A filha de Lauro Souza adora um picolé de coco artesanal vendido na praia do Leblon, no Rio de Janeiro. Ela vivia pedindo para que o pai comprasse o picolé — mas, desde que a pandemia chegou ao país, Lauro não sabia mais como encontrar o vendedor ambulante.
“Eu comecei a me perguntar como é que, hoje em dia, com todas essas ferramentas tecnológicas, ainda não existe um meio de encontrar essa turma”, afirma Lauro, 36.
Em grande parte, o comércio informal ainda funciona no “analógico”, através de encontros presenciais entre clientes e vendedores. As medidas de distanciamento por conta da Covid-19 impuseram um desafio óbvio a esses trabalhadores: se eles dependem da rua para serem vistos e ouvidos, o que fazer quando as ruas ficam vazias?
Lauro começou a estudar o tema. Percebeu que alguns vendedores passaram a utilizar redes sociais como Whatsapp e Instagram para mostrar os seus produtos — uma solução, para ele, insatisfatória.
“Essas não são ferramentas ideais para fazer negócio, então eu pensei: se o pessoal já tem um smartphone na mão, por que não criar um marketplace dedicado a eles?”
Assim surgiu, em fevereiro de 2021, o Taali, aplicativo que conecta consumidores a pequenos empreendedores nos bairros Leblon e Ipanema, na Zona Sul do Rio de Janeiro. (O nome é uma brincadeira com “tá ali”, indicando que esses comerciantes estão por perto, mesmo sem serem vistos.)
Além de gerar renda e estimular a economia local, a ferramenta fortalece as necessárias medidas de isolamento ao garantir que o consumidor encontre produtos sem ter de ficar batendo perna por aí, desnecessariamente.
NO TAALI DÁ PARA COMPRAR DESDE REFEIÇÕES PRONTAS ATÉ LIVROS
A primeira startup do Lauro foi a SurfConnect, serviço de assinatura que permite ao usuário ver as condições para surfe em diversas praias e em tempo real. O sucesso da plataforma, diz ele, permitiu o investimento no Taali. Foram 300 mil reais de recursos próprios.
O aplicativo se baseia na geolocalização: ao entrar no Taali, o usuário consegue ver os vendedores que estão próximos e clicar no perfil de cada um, para conhecer os produtos. O pagamento pode ser por PIX, pelo próprio app.
Lauro Souza, empreendedor do Taali.
Atualmente, o Taali tem cerca de 50 empreendedores cadastrados, com uma média de 125 transações por semana. Há desde pequenos negócios de comida — como a Sabor e Arte, que vende refeições prontas — até vendedores de livros.
Para ajudar os pequenos livreiros, Lauro lançou uma funcionalidade chamada Digibook, que permite cadastrar informações (título, autor, ano e editora) a partir de código de barras de cada exemplar. A ferramenta ajuda vendedores como Luciano Penedo: seu número de livros disponíveis online pulou de dez para 100.
O Taali nasceu como uma ferramenta 100% gratuita. Daqui a um mês, avisa Lauro, será lançada uma atualização do aplicativo, que passará a cobrar uma taxa de 20% por transação, dividida entre cliente e empreendedor. Na compra de um produto de 10 reais, por exemplo, o consumidor pagará uma taxa de serviço de 1 real e o vendedor, mais 1 real, recebendo 9 reais pela transação.
“Dado a nossa taxa de crescimento [em pedidos realizados], esperamos chegar em 100 mil [reais de faturamento] em 12 meses”, diz Lauro. A ideia agora é ampliar o raio de alcance do Taali para outros bairros da Zona Sul do Rio.
UMA COMPETIÇÃO NO VALE DO SILÍCIO INSPIROU A CRIAÇÃO DA AUA
O Taali não é o único: iniciativas como essa surgiram em diversas partes do Brasil, mostrando que a tecnologia pode ser uma aliada em tempos incertos.
Bem distante do Rio de Janeiro, três jovens empreenderam outra plataforma de marketplace local: o AUA, um aplicativo que conecta moradores e pequenos produtores em dois municípios paraenses, Belém e Ananindeua.
A ideia surgiu ainda antes da pandemia. Em 2019, Lucas Cardoso e Mariana Vieira foram ao Vale do Silício participar da Enactus World Cup, organizada pela Enactus, instituição sem fins lucrativos que fomenta o empreendedorismo entre jovens.
Estudante de engenharia de computação pela Universidade Federal do Pará, Lucas vinha de uma experiência recente liderando o projeto de uma plataforma chamada Minerva, que conectava clientes e mulheres prestadoras de serviços residenciais.
Durante o evento da Enactus, ele foi selecionado para participar de uma competição chamada Intuitive Innovation Challenge. Foi daí que veio o estalo do AUA. Lucas, 23, relembra:
“O desafio era criar uma solução para pequenos negócios que passavam por desastres naturais. Eu vim de lá [do Vale do Silício] com essa vontade, de trazer tecnologia e inovação para pequenos empreendedores da região Norte”
Na volta ao Brasil, ele, Mariana (formada em Jornalismo pela UFPA) e um terceiro sócio, Matheus Araújo — colega de Lucas no curso de computação — se dedicaram a entender como tirar a AUA do papel.
A FERRAMENTA FICOU EM 3º LUGAR ENTRE QUASE 600 PROJETOS
Inicialmente, o trio de jovens empreendedores pretendia criar uma agência de empréstimo para pequenos empreendedores. Porém, a pesquisa e os ciclos de validações pelos quais o projeto passou mostraram que esse modelo seria inviável.
Em paralelo, eles se deram conta de como muitos vendedores ambulantes careciam de divulgação online — uma situação que ficou ainda mais urgente com a Covid-19.
“Quem fechou primeiro a porta durante a pandemia foi o pequeno negócio”, diz Mariana, 22. “Então, pensamos: a hora é agora, vamos fazer isso funcionar da forma que a gente puder.”
O aplicativo estreou em junho de 2020. O nome não é à toa: AUA, segundo os sócios, significa “gente” em tupi-guarani. Atualmente, são 60 empreendedores cadastrados — há até escola de inglês, além de boleiras e pequenos negócios de artesanato e vestuário — e uma média de 200 visitas por mês.
A plataforma foi reconhecida pela Escola Nacional de Administração Pública no “Desafios para combater a pandemia do Covid-19”, que destacou o esforço da equipe em humanizar os vendedores. O terceiro lugar (entre mais de 590 projetos) valeu um prêmio de 50 mil reais, que hoje paga as contas da AUA. Lucas conta:
“Recebemos um incentivo da Enap para construir essa ideia e fazer acontecer. A gente se banca com esse investimento e estamos trabalhando para conseguir colocar em prática planos de assinatura”
Os planos devem ser lançados até o fim do ano, com valores a partir de R$ 29,90 e benefícios para cada faixa de preço — como quantidade de cupons de desconto que cada empreendedor pode oferecer aos clientes, conteúdos exclusivos, apoio de consultoria etc.
A PERTINHO DE CASA REÚNE MAIS DE 20 MIL NEGÓCIOS EM TODO O BRASIL
O movimento de incentivo à compra de pequenos produtores já é forte em países como Estados Unidos e França, onde organizações como Local Futures e The Ring.io inspiram comunidades a privilegiar o comércio local e a prosperar em rede.
Por aqui, a tendência vem se consolidando. Outro representante recente é a Pertinho de Casa. Nesse caso, as cifras são bem diferentes: com investimento milionário de grandes empresas, a plataforma (por enquanto sem fins lucrativos) já apresenta 20 200 vendedores cadastrados e cerca de 200 mil acessos por mês.
Comerciantes de qualquer lugar do Brasil podem criar um perfil na Pertinho de Casa. A ferramenta registra cadastros em 825 municípios de todos os estados do país e do Distrito Federal.
O aplicativo foi desenvolvido no começo da pandemia pelo engenheiro de software Leonardo Antônio, 34. Ele conta:
“Eu fui muito impactado com esse movimento de ajudar nas tarefas cotidianas, de buscar as compras, principalmente dos idosos… E comecei a pensar em como ajudar também”
Em março do ano passado, motivado pelo movimento de apoio aos pequenos comerciantes, Leonardo teve a ideia de desenvolver um aplicativo. A proposta foi apoiada pela Accenture, empresa onde trabalha, e lançada no mês seguinte.
Desde o fim de 2020, a Pertinho de Casa é pilotada numa joint venture com a Rede Asta, que há mais de 15 anos trabalha com micro e pequenos negócios artesanais. A Rede Asta hoje lidera o projeto — e, a partir de meados de 2022, assumirá a propriedade intelectual da Pertinho.
A ACCENTURE E A REDE ASTA INVESTIRAM 2 MILHÕES DE REAIS NO PROJETO
Com sede no Rio de Janeiro e um time de 14 pessoas, a Pertinho de Casa já gerou 400 mil reais para os pequenos empreendedores. A plataforma também oferece informações, cursos e treinamentos para os vendedores, além de acesso às estatísticas de venda — tudo de graça e online.
Alice Freitas, cofundadora da Rede Asta.
Atividades presenciais são realizadas em três cidades: São Paulo, Itabirito (MG) e Nova Friburgo (RJ). Elas incluem a formação de comitês de empreendedores, a criação de redes de apoio e o investimento em campanhas de comunicação e divulgação. Em Friburgo, por exemplo, um participante da rede organizou uma demonstração de produtos de comerciantes locais nos shoppings da cidade.
A equipe da Pertinho estuda modelos de monetização, como disponibilização de anúncios, treinamentos, prestação de serviços para os empreendedores ou cobrança de uma taxa mensal.
O projeto já consumiu 2 milhões de reais, em gastos sobretudo com mão de obra e a construção da plataforma, viabilizada pela Accenture. A Rede Asta investiu cerca de metade desse valor, destinando também recursos provenientes do financiamento de parceiros (Fundação Vale, Fundação Coca Cola e Trafigura, da Suíça).
As negociações são feitas com as áreas de sustentabilidade e responsabilidade social dessas empresas. Segundo Alice Freitas, cofundadora da Rede Asta, o propósito das companhias ao investir na Pertinho de Casa é simples: tornar esses territórios mais desenvolvidos.
“Por estar naquela região, a empresa precisa apoiar a economia local e fazer investimentos para que a comunidade onde ela está seja mais próspera.”
Moradora de Manaus, Elaine Freitas sempre se preocupou com a poluição dos rios. Decidida a impactar o seu entorno, ela estudou química, arregaçou as mangas e desenvolveu o Marai, que identifica a contaminação da água em tempo recorde.
Pedro Leitão já beirava os 70 anos quando decidiu empreender de novo. Ele pilota a 50Mais, empresa de logística de última milha que recruta entregadores sêniores (o mais velho tem 78), garantindo assim uma renda extra.
A Telite nasceu no interior fluminense produzindo banheiros químicos. Pivotou sua operação e hoje fabrica telhas de plástico 100% reciclado, enquanto testa novas versões tecnológicas do produto com uso do grafeno.