O hall da sala comercial no Largo do Machado, no Rio de Janeiro, funciona como estoque da distribuidora de CDs e DVDs Discole. É isso mesmo: em pleno 2017, vamos falar de uma distribuidora de música física e de como eles atuam num mercado considerado nulo por grandes players. Para isso, é preciso olhar com criatividade para velhas verdades. A começar da necessidade de estoque: não existe. “Pegamos pequenos lotes com os artistas e fazemos as reposições de acordo com a saída nas lojas”, diz o músico, jornalista e fundador da empresa, João Cavalcanti, de 36 anos.
Racionalizar o custo com estoque é uma das sacadas da Discole — o nome é uma abreviação de Distribuidora Coletiva —, criada em 2014 por ele, a publicitária e produtora cultural Michelly Mury, 37, e os músicos Rafael Freire, 37, e Raphael Rabello, 36. O modelo todo do negócio é bastante artesanal, mão na massa. Os artistas chegam com o álbum pronto (como é comum no mercado de distribuidoras), passam por uma curadoria e, se aprovados, fecham um contrato de consignação com a distribuidora.
A Discole fica responsável pelo contato com lojistas, que também recebem os álbuns em consignação, e pela logística de entrega. O lojista só tem custo se ganhar com a venda. “Como contrapartida, a gente pede que eles levem todo o nosso catálogo. Não é obrigatório, mas é algo em que sempre insistimos”, diz Michelly.
Para o lojista, o custo de cada CD é 18 reais, cada DVD, 23 reais. O preço ao consumidor é determinado pela loja (e a Discole interfere e pede que a taxa de lucro não seja abusiva, já que o lojista recebe o produto consignado). Venda feita, o valor é pago à Discole e o lucro líquido é rachado com o artista. João fala mais:
“Em vez de o lojista ter o risco de comprar um CD sem saber se vai vender, a gente só pede que ele corra o risco de expor o CD”
Para levar um artista, a ideia é que o lojista tenha pelo menos uma cópia de cada músico do catálogo. Algo que no mercado das grandes gravadoras era visto como opressivo, na Discole acaba ganhando outra cara, a do apoio à diversidade. A proposta tem sido bem-aceita pelos varejistas e, assim, os nomes de mais peso do catálogo — como Geraldo Azevedo, Casuarina e Clarice Falcão — puxam novos artistas, como Bruno Barreto e Aline Calixto. Uma fonte secundária de renda da Discole é o e-commerce, que oferece álbuns de artistas Discole e de outras distribuidoras, sempre no modelo de consignação.
UM NEGÓCIO EM QUE O ESFORÇO DE CADA UM CONTA MUITO
E como fazer para que estes novos nomes, ainda desconhecidos, se vendam nas lojas? Aí entra o engajamento de todas as pontas. “Quando fechamos uma parceria com determinada loja, informamos toda a nossa rede de artistas, e eles divulgam nas mídias sociais. Assim, o fã daquela cidade já sabe onde encontrar o álbum”, conta Michelly. Os lojistas também entram na roda: todos os títulos vão com um pequeno briefing, para que eles saibam explicar as características e indicar os álbuns.
É preciso ter disposição para a formação de plateia, e este é um dos fatores observados pela Discole na curadoria dos artistas. “Claro que a gente analisa se o disco é tecnicamente bem feito, mas principalmente se o artista está engajado na carreira, se tem um lado comercial viável”, diz João, que é responsável justamente por esta etapa da curadoria da Discole.
Rafael Freire, que além de músico é formado em Administração de empresas, fica com a parte administrativa, se ocupa do site e do controle de vendas. Raphael Rabello, que também é formado em Comunicação Social, cuida das vendas e do contato com lojistas. Michelly é a coordenadora de produção da Discole. Ela conta como surgiu a ideia da empresa:
“A gente chegava nas praças e as pessoas reclamavam que não encontravam os CDs nas lojas. Vimos que havia um mercado aí”
Os sócios se conhecem há muito tempo: João e Rafael fazem parte do Casuarina, grupo de samba fundado em 2001, no Rio. Michelly conheceu os músicos quando produzia eventos alternativos de forró e foi convidada a trabalhar no primeiro show da banda. Todos eram novos e estavam em início de carreira, e este foi o começo de uma longa e bem-sucedida parceria, que já conta sete CDs e turnês mundo afora.
Todos os CDs do Casuarina são produções independentes – apenas um deles foi distribuído por uma grande player, a Sony Music. A turma só cresceu na cena alternativa do forró e samba graças a muito trabalho e mão na massa. “A gente sempre trabalhou formando plateia, fazendo show, conversando com as pessoas depois do show, conhecendo os produtores. Sempre trabalhamos de uma forma braçal e percebemos que é possível fazer tudo – menos distribuir fisicamente”, conta João. Michelly complementa: “A única coisa desse quebra-cabeça que a gente não fazia é a distribuição. Você monta o show, produz o álbum, grava. Mas e aí, como as pessoas acham na loja?”
O modelo tradicional dá duas alternativas: fazer um contrato de licenciamento com uma grande distribuidora (que ficará com boa parte do lucro do álbum), ou se aventurar em uma distribuidora independente (que cobra para abrir espaço no catálogo). Confiando em uma nova forma de distribuir discos, o quarteto investiu 40 mil reais na fundação da Discole – montante aplicado em implantação de sistemas para acompanhamento das vendas, site e assessoria jurídica para elaborar os contratos de consignação de forma segura e confiável. O investimento inicial foi recuperado em julho de 2016.
“A gente, enquanto artista, com uma vontade de fazer cultura de uma forma justa, fez a primeira empresa fair-trade de distribuição”, diz João, que é filho do músico Lenine e afirma que o berço não teve influência na empreitada: “Tanto que meu pai não é Discole”.
Para sustentar o modelo da empresa, os sócios preferem explorar as sinergias entre outros negócios de seus fundadores. Também à frente da produtora de shows Superlativa, Michelly aproveita a agenda dos músicos que representa para apoiar a logística da Discole: “Sempre que possível, levamos os discos na ‘carcunda’ da Superlativa”, brinca. Ela conta como, por exemplo, aproveitando a agenda de shows do Casuarina em Porto Alegre, levou os discos da Discole à rede Multisom: “A gente desviou um pouco do caminho e levou lá. E ainda conhecemos o dono da loja, sentamos, tomamos um café…”. O engajamento estava reforçado.
Eles também pautam os contatos comerciais pela agenda da Superlativa, reforçando a prospecção em lojas das cidades que visitarão em breve. Além de reduzir os custos de envio, já que os discos vão com a turma dos shows, a dinâmica possibilita novas ações, como parceria com os lojistas locais para oferecer álbuns com desconto a quem também tiver ingresso para o show. Apesar de serem empresas-irmãs, Superlativa e Discole são independentes.
A Discole ainda aposta em novos pontos comerciais, como lojas de roupas e casas de música. Eles acabam de abrir um estande no Rio Scenarium, tradicional casa de samba do Rio. “É um lugar de música que não vendia CDs. Fiquei chocada quando me contaram que não havia ponto de venda simplesmente porque ninguém tinha como emitir uma nota fiscal”, diz Michelly. O episódio mostra como a Discole pode ser uma mão na roda para músicos independentes, que muitas vezes têm dificuldade para se formalizar. Ao representar diversos artistas, a Discole também colabora com os lojistas, que não precisam negociar com dezenas de músicos diferentes e conseguem ter música sempre atualizada à disposição.
E TEM TANTA GENTE ASSIM QUERENDO MÚSICA FÍSICA?
Para João, o crescimento da música digital e da pirataria fizeram as grandes distribuidoras concentrarem seus recursos em adotar a nova tecnologia e combater os piratas. “Com isso, simplesmente ignoraram um mercado ainda muito grande, mas que realmente não era mais aquele do boom dos vinis e CDs”, diz.
A Discole pegou parte dessa fatia ignorada, e agradece. Eles devem fechar 2016 com 4 500 unidades vendidas, entre CDs e DVDs, e um faturamento de 80 mil reais. João afirma que a ambição da Discole é mesmo reaquecer esse mercado, dentro dos limites dele, e que isso não significa derrubar o digital:
“Nosso mercado é baseado no fetichismo mesmo, na vontade de ter o objeto. Queremos acarinhar essas pessoas, fazer com que queiram consumir CD”
O modelo da distribuidora, naturalmente, tem suas limitações e gargalos. Por exemplo, para manter a filosofia de oferecer todos os artistas, eles não podem ter um catálogo muito grande. Para que o catálogo seja interessante aos lojistas, eles precisam dedicar tempo e atenção na curadoria de novos artistas. “É um negócio quase artesanal”, diz João. Mesmo assim, eles têm vontade de crescer. Para isso, contrataram uma consultoria que os está ajudando a planejar a expansão.
A empreitada, que começou com mídia física (“por uma questão simbólica”, diz João), já tem planos de ir para o digital. E deve também abrir um novo filão: os discos de vinil. Outro objetivo é ampliar ainda mais a venda em casas de música e shows: “Além da vontade de consumir música, há aquele impulso emocional de ter saído do show e estar de coração aberto, apto a comprar”, conta Michelly. O ponto de venda no Rio Scenarium é o primeiro passo deste movimento.
Fortalecer a marca é outra meta. “Queremos que a Discole se torne sinônimo de um catálogo legal, uma assinatura artística interessante de discos independentes”, diz João. É, no fundo, sobre como se descolar da ideia de que há um mercado falido e prosperar no que há de mais autêntico nele.
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