A Bliive, revolucionária empresa brasileira de troca de tempo, agora quer ganhar o mundo

Kaluan Bernardo - 2 out 2014Bliive
Os sócios da Bliive Roberto Pompeo, José Fernandes, Lorrana Scarpioni e Murilo Mafra
Kaluan Bernardo - 2 out 2014
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Para contar a história da Bliive, é preciso falar de dinheiro. Ou melhor, do espaço que o dinheiro ocupa em nossas vidas quando é trocado por coisas que gostamos, queremos ou precisamos. O que a Bliive faz há um ano é, precisamente, tirar o dinheiro desta equação.

“As pessoas acham que pagar por algo é fácil, mas trocar é infinitamente mais fácil. Só precisamos ajudar elas a enxergarem seu valor, mostrar que o conhecimento delas pode ajudar muito alguém”, diz Lorrana Scarpioni, 24, idealizadora e uma das sócias da startutp — que acaba de ir para um programa de aceleração no Reino Unido, de onde prepara o seu lançamento global.

Não por acaso, a criação da empresa veio de uma reflexão sobre… grana. No documentário Money Fix, que discute o papel do dinheiro como centro da economia e traz alternativas ao atual sistema financeiro, Bernard Lietaer, um dos criadores do Euro, diz: “Uma série de estudos demonstram muito claramente que, dependendo do que se usa como meio de troca, as relações entre as pessoas são diferentes”.

Por que não acreditar em relações de troca sem o dinheiro como meio? Nascia a Bliive — trocadilho com “believe” (acreditar, em inglês) — uma plataforma digital que propõe a troca de tempo e funciona de maneira simples. Quando alguém entra, recebe cinco moedas, ou TimeMoney, cada uma equivale a uma hora do seu tempo. Com elas, é possível “contratar” o tempo de outras pessoas. Na plataforma, as pessoas oferecem desde revisão de textos, aulas de forró, até manutenção de computadores ou coaching para empreendedores. Para ter uma aula de skate durante duas horas, basta pagar dois TimeMoney.

“Quando você tira o dinheiro de cena e relação fica mais horizontal, não existe mais aquele lance de consumidor e cliente”

Para conseguir novos TimeMoney, você oferece o seu tempo, o conhecimento, e a disponibilidade de colaborar com alguém. A ideia é que a pessoa ofereça algo que faz bem e que gosta de fazer, assim também poderá receber de alguém que faz aquilo com a mesma eficiência. “Quando você tira o dinheiro de cena e relação fica mais horizontal, não existe mais aquele lance de consumidor e cliente”, diz Lorrana.

A empreendedora conta que somente na primeira vez que usou a própria plataforma conseguiu perceber o valor de sua ideia. “Ofereci uma hora de aula sobre plano de negócios para uma pessoa e fui aprender Analytics com um cara que era super profissional naquilo. Só depois que saí da aula percebi o quão caro eu poderia ter pago”, conta.

O COMEÇO DE TUDO

Baiana criada em Curitiba, Lorrana teve as primeiras ideias da Bliive quando estava cursando duas faculdades – Direito, na Unicuritiba, e Relações Públicas na UFPR (Universidade Federal do Paraná). “Em 2011 eu estava com 21 anos, tinha acabado de voltar de um intercâmbio em Portugal e comecei a pensar no que queria fazer. Eu estudava por ideologia, mas não era apaixonada pelos assuntos. Também nunca havia pensado em empreender”, diz. Em maio de 2012, quando estava vendo uma série de documentários (entre eles o Money Fix) ela teve a ideia da Bliive. Pesquisou, viu que não existia nada do tipo, e decidiu agir.

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Qual o valor de uma aula de violão? Na Bliive, o mesmo de qualquer outra especialidade. A moeda é o tempo, o interesse, a necessidade.

Mas colocar a ideia em prática não foi fácil. “Minha vontade era muito grande, mas eu não tinha grana. Fiz algumas parcerias que não deram certo e demorei quase seis meses para chegar na primeira linha de código”, diz. Ela passou um tempo procurando gente para participar da empresa. Os primeiros dados programados vieram quando os designers José (Zeh) Henrique Fernandes, 22, e Murilo Mafra, 24, entraram na Bliive. Cada um dos três teve que vestir várias camisas, como é comum em startups. Lorrana fez as vendas e a parte de relações públicas, Murilo, o marketing, e Zeh cuidou da experiência de usuário e gerenciou os programadores. Além deles três, mais tarde Roberto Pompeo passaria a cuidar do jurídico e seria integrado como sócio da Bliive também.

O projeto foi se desenvolvendo nas madrugadas, finais de semana e qualquer tempo livre dos novos amigos. Em maio de 2013, eles abriram a primeira versão da plataforma online, com apenas alguns convites. O esforço foi compensado. Apenas duas horas após estar no ar, sem divulgação, a Bliive começou a aparecer na mídia. No final do mês, já havia uma fila de espera com 12 000 pessoas.

Zeh acredita que o interessante nas trocas da Bliive não é simplesmente receber o serviço de alguém e retribuir a outra pessoa. “No começo, quando fomos gravar o vídeo, chamamos pessoas que estavam usando a plataforma em Curitiba. No dia, foi uma garota que já havia feito 18 trocas – era mais do que eu. Ela era carioca e estava usando a Bliive para conhecer pessoas na cidade”, conta.

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O convite acima está na fanpage Bliive, que tem 8 000 fãs

 

A atenção da imprensa e os vários concursos e prêmios que a equipe venceu também foram essenciais para o crescimento da Bliive. No “quadro de medalhas” deles há prêmios como Jovens Inspiradores, da Editora Abril, Innovators Under 35, da MIT Technology Review, Hub Fellowship, do Hub Curitiba, Desafio Intel, e Creative Business Cup. Neste último, Lorrana representou o Brasil na Dinamarca e ficou lá sabendo do interesse de governos europeus na economia colaborativa.

NASCER NO QUINTAL, CRESCER NO MUNDO

Em seguida a Bliive se inscreveu no Sirius Programme, um programa de aceleração de startups do Reino Unido. Foram aprovados, receberam o equivalente a 200 mil reais em bolsa e, desde junho último, quatro dos seis integrantes do time se mudaram para Glasglow, na Escócia, para passar um ano trabalhando no projeto. Para lá foram Fernando Gielow, chefe dos desenvolvedores, Ana Beatriz Fernandes, diretora de relações internacionais, e os sócios Murilo, diretor de marketing, e Lorrana, a CEO. Com a ida dos amigos para lá, Zeh passou a cuidar também da representação nacional da empresa.

Lá em Glasglow, os quatro trabalham no espaço de co-working do programa – onde, além da bolsa, recebem mentoria, capacitação etc. “Largamos cidade, família, tudo para vir aqui tocar a Bliive, então fica mais fácil ter o objetivo claro de se dedicar ao projeto”, diz Lorrana. “É desafiador entrar em um país novo. Leva mais tempo para entender como se comunicar com as pessoas, mas é muito legal porque tem startups de vários lugares do mundo aqui, muita gente nos ajuda, dá ideias, feedbacks e abre portas.”

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Equipe avançada em Glasglow: Fernando Gielow, Lorrana Scarpioni, Ana Beatriz Fernandes e Murilo Mafra posam na Entrepreneurial Sparks

Apesar de ser uma ideia tão bem aceita por tanta gente, a Bliive tem alguns desafios, grandes, pela frente. O primeiro é incentivar o aumento das trocas. Atualmente, embora tenha mais de 40 000 usuários cadastrados, apenas 3 000 já concluíram alguma troca de serviços e há outras 12 000 acertadas, mas que ainda não aconteceram por falta de tempo ou dificuldades de deslocamento.

“A grande questão é que como a troca foi idealizada para acontecer offline, as pessoas ainda sentem certa dificuldade em se encontrar. Nem sempre há alguém que ofereça o que você quer na sua cidade ou perto o suficiente de você”, diz Zeh. Uma das soluções que encontraram é incentivar as trocas em clusters, cadastrando as trocas por faculdades ou bairros. Para minimizar este problema, eles também estão desenvolvendo um aplicativo com geolocalização, já em fase de testes com lançamento estimado para o fim deste ano ou início de 2015. Outra ideia é cadastrar ONGs que pudessem receber horas de trabalho voluntário em troca de TimeMoneys. Por ora, conseguiram cadastrar algumas em Curitiba, apenas. “Mas temos planos maiores para isso também”, conta Zeh.

Outro desafio é a, ainda que ironicamente óbvia, monetização da operação. Até hoje a Bliive não teve nenhuma fonte de receita, mas ao pensarem em clusters para facilitar as trocas, eles vislumbraram um modelo de negócios: criar o que batizaram de Bliive Groups no qual empresas podem abrir grupos especiais dentro da plataforma e levar o conceito de economia colaborativa para dentro de suas organizações.

“A empresa economiza em capacitação, aproxima mais as pessoas e incentiva atividades variadas”, diz Lorrana. Dois espaços de co-working já se tornaram clientes da Bliive, mas eles só serão divulgados no lançamento dos Bliive Groups, que está próximo, ela diz, mas ainda não tem data marcada.

Também há a expectativa com o lançamento internacional da empresa. Afinal de contas, eles não estão no Reino Unido por acaso: querem validar o negócio na Europa até o final deste ano. “Não sei se será mais fácil do que no Brasil, porque apesar de a economia colaborativa ser um conceito mais disseminado por aqui, o pessoal também tem mais dinheiro e talvez possa querer pagar pelos serviços em vez de trocar algo por eles. Acho que, depois de consolidada a marca, é que podemos crescer mais na Europa”, diz Lorrana.

Depois de um ano e meio de atuação, a Bliive decidiu procurar investidores anjo para acelerar o crescimento. Eles buscam algo na casa dos 200 mil reais. Basicamente, investimento para escalar o produto com tecnologia, marketing etc. “Estamos criando uma nova cultura de viver e trocar relações, é um longo processo de absorção que estamos propondo. Mas conseguimos visualizar isso acontecendo e mudando o mundo”, diz — ou melhor, acredita — Zeh.

draft card bliive

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