A velha caderneta do armazém migrou para o celular. Saiba como a Kyte busca impulsionar a transformação digital do microvarejo

Bruno Leuzinger - 15 dez 2020
Guilherme Hernandez, CEO da Kyte.
Bruno Leuzinger - 15 dez 2020
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Ferramentas como Instagram e WhatsApp têm ajudado pequenos comércios a exibir seus produtos e a se comunicar com seus clientes.

Fazer a gestão das vendas e do estoque, porém, ainda é um desafio. É aí que entra o Kyte, um aplicativo criado para ser um ponto de venda móvel voltado ao microvarejo. 

“O Kyte atende desde quem faz doces ou marmitas em casa e vende na vizinhança até quem tem uma pequena loja de roupas, só com uma portinha…”, diz Guilherme Hernandez, 38, CEO da startup. 

Feirantes, foodtrucks, cantinas de escola e revenda autônoma de cosméticos são outros exemplos de atividades que se beneficiam da ferramenta, segundo Guilherme. O ticket médio desses clientes-usuários do Kyte é de 90 reais, com faturamento mensal em torno de 15 mil reais. Muitos são informais, outros são registrados como MEI.

“Atendemos bem esse varejo como um todo. Desde que sejam as dores mais básicas, comuns a todo mundo — e no mundo todo.”

No “mundo todo” não é exagero. Lançado em 2018, com versões paga (19,90 reais por mês) e gratuita, o Kyte hoje contabiliza, em sua base, 40 mil pequenos negócios em 143 países. 

NA ADOLESCÊNCIA, ELE DESCOBRIU QUE QUERIA TRABALHAR COM TECNOLOGIA

Natural de São Paulo, Guilherme viveu a adolescência na segunda metade dos anos 1990. Eram tempos de conexão discada; mesmo assim, descobriu que queria trabalhar com internet.

“Brincava um pouco com programação, sempre tive esse lado mais criativo. Na hora da faculdade, cursei Comunicação em Multimeios, era o único curso que de alguma forma direcionava para o digital”

Como estagiário da revista Playboy, ele entendeu que não seria programador. Ali, descobriu que gostava da área de marketing. Ficou na Editora Abril de 2001 a 2007 (incluindo seis meses na Austrália, para estudar inglês), passando também pelo marketing da Veja. “Eu não tinha muito talento para seguir o by the book  queria ver as coisas mudarem, acontecerem mais depressa”, conta.

O desejo de estar numa grande empresa de tecnologia se materializou em 2008, quando se transferiu para o Yahoo; na área de desenvolvimento de negócios, sua missão era pensar formas de trazer mais audiência para o site.

ELE BOLOU UM PROJETO PARA INSERIR O YAHOO NAS LAN HOUSES

A passagem de Guilherme pelo Yahoo durou dois anos. Ali, ele entendeu o que significavam conceitos como criar um negócio escalável

Mais do que isso: um projeto idealizado por ele foi o estopim de uma aproximação com outra empresa, que seria decisiva para o nascimento do Kyte.

“Na época, havia cerca de 100 mil lan houses no Brasil. Elas já não estavam mais restritas aos centros urbanos, e continuavam sendo a principal porta de entrada para a internet das classes C e D. Então, tive a ideia de fazer uma parceria com alguma fornecedora de software de gerenciamento de lan houses, para colocar do Yahoo nesses estabelecimentos”

Pesquisando, Guilherme chegou à Nextar, empresa baseada em Florianópolis. Propôs uma parceria ao fundador, João Borges. A ideia era que a versão gratuita do software da Nextar trouxesse serviços (de busca e email, por exemplo) do Yahoo; a receita da venda de publicidade seria dividida entre as duas empresas.

“O projeto deu super certo”, diz Guilherme. “Foi ótimo para a Nextar, pois vender licenças de softwares para lan houses estava cada vez mais difícil, elas eram cada vez menores. E foi um case no Yahoo, cheguei a apresentá-lo em outros países.”

O SOFTWARE FOI DESDOBRADO EM UM NOVO PRODUTO DE GESTÃO DE VENDAS

Depois do Yahoo, Guilherme passou um ano pela startup Minha Vida. Permaneceu em contato com João, da Nextar, até que pintou um convite para se juntar à empresa, como sócio, liderando a frente de marketing. Ele topou.

A versão admin daquela ferramenta para lan houses já trazia algumas funcionalidades básicas de gestão, e vinha sendo adotada também outros estabelecimentos, como lojas de conveniência e pequenos comércios.

“Vimos que havia uma demanda. Então, em 2013, resolvemos adaptar aquele software como uma nova ferramenta de gestão de pontos de venda, com foco nesses pequenos comércios. Era um produto novo, mas para um público-alvo que tinha semelhança com o dono de lan house”

A Nextar era uma empresa pequena, familiar, com meia-dúzia de funcionários. A estratégia de crescimento, explica Guilherme, era o que hoje chamam de Product-Led Growth. 

“Nesse modelo, você não tem equipe de venda. Em vez disso trabalha muito nos canais digitais, com busca orgânica e mídias pagas para chegar a um cliente com uma dor. Daí, rapidamente você coloca o software para ele testar e tirar valor — e se ele gostar, paga uma mensalidade baixa.”

O KYTE NASCEU COMO UM PRODUTO DENTRO DA NEXTAR

Em 2016, vendo que a Nextar e seu papel na empresa cresciam, Guilherme trocou por São Paulo por Floripa. “Comecei muito focado na aquisição de clientes, mas fui me tornando uma pessoa de gestão e eventualmente virei o CEO.”

O Kyte nasceu como um produto da Nextar, nesse contexto de crescimento. “Percebemos a demanda de fazer essa gestão de comércio no celular. Chegamos a tentar adaptar aquele software, mas vimos que seria preciso criar algo do zero.”

A primeira versão do aplicativo, diz Guilherme, era bem simplificada, basicamente um registro digital de venda. 

“Era um aplicativo de PDV superbásico. Você podia cadastrar o produto, com título, preço e foto, e assim lançá-lo no carrinho para realizar uma venda. Dava para adicionar um cliente, dar desconto, escolher o meio de pagamento, gerar um recibo para ser enviado por WhatsApp ou ser impresso numa impressorinha bluetooth”

Outra demanda era a gestão de estoque.  “Lançamos um controle também muito básico. Conforme o produto vai sendo vendido, o aplicativo vai abatendo o estoque e dá um alerta quando está chegando perto do zero.”

O APLICATIVO PERMITE CONTROLE DO FIADO E ATÉ MONTAR SUA LOJINHA ONLINE

Essa dor do controle de vendas continua sendo o coração do Kyte, diz Guilherme. 

Logo, porém, foram incorporadas novas funcionalidades. 

Hoje, dá para cadastrar diferentes vendedores e gerar relatórios para saber quanto cada um vendeu num período, qual cliente compra mais, qual o produto campeão de vendas… “São relatórios simples, mas bem apresentados, com gráficos”.

Outra função é o controle de crédito e débito. É possível inserir o valor pré-pago pelo freguês (que vai consumindo o crédito aos poucos) ou, ao contrário, usar o app como uma “caderneta” de fiado digital. “O comerciante pode fazer a venda e deixá-la para ser paga daqui a um mês, por exemplo.”

Há ainda a opção do catálogo online, em que o cliente pode montar sua própria lojinha digital.

“A partir do momento em que você registra os seus produtos no Kyte, com alguns passos a mais dá para escolher nome, URL, logomarca, e colocar esses produtos num site na internet. No começo era só uma vitrine digital, mas fomos evoluindo para aceitar pedidos online, que chegam pelo próprio aplicativo”

Uma parceria com o Mercado Pago viabiliza a operação. “O comerciante também pode gerar links de pagamento e lidar melhor com outros cenários de venda”.

A STARTUP VIROU UMA SPIN-OFF PARA SEGUIR COM AS PRÓPRIAS PERNAS

O Kyte já nasceu trilíngue: português, inglês e espanhol. Os problemas dos pequenos comerciantes eram os mesmos ao redor do globo, algo que a Nextar foi entendendo no relacionamento com clientes de outros países.

Em 2019, a empresa de software já havia dado um salto em termos de tamanho: daquela meia-dúzia de colaboradores, quando Guilherme chegou, a equipe agora contava 90 pessoas. Não cabia mais todo mundo na mesma sala, e o time que tocava o Kyte se mudou para outro escritório, no mesmo condomínio.

Guilherme foi junto para pilotar essa frente. 

“Me apaixonei completamente pelo produto, pelo negócio, pela oportunidade, pelo fato de ser global… Passei aquele ano focado no Kyte e o João na Nextar. Ainda sob o mesmo guarda-chuva, mas já com essa independência de times”

Logo essa independência se tornaria completa.

“No começo de 2020, entendemos de forma super amigável que fazia sentido seguirmos caminhos diferentes. Foi uma transição tranquila, fizemos um acordo, vendi minha parte na Nextar e fiquei com o time que já estava 100% na Kyte.”

Ao todo, estima Guilherme, a ferramenta exigiu cerca de 4 milhões de reais de investimento. O break-even da operação se deu em meados de 2020.

NA PANDEMIA, O KYTE CRESCEU AO EXPANDIR O CATÁLOGO ONLINE

Logo após a cisão entre Nextar e Kyte, veio a Covid. 

“Antes da pandemia, o Kyte já vinha crescendo… Quando a pandemia começou, foi um susto, tudo parou, demorou até os comércios se adaptarem… Hoje, porém, percebemos que o Kyte se beneficiou do momento.”

Algumas adaptações de produto ajudaram a alavancar a performance da startup. Segundo Guilherme, a expansão do catálogo online (antes restrito aos usuários pagantes) foi decisiva:

“Com a pandemia, passamos a dar mais ênfase para o catálogo online, e estendemos essa opção à versão gratuita. Entendemos que nós podíamos ajudar o comerciante que era muito pequeno e não podia pagar — e que, ao ajudá-lo, a gente também se beneficiaria. Foi uma visão de ganha-ganha” 

A estratégia parece estar dando certo. O faturamento cresceu 310% ao longo do ano. A base de clientes pagantes mais que triplicou ao longo de 2020, saltando de 6 mil para cerca de 20 mil. 

“Temos uma concentração boa de clientes no Brasil, uns 45% da base. Depois vêm Estados Unidos e México, e aí temos uma cauda longa em outros países da América Latina e também do Sudeste Asiático, Malásia, Filipinas…”

NA MIRA, UMA NOVA SOLUÇÃO DE PROCESSAMENTO DE PAGAMENTOS

A Kyte está no momento em sua primeira rodada de captação. O empreendedor mira investimentos numa faixa entre 3 milhões e 5 milhões de reais.

O objetivo é aplicar esses recursos em equipe, marketing e no desenvolvimento de produtos, sobretudo uma nova solução para processar pagamentos. A startup já tem integração com as maquininhas do Mercado Pago, mas Guilherme vê ainda muita possibilidade de crescimento nessa frente.

“Além de uma oportunidade de negócio, o pagamento é uma dor do nosso cliente. Boa parte das vendas ainda é feita com dinheiro, mas já existe a demanda pelo pagamento digital, e agora com o Pix ela deve crescer entre o nosso público”

A startup está sendo acelerada pelo Facebook. O objetivo, diz Guilherme, é integrar mais a ferramenta com o Instagram, o WhatsApp e o próprio Face.

“O grande sucesso é quando o cliente, ao usar o Kyte, passa a vender mais. Esse é o norte do nosso desenvolvimento de produto. E integrando com as redes sociais, que também são uma porta de vendas, podemos ajudar ainda mais nesse sentido.”

DRAFT CARD

Draft Card Logo
  • Projeto: Kyte
  • O que faz: Plataforma de vendas e gestão pelo celular para vendedores autônomos e pequenos comerciantes.
  • Sócio(s): Guilherme Hernandez, Ivan Farias, Fabrício Rocha, Karissa Martins e William Nascimento.
  • Funcionários: 20
  • Sede: Florianópolis (SC)
  • Início das atividades: 2018
  • Investimento inicial: R$ 4 milhões
  • Faturamento: R$ 3,2 milhões (em 2020)
  • Contato: [email protected]
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