No primeiro trimestre de 2024, a exportação de carne bovina brasileira bateu recorde. Foram mais de 527 toneladas vendidas no mercado internacional. A China foi responsável por mais da metade das exportações.
O número é bem relevante, ainda mais porque, no mesmo período do ano passado, o país asiático embargou a carne brasileira por quase um mês. A justificativa foi a confirmação de um caso de mal da vaca louca no Pará. Os prejuízos para a economia nacional foram estimados em mais 500 milhões de dólares.
Embargos nessas dimensões não parecem justos, e talvez não sejam mesmo. A visão é compartilhada pelo cientista da computação Eduardo Pipole, 44. Fundador da Muu Agrotech, ele desenvolveu uma série de soluções para rastrear, certificar e facilitar a negociação de bovinos e fornecer dados sobre a cadeia pecuária.
O carro-chefe da empresa é a rastreabilidade biométrica, um sistema que, por meio da foto do focinho, gera um código de identificação do animal. Além de substituir métodos como brinco, bastões e a marcação a ferro quente, o código é registrado em blockchain. Eduardo afirma:
“A tecnologia protege toda a cadeia pecuária nacional, desde o produtor e frigoríficos a acadêmicos e veterinários, que podem usar dados para comprovar a qualidade e a procedência ética e ambientalmente responsável da carne brasileira”
O diferencial da Muu Agrotech, segundo o empreendedor, é oferecer confiabilidade. Após o cadastro inicial no aplicativo da startup, é possível verificar toda a jornada do animal, do nascimento ao abate.
São dados de origem genética, histórico de saúde, aplicação de vacinas, tipo de manejo (conjunto de técnicas e ações que garantem o acesso dos bovinos ao alimento de qualidade), reproduções e outras informações da criação adotada. A cada fase, um novo contrato em blockchain é gerado.
A proposta de valor se estende para três públicos. Para o pecuarista, é a facilidade na criação e manejo, além da garantia de que o boi que comprou é o mesmo que recebeu.
Para os frigoríficos, a vantagem é provar que o animal foi criado dentro das normas de compliance, como não ser de área de desmatamento e abate realizado de acordo com as normas sanitárias. Atualmente, há mais de 4 300 animais cadastrados, que somam valor de mercado acima de 16 milhões de reais.
Por sua vez, o consumidor consegue saber exatamente o que está comendo. A questão é de extrema importância, pois o manejo impacta diretamente na qualidade da carne.
Diversos estudos comprovam que o histórico alimentar dos bovinos influencia significativamente na concentração de nutrientes na carne vermelha.
Por exemplo, gado alimentado com forragem ou capim tem uma concentração maior de ômega-3 do que aqueles alimentados com grãos ou em confinamento. Um dos benefícios do ômega-3 é reduzir substâncias responsáveis por causar doenças crônicas, como câncer e diabetes, cardiovasculares e neurodegenerativas.
“Estudos profundos que relacionam o consumo de carne bovina à saúde do ser humano ainda circulam mais no campo acadêmico e entre profissionais de medicina integrativa. A Muu quer democratizar o acesso, com linguagem simples e acessibilidade”
Nesse sentido, a startup está desenvolvendo um chatbot que, por meio de inteligência artificial, varre diferentes estudos científicos para oferecer informações técnicas sobre as etapas do processo produtivo. A solução terá recursos para os produtores, frigoríficos e consumidor final.
Há poucos meses, a startup foi selecionada no NVIDIA Inception, programa que apoia startups na construção de negócios baseados em inteligência artificial. O suporte garantirá à empresa recursos, modelos de IA otimizados e uma comunidade global de desenvolvedores e especialistas.
Ao conversar com Eduardo, fica nítido seu conhecimento sobre pecuária. Dá até impressão de que ele já foi produtor de gado. Nada disso: o empreendedor é mesmo um cara da tecnologia.
Ele foi arquiteto de dados e software e desenvolvedor, até se especializar em ciência de dados. Trabalhou em diversas empresas do setor financeiro, como Bradesco e Santander, além de Toyota e Telefónica, entre outras. Nos últimos anos, foi líder de pesquisa e desenvolvimento em machine learning em uma grande seguradora na Europa. Desde 2016, Eduardo vive em Londres.
A ideia de criar a Muu Agrotech surgiu na pandemia, em 2020. Com apoio de um investidor anjo, o foco inicial era soluções para o consumidor final.
Para mergulhar na pecuária, Eduardo buscou a ajuda de acadêmicos de referência. Um dos primeiros foi o zootecnista Silvio de Paula Mello, doutor em Genética e Evolução, professor da Faculdade de Zootecnia de Uberaba (MG). Hoje, o software da empresa é utilizado no rebanho da faculdade e Silvio é consultor da Muu.
“Tínhamos uma ideia clara sobre o que poderíamos fazer. As universidades nos forneciam estudos científicos de ponta. Porém, ainda faltava entender todas as dificuldades do produtor”
Com apoio dos acadêmicos, a Muu passou a testar softwares e aplicativos junto a um rol de produtores selecionados, uma elite da criação de gado de corte e material genético (sêmen). Quanto mais os produtores usavam, mais era possível corrigir erros, criar funcionalidades e analisar dados.
Por exemplo, no início, a cada fase da criação, como aplicação de vacinas, era necessário fazer o registro do focinho. Hoje, os dados são imputados no cadastro inicial do animal.
Antes, as fotos tinham alta qualidade, o que demandava celulares mais caros; com investimento em acurácia, o aplicativo passou a funcionar em aparelhos mais simples e sem conexão com a internet. A sincronização dos dados só acontece quando o telefone está num local com sinal de internet adequado, o que diminui o consumo de dados, uma vez que no pasto o sinal é intermitente, e muitas vezes nem há sinal.
Somente nos últimos seis meses, houve seis versões do aplicativo. A Muu Agrotech não cobra valores dos produtores. A ideia é ganhar mercado, o que permitirá o desenvolvimento de novas versões da tecnologia.
Atualmente, a empresa gera receita apenas com o marketplace de material genético. É cobrado um percentual do valor das transações realizadas dentro da plataforma.
Novas soluções também estão prontas para serem lançadas. Em breve, deve chegar ao mercado um marketplace de bovino comercial (bezerros, novilhos e adultos), que permitirá que os produtores negociem diretamente entre si.
Posteriormente, a empresa se prepara para lançar uma operação de logística, para transportar os animais vendidos na plataforma. Eduardo explica que haverá um recurso para identificar como o motorista dirige, uma vez que a velocidade, a maneira de fazer curvas e a altimetria da estrada escolhida impactam no nível de estresse do animal, e consequentemente na qualidade da carne.
Para sustentar o desenvolvimento e validação das soluções, a Muu Agrotech conta com 18 funcionários, que trabalham remotamente. Com idades entre 20 e 35 anos, a maioria é de desenvolvedores — jovens geeks, como diz Eduardo.
“Conforme o interesse dos clientes aumenta, lançamos as novas soluções. Geramos receita com os marketplaces enquanto o mercado de rastreabilidade amadurece”
Sobre a adoção do uso da tecnologia, o empreendedor explica que há uma cultura de baixa integração de informações entre os pecuaristas brasileiros. “Há um pensamento generalizado de que ‘se o trabalho é feito da mesma forma há décadas e tenho resultado, por que vou compartilhar informações sobre a minha fazenda?’.”
Eduardo afirma que a adoção de tecnologias de rastreamento em blockchain não será exponencial, mas, sim, gradual ao longo dos próximos cinco anos. Do lado do consumidor, há demanda, o que inclui o mercado de carnes nobres. De acordo com a Associação Brasileira de Angus (angus é uma raça bovina de origem escocesa que vem sendo aperfeiçoada há 200 anos), as exportações cresceram 68% em 2023; em 2024, é estimado crescimento de 10% no mercado interno.
Ciente das oportunidades e obstáculos que se colocam à frente, Eduardo sabe que sozinha a empresa não conseguirá alavancar a transformação digital na pecuária brasileira. “Oferecemos as ferramentas, mas só a união de toda a cadeia nacional fará o Brasil subir de nível.”
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