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														Sexta-feira, geralmente, é um dia propício para uma happy hour. Mas desde o escândalo envolvendo bebidas adulteradas com metanol, noticiado no final de setembro, muita gente está preferindo evitar o álcool.
E foi justamente numa sexta-feira, 31 de outubro, que o Ministério da Saúde divulgou seu boletim mais recente, informando que nove estados investigam casos de intoxicação por metanol — com ocorrências principalmente em São (46). Ao todo, são 59 confirmações no país e 45 registros em análise. O número de mortes chega a 15 (nove em São Paulo, três no Paraná e três em Pernambuco).
Em meio à comoção causada por essa crise, uma equipe da Universidade Estadual da Paraíba mobilizou-se para transformar conhecimento em resposta rápida. O resultado é o desenvolvimento de um canudo biodegradável que muda de cor ao detectar a presença da substância tóxica — uma inovação brasileira ainda em fase de patente e testes. O canudo ainda não está disponível no mercado.
Em entrevista ao Draft, o pesquisador baiano Germano Veras, 51, doutor em Química Analítica pela UFPB e docente da UEPB, explica como nasceu o projeto, os desafios de levar uma ideia de laboratório ao copo dos consumidores e as medidas adotadas para proteger a pesquisa de golpes e desinformação. Confira a conversa abaixo:
Como e quando o projeto surgiu e qual foi a motivação na época?
A gente tem dois projetos associados. Um deles começou em 2023, com o pós-doutorado que o pesquisador David Douglas de Souza Fernandes assumiu ao fazer estágio comigo, que é o da espectroscopia [método de pesquisa que estuda a interação entre a radiação eletromagnética e a matéria] na detecção de contaminantes na cachaça. Na sequência, veio a história do canudo. 
Nossa equipe estuda a cachaça há muito mais tempo porque a Paraíba é um grande produtor, tem uma produção qualificada, em quantidade e em qualidade, e algumas regiões investem bastante
O governo do estado também assumiu essa responsabilidade. Desde 2017, a gente faz trabalhos com avaliação e controle de qualidade, identificação geográfica. Em 2023, percebemos que era possível identificar substâncias que não faziam parte da produção de qualidade.
Por exemplo, a cachaça é dividida, na destilação, em três partes, que chamamos de cabeça [uma porcentagem inicial do líquido destilado], cauda [a porcentagem final] e coração [a maior parte da produção]. Nem a cabeça nem a cauda podem ser comercializadas como bebida. Só o coração
Mas pode ser que ocorra um erro na produção e se coloque um pouco de um ou de outro, diminuindo a qualidade do produto. Começamos a pensar em formas de testar isso. A ideia do canudo apareceu mais nessa crise.
Os casos recentes aceleraram esse processo, direcionando a pesquisa para o desenvolvimento do canudo? E houve um interesse maior pelo trabalho de vocês?
Quando propomos alguma coisa dentro de um laboratório, pensamos, no futuro, como fornecer isso para a sociedade. Mas nem sempre esses produtos saem do papel. 
E há uma diferença clara entre ter um resultado em bancada – com poucas amostras ou com um número limitado de produtos sendo gerados – e uma comercialização em larga escala. Essa é uma das dificuldades, tornar os produtos que nós produzimos, essas avaliações, acessíveis a todos. Precisa de uma empresa que faça essa maximização da produção
Todos os filmes de catástrofe de Hollywood têm como primeiro ponto um cientista apontando as falhas, as dificuldades. A gente está sempre tentando encontrar soluções para problemas que, às vezes, as políticas públicas, os governantes, os órgãos de gerenciamento e fiscalização nem percebem.
Essa última crise surgiu e muitas empresas nos procuraram, órgãos públicos procuraram a universidade. Ainda não recebemos nenhum novo apoio financeiro, um aporte formal.
Há muitas intenções, por parte dos governos federal e do estado, que já investe na pesquisa em cachaça. A própria universidade também fornece essas condições. Nós fizemos a patente desses dois produtos [a espectroscopia e o canudo] e a universidade agora é responsável por gerenciar isso.
Nossos colegas estão trabalhando em laboratório para tentar passar para algo mais robusto, que dê respostas mais qualificadas à realidade do dia a dia e que possa ser usado por pessoas sem experiência com química. Tem que ser um procedimento fácil, rápido e que se perceba com clareza se tem ou se não tem metanol.
Muitas empresas nos procuraram, como eu disse, mas esse contato é direto com a universidade. O governo federal também já acionou o Ministério da Saúde e o Ministério da Justiça, para que algum aporte seja dado para podermos, de fato, acelerar isso.
Como nos filmes, a sociedade só ouve o cientista depois que acontece alguma catástrofe…
Exatamente. Vemos, por exemplo, que os brasileiros começam a não vacinar seus filhos, porque já não veem uma série de doenças. Todos se acomodam e a doença retorna. A comunidade científica precisa fazer uma vigilância constante. Outro ponto é o grau de investimento que o Brasil faz em pesquisa. 
Por um tempo, houve uma queda vertiginosa e agora está aumentando, mas num grau ainda que não chega a atender às necessidades. Temos um país imenso, grandes pesquisadores em todas as áreas. E os recursos de pesquisa, apesar de maiores agora, ainda estão muito aquém do que a gente precisa
Estou num programa de pós-graduação que tem mais de 30 alunos e só seis recebem bolsa para se dedicarem plenamente à pesquisa.
Como o senhor vê esse empurrão que uma urgência dá a uma pesquisa científica?
A maior parte da pesquisa no Brasil é feita por universidades, principalmente nas públicas. E nos deparamos com burocracias imensas. Então, a urgência funciona para desburocratizar, tornar mais acessível, de produtos a processos. Importar material é complicado. Tenho dificuldade de comprar uma série de produtos controlados. 
O brasileiro é muito criativo, muito inovador, tem soluções para muitos problemas. Mas, diferente de países onde se solicita um reagente pela manhã e ele chega à tarde do mesmo dia, aqui podemos demorar dois, três, quatro, cinco meses para conseguir um insumo. Nem por falta de recursos, mas pela burocracia. Depois temos que prestar conta de tudo, em detalhes. Perco muito mais tempo na burocracia do que fazendo pesquisa.
Voltando ao canudo, em que estágio técnico ele está agora? Existe um protótipo? Há algum cronograma estimado de produção e uma previsão de chegada ao mercado?
Estão sendo feito canudos-piloto para atender a todos os tipos de bebidas. A patente ainda está para sair, no INPE, para que possa passar por todos os trâmites em caráter de urgência. E a universidade fica responsável pelo contato com a indústria [agência de inovação da UEPB, que é a Inovatec]. 
No primeiro momento, a ideia é atender grandes distribuidoras, não o público. Porque esse é o volume de produção que conseguimos fazer na própria universidade. Feita essa primeira etapa de atendimento aos requisitos, podemos levar ao público em geral.
Como funciona esse teste? Além de verificar a existência ou não do metanol, ele também sabe apontar qual é a concentração presente na bebida?
A ideia é que ele identifique a presença. Ele não faz uma medição de quantidade. Vai identificar a presença por um método colorimétrico. Ou seja, aparece uma cor diferente. Colocamos o canudo dentro da bebida e, por capilaridade, o líquido vai, naturalmente, entrar no canudo, sem que seja necessário sugá-lo. Ali, ele entra em contato com substâncias químicas e gera uma coloração distinta da do produto em análise. 
Em tese, dá para ter uma noção de quantidade com base na cinética química, mas a ideia não é essa. É só identificar um limite aceitável ou não. Não é que não vai existir metanol, mas existe uma dose, que o sensor vai perceber e que já seria preocupante. Enquanto pesquisadores, nunca podemos atestar com 100% de confiança. Porque existem os erros inerentes às medidas, isso é natural e faz parte da ciência.
Condições adversas interferem no teste, como a temperatura, se tem gelo no copo ou um mistura? O que foi levado em consideração na amostragem?
Sim, tudo isso interfere. Mas meus colegas estão fazendo estudos justamente para poderem dar um grau de confiabilidade a esse teste. 
Se a temperatura baixa, a cinética normalmente das reações é menor. Isto é, as reações ficam mais lentas e talvez demore um pouco mais. Mas a ideia, não é avaliar um drinque pronto, porque aí você vai ter adição de outras substâncias, corantes etc. Quanto mais límpido, sem interferência, é melhor.
Qual seria a cadeia de uso ideal? Produtores, fiscalização, donos de bares, consumidores. Veremos as pessoas saírem à noite com canudos no bolso?
A cadeia mais seguro seria o uso por grandes distribuidoras, aquelas que têm responsabilidade em fornecer um produto de qualidade. Então, indústrias que usem esse material e queiram se certificar de que o produto está dentro da qualidade. Além disso, órgãos de fiscalização, para que facilite a vida desse pessoal, para não ter que levar todas as amostras para o laboratório. 
De acordo com esses resultados e com o impacto que ele tem, talvez o público possa ter um acesso mais geral. Obviamente, isso é crítico.
As pessoas precisam entender que sempre há limitações técnicas, protocolos para que o resultado seja o mais confiável possível
Quando a gente compra um kit em uma farmácia, precisa seguir as instruções direitinho para ver se dá um resultado mais próximo do correto.
E quanto ao valor? Saiu na imprensa que o custo seria de apenas 2 reais. É isso mesmo?
Depende muito da expansão do material, que tipo de material vai ser usado, qual o grau de disponibilização. A gente não tem uma noção ainda de valores. 
Como estamos fazendo produtos para atender a grandes estruturas, a produção é diminuta. Não é uma produção que vai atender a todas as pessoas de forma rápida. Quando essa tecnologia se popularizar ou se expandir, os custos serão menores
Depende ainda de para quem essa tecnologia será disponibilizada. Se essa tecnologia for usada para os órgãos de fiscalização em prioridade, terá um outro valor, sem intenção de lucro.
O senhor falou que o brasileiro é muito criativo e, assim que vocês apresentaram uma possível solução para o problema, também surgiram anúncios de falsos canudos nas redes. Como vocês protegem a pesquisa dessas tentativas de golpe?
Quem cuida dessa parte é a agência de inovação da UEPB. É com ela que todos têm que lidar. O produto que queremos disponibilizar, quando for produzido, será informado a todos, inclusive pelo governo federal, que se interessou em fornecer aos órgãos de fiscalização. 
Mas a gente não tem como controlar muito o que sai na mídia. Surgiu uma onda agora de informações por WhatsApp de falsos advogados informando que há liberação do canudo. As pessoas precisam ficar bem antenadas, buscar fontes confiáveis.
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