A Juntos Somos Mais ergueu o maior ecossistema digital da construção civil. Agora, se prepara para turbinar seu marketplace

Bruno Leuzinger - 26 out 2023
Juliana Carsoni, CEO da Juntos Somos+, joint venture de Votorantim, Gerdau e Tigre.
Bruno Leuzinger - 26 out 2023
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Votorantim, Tigre, Gerdau. Neste mês de outubro faz cinco anos que os três pesos-pesados do setor de construção civil se uniram para criar uma startup.

Lançada em 2018, a joint venture Juntos Somos Mais evoluiu a partir de um programa de fidelidade (criado em 2014 pela Votorantim). Hoje, tem mais de 100 mil lojas de materiais de construção e 300 mil profissionais de obra em seu cadastro. O programa engaja os usuários permitindo a troca de pontos por vale-compras, computadores e eletrodomésticos.

Fidelidade, porém, é apenas parte da história. A outra parte é um marketplace B2B que, segundo a empresa, mantém cerca de 40 mil produtos em catálogo e já movimentou 10 bilhões de reais em vendas, ajudando a digitalizar o dia a dia do varejo. Juliana Carsoni, CEO da Juntos, afirma:

“Com a plataforma digital da Juntos, aquele pequeno varejista que faz tudo na loja pode escolher horários mais convenientes [para receber fornecedores] – seja antes de abrir ou no final do expediente – e comprar de vários fabricantes ao mesmo tempo. Isso muda e facilita bastante a rotina do varejista”

Na outra ponta, do lado da indústria, diz ela, o marketplace também agiliza a rotina da área comercial:

“O vendedor da indústria hoje investe — no modelo tradicional de vendas — muitas horas do seu dia se deslocando e digitando pedidos. Isso [a plataforma da Juntos Somos Mais] diminui a capacidade de recrutar mais lojas para a indústria, de discutir mix [de produtos], fazer treinamento para vendedores e balconistas do varejo…”

Na liderança da Juntos há cerca de um ano, Juliana chegou com a missão de tornar esse marketplace cada vez mais relevante para o negócio:

“O programa de fidelidade ainda é o carro-chefe, tanto do ponto de vista de capilaridade quanto de receita. Acessando o marketplace, são 50 mil varejistas, ou seja, é metade da capilaridade. Então tem bastante espaço para crescer.”

EM MEIO À PANDEMIA, A JOINT VENTURE FOI ÀS COMPRAS E ADQUIRIU DUAS STARTUPS PARA COMPLEMENTAR A PROPOSTA DE VALOR

Desde 2020, a pandemia acelerou o setor. “Houve um grande boom”, diz Juliana. “A casa – onde você passava [só] algumas horas do dia e saía para trabalhar – passou a ser também o ‘restaurante’, o [local de] lazer, de trabalho, de aconchego da família… Então houve muito investimento das pessoas reformando o ambiente onde vivem.”

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o PIB da Construção Civil cresceu 10% em 2021 e 6,9% em 2022. Foram criadas mais de 430 mil vagas com carteira assinada entre março de 2020 e maio de 2022, de acordo com a Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC).

“A indústria da construção civil e o varejo tiveram um grande impulso. Se eu somo isso com a agenda do digital – principalmente nesse processo de compra e venda da loja virtual –, isso gerou um grande estímulo para o  crescimento da Juntos” 

Em outras palavras, além de aguçar a vontade das pessoas de reformar o próprio ninho, aquele período de distanciamento social catapultou o comércio eletrônico – tornando o momento particularmente favorável para os negócios da joint venture.

Em 2020, enquanto boa parte do planeta pisava no freio, a Juntos foi às compras. Naquele ano, adquiriu o Triider, marketplace gaúcho de reparos e serviços gerais (que já foi pauta aqui no Draft). Em 2021, investiu na Conecta Reforma e comprou a operação brasileira da habitissimo, outra plataforma de serviços domésticos.

“Tanto Triider quanto habitissimo endereçam a mesma questão: a dificuldade do profissional em encontrar os consumidores que estão precisando construir e reformar, e manter [assim] sua agenda de trabalho cheia. Em uma categoria onde a recorrência do serviço não acontece, isso é mais crítico ainda”

As startups, portanto, “complementam a proposta de valor da Juntos Somos Mais”, centrada nesse profissional. Que por sua vez recebe capacitação da indústria, gerando um círculo virtuoso que ajuda a mover o ecossistema da Juntos:

“Se ele está bem capacitado, ele encontra mais trabalho”, diz Juliana. “Se ele tem trabalho, ele precisa comprar material – e compra no varejo. Se foi capacitado, está diferenciado pelas marcas que participam do nosso programa de fidelidade…”

ANTES DE ASSUMIR COMO CEO DA JUNTOS SOMOS MAIS, JULIANA TRILHOU QUASE DUAS DÉCADAS NA INDÚSTRIA DE BENS DE CONSUMO

Juliana se juntou à Juntos em setembro de 2022. Antes, por quase 20 anos, ela trilhou sua carreira em bens de consumo, na multinacional Unilever. Entrou em 2004, como trainee em finanças, galgou posições e chegou a diretora de canais e commerce.

“Uns cinco anos atrás, começo a ficar incomodada e a buscar de onde vem o próximo passo nessa área comercial”, afirma.

Ainda na Unilever, ela recebeu a responsabilidade de redefinir a estratégia da área. Um dos desafios era olhar para fora da companhia e questionar muitas das práticas comerciais que ela própria tinha ajudado a construir.

“Daí é que o B2B e toda a parte de analytics surgem na minha vida. Começo a me deparar com o potencial de usar tecnologia e dados para trazer um nível de inteligência, automação e produtividade a esse processo de comprar e vender”

Nessa época, a empresa pôs, também sob sua gestão, uma plataforma de e-commerce B2B, batizada inicialmente de Compra Unilever, com foco em pequenos e médios varejistas. Essa frente foi crescendo em faturamento até que a companhia bateu o martelo e decidiu que havia ali um negócio à parte.

Com o spin-off daquele e-commerce, surgia o Compra Agora. Hoje, é um marketplace que cobre também fidelização, produtos financeiros e inteligência de dados. Juliana, que já liderava o projeto de dentro da Unilever, assumiu como general manager, cargo que ocupou por cerca de um ano.

“O convite [para assumir como CEO] da Juntos chega nesse momento, em que estavam buscando alguém para liderar um ecossistema digital com foco no B2B e uma agenda de transformar o marketplace no centro da estratégia.”

MAIS DO QUE TECNOLÓGICA, A TRANSFORMAÇÃO É HUMANA: COMO A JUNTOS SOMOS MAIS MUDOU SUA FORMA DE TRABALHAR

A CEO chegou então com essa missão de dar menos ênfase ao programa de fidelidade e mais à frente de e-commerce. 

“Vindo de uma empresa tradicional com grande experiência comercial, e entendendo de tecnologia e analytics, tenho ‘um pé em cada barco’, consigo construir as pontes que permitem essa transformação”, diz Juliana. 

Mais do que tecnológica, trata-se de uma transformação humana, cultural:

“Você tem que quebrar códigos muito enraizados: como é comprar? Como é receber um vendedor? Como é a relação de um vendedor com um cliente – um determinado varejista? Qual é o papel do distribuidor? Como a gente usa dados para tornar essas rotinas comerciais mais produtivas? Orientar qual sortimento vai ser oferecido, personalizar precificação, e por aí vai…”

Recém-chegada, Juliana promoveu, com três meses de cadeira, uma mudança estrutural importante: 

“A Juntos estava organizada por Unidades de Negócio, e não por Jornadas ou Usuários”, diz. “Isso diluía a potência de se apresentar para um stakeholder como um ecossistema: a gente se apresentava como o Produto A, B ou C, tanto na indústria como no varejo quanto para o profissional [da construção].” 

Na sua visão, essa divisão por UNs só se justificava numa fase inicial do negócio, para experimentar vários produtos tecnológicos com rapidez. Uma vez que o estágio já era outro, de ganhar capilaridade, o modelo perdia sentido em termos de custo e ainda jogava contra a relevância da Juntos enquanto ecossistema:

“A beleza dos ecossistemas está exatamente na frequência com que o usuário te acessa. Se sou um programa de fidelidade, ele vai me acessar com uma frequência; se sou um programa de fidelidade, mas com quem ele também compra e pode acessar crédito, ele vai me acessar com outra frequência e um olhar de relevância diferente

A resistência à mudança, segundo a CEO, foi rapidamente superada. “Quando a gente cruza as bases e ativa os usuários de um produto para o outro, estamos começando a ter taxas de conversão e incremento de uso e frequência que comprovam que o caminho é o correto.”

O TIME DE TECNOLOGIA TEM CERCA DE 150 FUNCIONÁRIOS, INCLUINDO UM NÚCLEO BASEADO EM PORTUGAL

Também no começo do ano, a CEO trouxe para a empresa algumas lideranças novas, especialistas em produto. Uma delas é Nathalie Ouchi, que assumiu como CPO (Chief Product Officer).

“Isso estava concentrado numa figura do CTO, então as demandas do dia a dia acabavam sufocando um pensamento mais estratégico de médio prazo de roadmap de produtos – e até o processo de inovação”, diz Juliana.

Hoje a Juntos tem cerca de 300 funcionários. Metade, aproximadamente, é de tecnologia. 

“Não é tudo que a gente desenvolve dentro de casa, mas a parte que consideramos talvez mais estratégica e central — motor de commerce, por exemplo, motor de programa de fidelidade — é toda internalizada

Ao todo, dois terços dos colaboradores ficam baseados em São Paulo; o resto, espalhado por Brasil e Portugal.

“Temos um núcleo de tecnologia em Portugal. Foi uma decisão que tomamos um ano atrás de ter parte do nosso insumo criativo e de capacidade de geração — um outro networking de fornecedores de tecnologia — fora do ambiente do Brasil.”

A CONCENTRAÇÃO DA INDÚSTRIA DE CONSTRUÇÃO CIVIL EMPRESTA RELEVÂNCIA À JUNTOS, MAS RETARDA A DIGITALIZAÇÃO DO SETOR

Depois de trocar um marketplace de bens de consumo por outro voltado ao varejo e à indústria da construção civil, Juliana hoje reflete sobre semelhanças e diferenças entre esses dois universos.

Ela vê duas diferenças principais – e interligadas. 

A primeira é que a conversa com os stakeholders é “menos fluida” na construção civil. “Em geral, tenho que investir mais tempo do que investia em bens de consumo na abordagem, seja no varejo, seja na indústria, seja nos players intermediários — distribuidor ou vendedor ou representante comercial.”

A segunda diferença é a desproporção entre o tamanho da indústria e o do varejo. 

“Para representar 25% do sortimento de um varejo de supermercado, eu precisava de N indústrias… Para representar 25% do sortimento, num varejo generalista de material básico [da construção civil], possivelmente só as sócias da Juntos já chegam nesse lugar [percentual]” 

Se, por um lado, permite à Juntos Somos Mais bater na porta do varejista com muito mais relevância, por outro lado essa concentração da indústria de construção acaba truncando a transformação digital e a visão ecossistêmica.

A Juntos é, disparada, muitas vezes maior do que qualquer outro player digital dentro do setor, seja quando a gente olha para fidelidade, seja quando a gente olha para marketplace”, diz Juliana. “E acho que até essa falta de estímulo faz com que exista um atraso nessa agenda de digitalização.”

Talvez por efeito dessa digitalização em marcha lenta, o setor sofre com uma escassez de dados que surpreendeu a executiva, então recém-chegada da indústria de bens de consumo: 

“Não existem players estruturados que capturem e organizem os dados de vendas do varejo, nem das construtoras. Então você tem pouquíssimos dados de insight, performance, monitoramento de mercado, alavancas, tendências…” 

Equacionar essa questão do segmento virou um dos desafios na mira da Juntos Somos Mais.

A META AGORA É TURBINAR O MARKETPLACE E, NO FUTURO, SE POSICIONAR COM UM PLAYER DE INTELIGÊNCIA PARA A INDÚSTRIA

Com trinta parceiros e cinco anos de atividade, a joint venture, por sua vez, dispõe de uma fartura de informações do histórico transacional entre varejo e indústria. 

Juliana afirma que uma das ambições da Juntos é se posicionar como player de inteligência para o setor de construção. A partir da captura e conexão com os números de sell-out (venda ao consumidor final) dos varejistas, a joint venture quer fornecer insumos à inovação:

“Imagino a Juntos como um player que vá colocar, na ótica do varejo, um viés de termômetro do mercado: para onde está indo, qual a tendência, qual o perfil de categoria, qual o player, se o preço está subindo, se está caindo…”

Esse é um posicionamento mais de longo prazo. Enquanto isso, a empresa investe para turbinar o marketplace cativando o varejista com uma “jornada de compras personalizada”. E para isso conta com a tecnologia:

“Com o uso de inteligência artificial, hoje o varejista recebe recomendações baseadas no que ele compra, no que está esquecendo de comprar, sugestões com base em similaridades… Já estamos atrelando descontos a comportamentos que a gente gostaria de estimular para incentivar um cross-sell, um up-sell…”

Um aporte dos sócios, totalizando 100 milhões de reais, vem sendo usado para turbinar esse commerce. De olho futuro próximo, vislumbrando uma janela inferior a cinco anos, ela prevê um marketplace “muito mais maturado, com pelo menos duas vezes e meia a três vezes o número de lojas comprando mensalmente”:

“Temos mais estrutura, mais gente, mais foco e muito mais conversas focadas no marketplace hoje do que temos no programa de fidelidade. Exatamente para não ficarmos presos naquilo que está gerando a receita de curto prazo – e poder dar espaço pra crescer aquilo que vai nos levar vários passos à frente.”

 

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