acham pouco!). O trabalho das sócias não se resume a evitar que a meninada toque onde não é permitido, longe disso. Elas trabalham para oferecer uma visita customizada, com adequação de linguagem e explicações inteligíveis para crianças, pensada exposição a exposição.

Georgia tem uma bagagem grande de arte, devido sobretudo a um mestrado em Curadoria no Bard College, em Nova York. Ela se empolga ao falar sobre a dobradinha com a sócia:

“Eu entro com a parte teórica, que é a minha expertise. E a Dani entra com a questão de educação. Ela consegue visualizar o que podemos fazer, relacionado ao conteúdo da exposição, que fuja de a criança apenas desenhar o que viu”

Um exemplo dessas sacadas: em um projeto com a Baobá Mais, as sócias enviaram vídeos sobre arte por email aos pais e um segundo vídeo às crianças que visitariam a exposição de Ai Weiwei. Após o passeio, elas construíram com as crianças um zootropo (aquele cineminha de brinquedo, em forma de carrossel), usando a reprodução de uma obra, uma sequência de imagens em que o artista chinês é retratado espatifando um vaso no chão.

“Além disso, fotografamos as crianças jogando um objeto, transformamos isso ‘em Lego’ e mandamos para a casa delas”, diz Daniela. “A ideia é fazer as crianças entrarem nessa viagem que é a arte.”

CONSTRUIR O NEGÓCIO NÃO FOI “DO DIA PARA A NOITE”

A Curió ganhou corpo após um processo de seis anos. Georgia, que também atua como consultora para compradores de obras de arte, matutava a ideia há tempos. Ela tinha vontade de desenvolver um negócio que tivesse escolas como clientes e levasse alunos para visitar os museus — não apenas as exposições temporárias que arrastam multidões, mas também os acervos permanentes.

“As pessoas que moram em São Paulo raramente conhecem as coleções dos nossos museus. Aí vem uma exposição blockbuster internacional e todo mundo vai. Eu pensava: e a nossa cultura? E a nossa riqueza?”

Ao longo dos anos, foi ensaiando como tirar o projeto do papel. “Cheguei a fazer testes com amigos do meu filho, com filhos de amigas, sempre com um resultado legal, mas muito informal…”

Desde o começo, Georgia sempre quis fazer o projeto em parceria. Em junho de 2017, apresentou a ideia à museóloga Maria Ignez Mantovani Franco, e o nome de Daniela Kohl Schlochauer surgiu como alguém com quem ela poderia se conectar. Naquela época, Daniela estava produzindo a exposição “Frida e Eu”, que esteve em cartaz na Unibes Cultural (depois de passar pelo Museu Histórico Nacional do Rio, durante os Jogos Olímpicos) e contava a história de Frida Kahlo ao público infantil, de forma interativa.

Levou um ano até que Daniela tivesse espaço na agenda para pensar em uma nova empreitada. Elas se reencontraram em junho de 2018 e foram pilotar o conceito com grupos abertos de visitação à Bienal. “Não tinha nada a ver com escolas ainda. Fizemos para entender o que seria necessário, o que funcionaria ou não. Ver se havia interesse”, diz Daniela. “Tivemos turmas muito cheias, com 15 crianças na faixa dos 7 aos 12 anos.”

Elas testaram formas de divulgação nas próprias redes (descobriram que o Instagram era mais ágil e versátil do que ter um site), linguagem, preço, adequação de cada museu. Georgia explica: “Cada exposição tem uma característica que pode ser boa ou não para uma faixa etária. E não adianta trabalhar errado porque, ao invés de ganhar a crianças, você as perde. Isso tem de estar muito afinado”.

FALAR SOBRE ARTE PODE SER UMA CHANCE PARA DISCUTIR INCLUSÃO SOCIAL

Até aqui, o grande projeto da Curió (em números do público infanto-juvenil) foi realizado com a Crescer Sempre. A escola, que fica em Paraisópolis, uma das maiores favelas do mundo, tem Educação Infantil e Ensino Médio, é mantida pela iniciativa privada e fechou um projeto, no começo de 2019, para que a empresa levasse 495 crianças à Pinacoteca. Foram 15 saídas, uma a cada semana, entre março e maio.

As turmas dos primeiros e segundos anos do Ensino Médio visitaram o acervo da Pinacoteca e terminaram a experiência dentro de uma das obras de Ernesto Neto; já os grupos da Educação Infantil visitaram apenas a mostra do artista. Daniela relembra a reação de uma das crianças:

“Na exposição tem uma sala toda vermelha. Nunca vou esquecer de um menino que virou para mim e disse que aquilo parecia a mãe dele. Perguntei: por quê? Ele respondeu porque era macio”

Antes das crianças entrarem na exposição, as sócias mostraram um material criado por elas próprias, Daniela e Georgia: eram meias preenchidas com café, canela, chá, pedra… Elementos que os alunos podiam cheirar e tocar para irem “treinando” o olfato e o tato, já que Ernesto Neto coloca aromas nos tecidos de suas esculturas.

“No final, fizemos uma brincadeira com tecidos”, diz Daniela. “Usamos isso para falar de materiais e formatos, de como a escultura muda de forma à medida que você entra e interfere, retomando tudo o que tínhamos falado.”

Alunos da Crescer Sempre na Pinacoteca. À direita, atividade com tecido criada pela Curió para as crianças fazerem após a visita à exposição de Ernesto Neto.

A interlocução com os jovens de Paraisópolis em situação de vulnerabilidade teve como mote a construção da identidade.

“A nossa identidade pessoal é feita de vários elementos, sendo um deles a cultura. Por isso é importante, sim, ir ao museu, para entender como a nossa história estética se constituiu, desde o descobrimento até os dias de hoje, dentro da contemporaneidade”, diz Georgia. “Sabendo isso, eu passo a um patamar de identidade em que consigo interagir com o mundo e com outras pessoas.”

Falar de arte pode ser uma chance de abordar temas como respeito e inclusão social. Há códigos de conduta e questões implícitas na visita a um museu que fazem parte da formação de um ser humano. São coisas que se aprende — e quanto mais cedo, melhor. “Por que não se pode gritar no museu?”, diz Daniela. “Não é uma igreja. Não pode gritar porque é um lugar sagrado? Pelo contrário. Não se grita por respeito ao próximo.”

DAR CONSULTORIA ÀS ESCOLAS PODE SER UM NOVO CAMINHO

O pacote-padrão de visita custa 100 reais por criança e inclui a mediação, o ingresso e lanche (sanduíche de queijo e presunto, barrinha doce e suco). Os projetos oferecidos a escolas exigem uma logística maior e costumam incluir organização do transporte, de datas e a interlocução com o museu. Nestes casos, além da mediação da visita conforme a faixa etária, a Curió pensa em como aproximar a exposição do aprendizado em sala de aula. Daniela conta:

“Muitas vezes, o que percebemos é que as escolas não têm uma pessoa que só pensa nisso. A escola, seja pública ou particular, tem um currículo para desenvolver e metas a cumprir. Essa parte de pensar a visita do começo ao fim pode ficar com a gente”

Nem cabe necessariamente ao professor entender tanto de arte. Por isso mesmo, surgiu outro formato de negociação com potenciais clientes: consultoria e formação para a equipe da própria escola. Atualmente, a Curió negocia com um colégio bilíngue de São Paulo. A proposta inclui treinamento dos educadores e professores, pois a instituição exige que o mediador da visita tenha o idioma estrangeiro fluente.

Também há prospecções em andamento com escolas ligadas à Parceiros da Educação, uma OSCIP (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público) que trabalha por uma educação pública de qualidade no Brasil. De certo, por enquanto, apenas as três saídas que as sócias farão agora em julho, numa parceria com o Jornal Joca, especializado em conteúdo para jovens e crianças, dentro do Programinha de Férias.

A cada nova exposição, as empreendedoras fazem ajustes, evoluem no formato. “A Georgia estava muito acostumada a fazer visitas com adultos, mas é diferente falar com crianças”, diz Daniela. A sócia completa: “Até hoje, às vezes eu começo a viajar nas analogias… Então, a Dani sempre me resgata dizendo: ‘traduz aí’”.

 

DRAFT CARD

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  • Projeto: Curió Arte & Criança
  • O que faz: Organização e execução de visitas mediadas para crianças a coleções de museus, exposições temporárias e ateliês de arte.
  • Sócio(s): Georgia Lobacheff e Daniela Kohl Schlochauer.
  • Funcionários: 3
  • Sede: São Paulo
  • Início das atividades: agosto de 2018
  • Investimento inicial: R$ 10 mil
  • Faturamento: R$ 350 mil (previsão para 2019)
  • Contato: [email protected] e [email protected]
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